Amianto: primeira parte da sessão é dedicada a sustentações orais

Na primeira parte da sessão plenária do Supremo Tribunal Federal desta quarta-feira (31), dedicada ao julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade contra leis estaduais que proíbem o uso do amianto (ADIs 3357 e 3937), representantes das duas correntes relativas ao tema apresentaram seus pontos de vista em sustentações orais. Na tribuna, o advogado da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI), autora das ADIs, sustentou a inconstitucionalidade das normas questionadas. Em sentido oposto, o procurador do Estado de São Paulo defendeu a validade da Lei Estadual 12.684/2007. Em seguida, representantes de entidades admitidas nos feitos na condição de amicus curiae também expuseram suas posições quanto à utilização do amianto no país.

CNTI reafirma inconstitucionalidade das normas questionadas

O advogado Marcelo Ribeiro, representante da CNTI, confirmou a posição a entidade pela inconstitucionalidade das Leis estaduais 11.643/01, do Rio Grande do Sul, e 12.684/07, de São Paulo, com o argumento de que os estados não têm competência para legislar sobre esse assunto. Nesse sentido, afirmou que a competência da União e dos estados para legislar sobre a matéria é concorrente. “Os estados podem até suplementar, mas não podem contrariar uma lei federal”, disse.

Contudo, Marcelo Ribeiro observou que, apesar de existir a Lei federal 9.055/95 – que permite o uso de uma das espécies de amianto, a crisotila, sob severas condições de fiscalização e cuidados para o trabalhador e para as pessoas de um modo geral –, as leis estaduais proíbem totalmente a utilização do mineral. “Neste caso, as leis estaduais afrontam diretamente a lei federal. Seria impróprio, no âmbito de uma ADI julgando matéria de lei estadual, apreciar-se, incidentalmente e eventualmente, a constitucionalidade da lei federal, quando existe aqui no Supremo uma ADI para isso”, disse. “A Lei nº 9.055/95 de maneira alguma está em desacordo com a Convenção 162 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que seria a justificativa para permitir a legislação estadual”.

Procurador de SP defende avanço na legislação à luz da ciência

Em sua sustentação oral, o procurador do Estado de São Paulo Thiago Luís Sombra sustentou a inaplicabilidade ao caso em análise do efeito vinculante de decisão anterior do Supremo em relação à lei de São Paulo de banimento do amianto (ADI 2656, que declarou inconstitucional a Lei estadual 10.813/2001) – um dos argumentos da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria no pedido de inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 12.684/2007.  “Os núcleos semânticos das duas leis são distintos: a atual fala em uso do amianto, enquanto a anterior falava em importação, extração, beneficiamento etc.”, assinalou.

Outro ponto destacado pelo procurador foi a evolução da ciência verificada de 2003, ano do julgamento da ADI 2656, a 2012. “A ciência avança de tal forma que o efeito vinculante não pode tolher sua evolução”, afirmou, citando como exemplo o advento dos exames de DNA. “A coisa julgada não resistiu ao avanço da tecnologia nos casos de investigação de paternidade”, disse, lembrando que a Convenção 162 da OIT, de 1991, sobre utilização segura do asbesto, ratificada pelo Brasil, prevê a revisão periódica da legislação nacional, “à luz do desenvolvimento técnico e do aumento do conhecimento científico”.

Sindicato de Minaçu defende exploração do amianto

Pelo Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Extração de Minerais não Metálicos de Minaçu (GO), na condição de amicus curiae, sustentou o advogado Antônio José Telles de Vasconcellos. Ele expôs em sua apresentação as possibilidades de uso sem risco do amianto, assim como a persistência de dúvidas quanto à segurança das substâncias apontadas como seus substitutos. O principal deles, o polipropileno, seria, assim como o amianto, um material biopersistente – ou seja, persistiria dentro do organismo –, sendo ainda necessários mais estudos sobre esse material. “É preciso ter atenção às fibras ditas alternativas”, sintetizou o advogado.

Os limites atuais de exposição dos trabalhadores às fibras de amianto foram reduzidas, segundo Vasconcellos, por pressão dos próprios trabalhadores, caindo de duas fibras por cm³ para 0,1 fibra por cm³, concentração que seria praticamente nula. “Existe um terror grande produzido em torno do amianto, que chega até mesmo às lojas de material de construção. Várias medições foram feitas em depósitos, e o índice de presença de fibras é zero”, afirmou o advogado, pedindo aos ministros a declaração da procedência das ações que questionam as leis gaúcha e paulista que vedam a produção e uso do amianto.

IBC defende uso controlado de substâncias perigosas

Em nome do Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC), o advogado Carlos Mário da Silva Velloso Filho destacou a existência de outras substâncias tão ou mais perigosas que o amianto crisotila e que também necessitam ter uso controlado, mas que não têm seu banimento postulado, como níquel, cromo, mercúrio, os minerais radioativos e o cloreto de vinila, matéria-prima de um dos substitutos do material. “Não está aqui se sustentando uma isonomia ao não banimento. O que está se defendendo é que a vida contemporânea reclama convivência com materiais que, se não manipulados de forma controlada, podem, sim, trazer problemas de saúde ao ser humano”, afirmou.

Disse, ainda que, apesar de perigosas, essas substâncias trazem benefícios à sociedade e devem, portanto, ter seu uso regulamentado, como já ocorre no Brasil, de forma a evitar prejuízos aos seres humanos. Segundo ele, as medições anuais feitas na mina de Minaçu (GO), única em funcionamento no país, mostram que a quantidade de fibras por metro cúbico encontradas nas proximidades é semelhante à de regiões que não extraem ou industrializam o produto.

Procuradores do Trabalho dizem que banimento não causa desemprego

Roberto Caldas, representante da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), defendeu o banimento do amianto no Brasil e salientou a importância da decisão do STF para a nação, na medida em que o que está em jogo é a utilização de uma fibra mineral extremamente prejudicial à saúde e à vida, não só para trabalhadores do setor, mas para toda a sociedade. Caldas asseverou que entidades comprometidas e respeitadas como a ANPT e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não podem ser acusadas de pregar o desemprego dos trabalhadores da indústria do amianto quando, na verdade, estão lutando por sua saúde e qualidade de vida. Ele lembrou que duas das maiores confederações sindicais do país – a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical – defendem o banimento do amianto, em oposição à CNTI, autora das ADIs.

Ele rebateu os argumentos em favor da indústria do amianto, dizendo que a Convenção 162 da OIT não deve ser interpretada como permissiva do uso, na medida em que sinalizou claramente que o amianto deve ser banido do mundo. Caldas lembrou que à época em que a Convenção 162 foi editada não havia tantos produtos substitutos ao amianto como hoje. “Hoje, claramente, já há substitutos, tanto que a maior empresa do setor fez, em 2005, um relatório para seus acionistas afirmando estar pronta para substituir o amianto na sua linha de produção”, asseverou.

Vítimas do amianto acham que uso controlado é “uma falácia”

A sustentação oral em defesa das vítimas do amianto foi feita pelo advogado Mauro Menezes, que representa a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), entidade que se qualifica como uma “rede global cidadã desatrelada de qualquer interesse econômico, voltada à defesa da saúde e do meio ambiente equilibrado”. Menezes apresentou números do Ministério da Saúde segundo os quais 2.400 pessoas morreram nos últimos 10 anos em decorrência de doenças causadas pelo amianto, como câncer de pulmão e mesotelioma. O advogado salientou o processo de “desamiantação” em curso nos países europeus e na América do Norte.

“Não há controle possível. O uso controlado do amianto é uma falácia”, afirmou. Menezes disse que procuradores e juízes do trabalho são demandados cotidianamente em causas pedindo a reparação de danos causados pelo amianto, mas, como a doença tem um período de latência muito grande (demorando a se manifestar), muitas empresas estão propondo acordos extrajudiciais a seus empregados antes do adoecimento, obstruindo assim o exame judicial das causas trabalhistas.

Abifibro diz que não há uso seguro do amianto

Amicus curiae nas duas ações diretas de inconstitucionalidade em julgamento no Plenário do STF, a Associação Brasileira das Indústrias e Distribuidoras de Produtos de Fibrocimento (Abifibro) foi representada pelo advogado Oscavo Cordeiro Corrêa Neto, que destacou a impossibilidade de uso seguro do amianto e abordou as vantagens associadas ao uso de seus substitutos. O representante da associação sublinhou que há hoje novas tecnologias para a substituição do amianto por produtos que não constam em listas de produtos reconhecidamente cancerígenos, e é falsa a afirmação de que a substituição do amianto provocará a paralização na indústria e nos transportes.

Oscavo Neto observou haver grande semelhança entre as características dos produtos feitos com o crisotila e seus substitutos, com vantagens em favor dos substitutos, uma vez que não incorrem em custos indiretos relacionados amianto que pesam no sistema de saúde, previdência e em processos trabalhistas. “São custos que os economistas chamam de externalidades negativas, e que não existem para os produtos alternativos”, afirmou.

OAB defende leis estaduais

Representando o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que atua como amicus curiae na ação que questiona a lei paulista sobre o amianto, o advogado Oswaldo Pinheiro Ribeiro Júnior apresentou dois pontos em sua sustentação. Em primeiro lugar, sobre o conflito de lei local com lei federal, argumentou que a lei estadual dá concretude aos postulados da competência concorrente entre União e estados para que estes possam legislar sobre meio ambiente e direito a saúde.

Outro ponto foi o número de vítimas conhecidas do amianto no Brasil, que, segundo o representante da OAB, seriam apenas dois mil em função de uma liminar concedida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) impedindo que as empresas divulguem o estado clínico de seus trabalhadores. “O quadro é de total invisibilidade das vítimas”, concluiu o advogado.

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