Afastamento de portuário com base em MP da pandemia é lícito

Para a 5ª Turma, não houve discriminação por idade

A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou recurso de um trabalhador portuário avulso contra decisão que considerou lícito seu afastamento pelo Órgão de Gestão de Mão de Obra  (Ogmo) do Trabalho Portuário Avulso do Porto Organizado do Estado do Espírito Santo durante a pandemia da covid-19, em razão da sua idade. Ao manter a rejeição de seu pedido de indenização, por alegados prejuízos, o colegiado assinalou que o órgão agiu com base em Medida Provisória que tratava do enfrentamento da pandemia no setor portuário.

Medida provisória

A Medida Provisória 945/2020 estabelecia medidas especiais para a preservação das atividades portuárias, consideradas essenciais. A norma proibia o Ogmo de escalar avulsos em diversas hipóteses, entre elas idade igual ou superior a 60 anos e diagnóstico de comorbidades preexistentes.

Ainda conforme a MP, os avulsos teriam direito, durante o impedimento da escalação, a uma indenização compensatória de 70% da média mensal recebida. Contudo, não tinham direito a ela os trabalhadores que recebessem qualquer benefício do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) ou de regime próprio de previdência social.

Com a conversão da MP na Lei 14.047/2020, em agosto de 2020, a idade para afastamento passou a ser de 65 anos.

Idade

Na reclamação trabalhista, o portuário relatou que, com base na MP, em 12/6/2020, ao completar 60 anos, fora impedido de trabalhar no Porto de Vitória (ES), mesmo sem ter nenhuma comorbidade, e só pôde voltar em setembro, com o aumento da idade pela lei. E, como havia se aposentado pelo INSS em janeiro de 2019, ficou esse período sem receber a indenização prevista na norma.

Segundo ele, houve violação dupla de direitos: a proibição de trabalho, por motivo de idade, e o não recebimento da indenização. Por isso, pediu a condenação do Ogmo ao pagamento dos salários que receberia no período e, ainda, de indenização por danos morais.

Normas

O Órgão Gestor, em sua defesa, afirmou que tem o dever de cumprir, imediatamente, as normas impostas pelo poder público e garantir a segurança dos trabalhadores registrados em seus quadros, “sob pena de incorrer em falta grave e ser autuado pelos órgãos de fiscalização”.

Direito à vida

O juízo da 13ª Vara do Trabalho de Vitória (ES) entendeu que não houve discriminação, pois a MP buscou proteger pessoas que, em tese, seriam do grupo de risco. A sentença ainda registrou que o direito constitucional ao trabalho não é absoluto: havendo conflito entre dois ou mais direitos fundamentais, e não sendo possível harmonizá-los, precisa-se eleger o princípio mais relevante naquele momento – no caso, o direito à vida e à saúde da coletividade.

Quanto à indenização barrada aos aposentados, o juízo entendeu que, diante da dificuldade de indenizar todos os avulsos afastados, é coerente excluir os que já tinham renda.

Validade

O Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) manteve a decisão, com o entendimento de que os atos praticados na vigência da MP 945/2020, antes da conversão em lei, continuam válidos, mesmo com a alteração posterior. Por ter feito 60 anos na vigência da medida provisória, o trabalhador não fora escalado pelo Ogmo, e voltou a sê-lo quando a lei de conversão alterou a idade para 65 anos.

Constitucionalidade

O relator do recurso de revista do portuário, ministro Breno Medeiros, observou que o objetivo da MP foi alcançar o maior número possível de beneficiários desassistidos. A seu ver, excluir da compensação financeira quem já recebesse benefício previdenciário ou assistencial permitiu que outras medidas de amparo social fossem custeadas pelo Estado. “O órgão gestor de mão de obra apenas cumpriu o parâmetro normativo vigente ao tempo da medida”, afirmou.

Em relação à alteração posterior dos critérios etários estabelecidos pela MP, o ministro explicou que ela não pode retroagir aos atos praticados, regularmente, na vigência do seu texto original. Lembrou, ainda, que a realidade pandêmica tinha melhorado sutilmente no momento da conversão, permitindo o aumento da idade.

Não discriminação

Também de acordo com o ministro, não há discriminação arbitrária dos trabalhadores avulsos idosos, pois o tratamento desigual se justifica pelo enquadramento das pessoas acima de 60 anos no grupo de risco da covid-19.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PESSOA FÍSICA. MERA DECLARAÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA . A partir da vigência da Lei nº 13.467/2017, para a concessão do benefício da gratuidade da justiça, exige-se não apenas a mera declaração ou afirmação que a parte não possui condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo do seu sustento e da sua família, mas, também, a efetiva comprovação da situação de insuficiência de recursos, nos termos do art. 790, §§ 3º e 4º, da CLT. No presente caso, não foram produzidas provas suficientes da insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo, o que desautoriza, nos termos do art. 790, § 3º, da CLT, a concessão do benefício da gratuidade processual com base na mera declaração de insuficiência financeira . Não conhecido. CRISE SANITÁRIA DECORRENTE DA PANDEMIA DE COVID-19. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 945/2020. CONSTITUCIONALIDADE. OGMO. PROIBIÇÃO TEMPORÁRIA DE ESCALAÇÃO DE TRABALHADORES MAIORES DE 60 ANOS. INDENIZAÇÃO PELO PERÍODO DE AFASTAMENTO DAS ESCALAS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. EFEITOS DA MEDIDA PROVISÓRIA NO PERÍODO ANTERIOR À CONVERSÃO NA LEI Nº 14.047/2020. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA . Tendo em vista que a questão relativa à possibilidade de indenização dos trabalhadores avulsos afastados pela restrição de escalas de trabalho no setor porturário a trabalhadores avulsos idosos, por incidência da previsão contida no art. 2º, IV, da MP nº 945/2020, bem como da possibilidade de indenização pelo período de afastamento das escalas por parte do OGMO, ante a inconstitucionalidade do critério estabelecido pelo art. 3º, § 7º, I e II, da referida medida provisória não foram objeto de exame por esta Corte superior, pelo que resta configurada a transcendência jurídica da matéria. Na questão de fundo, contudo, o reclamante não logrou demonstrar o desacerto da decisão proferida pelo Regional. O acórdão recorrido declinou a compreensão daquele Tribunal a quo acerca da constitucionalidade da MP nº 945/2020, ao fundamento de que “a MP nº 945 teve por escopo regular a atividade portuária durante a grave situação pandêmica e proteger o direito à vida dos trabalhadores portuários do grupo de risco, dentre os quais, aqueles com idade igual ou superior a sessenta anos.” Registrou, ainda, que “o Estado tem o dever de assegurar a incolumidade e o direito à vida dos idosos, na forma do art. 230 da Constituição da República de 1988” , bem como que “em seu art. 1º, o Estatuto do Idoso define como tal as pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, exatamente a idade lançada na MP 945” . Nesse contexto, concluiu que “a Medida Provisória em questão, editada no momento inicial da pandemia, em que havia uma carência de informações precisas sobre a doença provocada pelo coronavírus, vai ao encontro dos preceitos constitucionais e legais acima transcritos, objetivando proteger os trabalhadores portuários considerados como grupo de risco pela sociedade científica, e não penalizá-los” . Com base nessa compreensão, o Regional assentou que “não há que se falar em inconstitucionalidade da norma, já que visava proteger bens jurídicos maiores, como o direito à vida e à saúde, no contexto da pandemia da Covid-19, a justificar, com base nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a restrição pontual e temporária ao trabalho daqueles com idade igual ou superior a 60 anos” . É essencial no exame dessa causa considerar, como complexidade singular da dimensão situacional de aplicação da norma, que o contexto extraordinário de emergência sanitária instalada com a pandemia de COVID-19, motivada pela rápida proliferação do contágio populacional pelo vírus SARS-COV-2. Essa circunstância grave, que motivou, inclusive, a declaração de um estado emergencial de calamidade pelo Estado brasileiro, impulsionou que, no curso do enfrentamento dessa crise que abateu o sistema sanitário brasileiro (e mundial), fossem adotadas pelo Governo Federal todas as medidas profiláticas e de combate ao contágio massivo de pessoas que estivessem disponíveis, a fim de conter o avanço da pandemia. Entre essas medidas figurava a restrição ao fluxo de pessoas e ao engajamento laboral, sobretudo daqueles grupos considerados mais suscetíveis aos riscos de agravamento do estado de saúde com a doença, dada a insuperável compressão da capacidade dos serviços públicos de saúde para atendimento de todos os casos notificados de COVID-19. Naquele contexto caótico, de acréscimo superlativo de pacientes que necessitavam de internação e/ou terapia intensiva para tratamento da doença, havia efetivamente um requisito de urgência e relevância que justificavam a edição da medida provisória, assim como pesava sobre o cenário político uma legítima preocupação com a racionalização dos serviços de saúde, o que pressupunha alguma contenção de liberdades, entre elas a de “ir e vir” e a de “trabalho e livre iniciativa”, por mais dramáticas que sejam quaisquer medidas adotadas nesse campo sensível da vida do cidadão e da macroeconomia do Estado. Assim, havia uma legítima motivação política e um fundamento constitucional relevante e urgente para a edição da MP nº 945/2020, já que habitava o debate público, na ocasião, temas como a preservação da vida, assim como a atenuação das perdas econômicas decorrentes da paralisação de atividades produtivas e serviços. Mas isso, como não poderia deixar de ser, envolveu um juízo de conveniência e oportunidade acerca da extensão das medidas a serem adotadas, assim como dos grupos afetados pelas regras de restrição de comportamento e de benefícios a serem concedidos por recursos subvencionados pelo Estado. Nesse sentido, é importante perceber que a compensação financeira fixada pela MP nº 945/2020 aos trabalhadores avulsos impedidos de se engajarem nas escalas de trabalho, em que pese tenha sido estabelecida como obrigação do OGMO e dos tomadores de serviços portuários, estava condicionada à redução de encargos da atividade produtiva, pela renúncia de algumas receitas tributárias, diante da natureza expressamente indenizatória da parcela prevista. Daí por que, por exemplo, sob tais valores a norma previu a ausência de incidência de imposto de renda retido na fonte, assim como sua exclusão da base de cálculo do lucro líquido declarado para fins de constituição do imposto de renda da pessoa jurídica, e, ainda, da Contribuição Social sobre Lucro Líquido das pessoas jurídicas tributarem-la pelo lucro real. Ou seja, ao fim e ao cabo, tratou-se de uma indenização subvencionada pelo Estado, a partir da desoneração tributária dos sujeitos passivos responsáveis pelo repasse de tais valores aos trabalhadores. Isso é importante para definir a natureza pública dos recursos que viabilizaram a implantação desse benefício emergencial, concedido aos trabalhadores avulsos impedidos de figurar nas escalas de trabalho do OGMO. Portanto, a visualização da condição peculiar de saúde pública que afligia o segmento idoso excluído das escalas de trabalho, assim como a constatação da necessidade de implantação de um benefício compensatório em caráter eletivo (e não universal), permite considerar, como feito pelo Regional, que não há inconstitucionalidade material da medida provisória, seja na exclusão das escalas de trabalho de pessoas com mais de 60 anos, seja na restrição dos beneficiários elegíveis à indenização temporária prevista no normativo federal. Primeiro, porque a idade era um relevante dado de saúde pública naquele contexto, como dito, fundado na percepção social dominante de que havia uma maior probabilidade de agravamento das complicações decorrentes do contágio por SARS-COV-2 em idosos, o que pesou, de fato, na decisão de isolar as pessoas de idade avançada naquele momento de enfrentamento da crise sanitária instalada com a pandemia de COVID-19. Segundo, porque a restrição da política de Estado em torno da indenização, retirando a condição elegível dos idosos que já contava com renda de proventos de aposentadoria ou benefício de assistência social (art. 3º, § 7º, I e II), também não caracterizou discriminação arbitrária, motivadora de qualquer vício de inconstitucionalidade. Como se deixou transparecer nas linhas gerais anteriores, condições econômico-financeiras impõem que a adoção de benefícios subvencionados pelo Estado leve na devida consideração aspectos orçamentários relevantes, a fim de preservar o equilíbrio fiscal das medidas políticas de alcance social, em proveito da própria exequibilidade dessas políticas públicas. Desse modo, é necessário fixar critérios responsáveis de eleição dos sujeitos agraciados pelos benefícios indiretamente subvencionados por renúncias fiscais, como no caso, já que os recursos financeiros são sempre limitados, o que, por conseguinte, impacta nas possibilidades de alcance orçamentário de todas as infindáveis necessidades públicas. Logo, para o alcance de tais necessidades, impõe-se como premissa material concreta a existência dos recursos, o que se traduz na premissa de que a ação de Estado deve ser guiada segundo um critério hígido de deliberação política, que considere o nível de prioridade entre as demandas sociais que dependem do aporte financeiro de recursos públicos. No caso, o benefício provisório previsto na medida provisória estava, ainda que indiretamente, atrelado a esses critérios orçamentários, já que a indenização paga por operadores portuários, por intermédio do OGMO, estava baseada em uma renúncia fiscal correlata, como visto. Assim, o critério estabelecido pelo art. 3º, § 7º, I e II, da MP nº 945/2020, ao contrário de uma discriminação ilícita, visou ao alcance do maior número possível de beneficiários desassistidos, já que obstar a percepção da compensação financeira aos idosos já em gozo de benefício previdenciário ou assistencial seguramente permitiu que outras medidas de amparo social fossem custeadas pelo Estado, pois limitou o nível de renúncia fiscal com essa medida específica. É possível, portanto, estabelecer, do ponto de vista sistêmico, uma premissa orçamentária segundo a qual o nível de renúncia fiscal decorrente dessa política de Estado repercutiu na própria disponibilidade financeira de orçamento para outras políticas, com proveito indireto, inclusive, da população idosa não abarcada pela indenização portuária, mas assistida pelas demais políticas públicas de enfrentamento da pandemia. Daí porque, neste julgamento, é bastante plausível considerar que a limitação criteriosa da renúncia de receitas federais, decorrente da exoneração fiscal estabelecida sobre a indenização de que trata o art. 3º da MP nº 945/2020, é um critério legitimamente estabelecido por essa medida provisória. Ou seja, segundo o raciocínio aqui estabelecido, o acréscimo de receitas com a limitação de renúncia fiscal em uma política, notadamente aquela estabelecida pela MP nº 945/2020, repercutiu de forma indireta na possibilidade de materialização de outras políticas públicas igualmente importantes e inadiáveis naquele contexto pandêmico. Isso, por sua vez, parece chancelar com o crivo da legitimidade constitucional a iniciativa do Governo Federal ao limitar a percepção da indenização prevista na MP nº 945/2020 aos trabalhadores avulsos idosos que não possuíam outra fonte de renda ligada ao Estado, sejam proventos de aposentadoria, seja o benefício assistencial previsto no art. 10-A da Lei nº 9.719, de 27 de novembro de 1998. Resta evidenciado, portanto, nesse cenário, o critério igualitário utilizado pelo Estado brasileiro, tanto naquilo em que proibiu o engajamento de pessoa idosa na escala de trabalho do OGMO, quanto naquilo em que limitou a incidência do benefício previsto no art. 3º da medida provisória em exame aos trabalhadores avulsos idosos sem fonte alternativa de renda por aposentadoria ou benefício assistencial. Esse critério, aliás, foi em alguma medida reproduzido na política pública de renda chamada de “auxílio emergencial”, que também ostentava um caráter não cumulativo, como ressaltado pelo Regional, o que comprova que a limitação de tais políticas públicas contava com um fundamento igualitário sensível ao contexto político da pandemia e às limitações materiais do orçamento brasileiro naquela ocasião. Logo, conclui-se pela constitucionalidade tanto do disposto no art. 2º, IV, quanto no art. 3º, § 7º, I e II, da MP nº 945/2020, o que afasta a alegação de ato ilícito como causa de pedir para a reparação integral do período de afastamento das escalas de serviço pelo OGMO, já que o órgão gestor de mão-de-obra apenas cumpriu o parâmetro normativo vigente ao tempo da medida, o qual não se encontra eivado de vício de inconstitucionalidade. Assim, correta a compreensão do Regional, no sentido de que “a discriminação só é ilícita se não houver justificativa para o tratamento desigual, e, na hipótese aqui discutida, há sim, pois as pessoas acima de 60 anos se enquadram no grupo de risco da COVID-19” , pelo que não há falar em discriminação arbitrária dos trabalhadores avulsos idosos pela MP nº 945/2020. No caso examinado, em lugar de discriminar de forma ilegítima o seu público alvo, o critério estabelecido pela medida provisória permitiu potencialmente que mais pessoas, idosas ou não, e em situação de vulnerabilidade plena, obtivessem do Estado o auxílio que precisavam com mais urgência, pela completa ruína financeira que a paralisação do seu trabalho representou no contexto da pandemia, ao contrário dos idosos que já contavam com algum nível de renda assegurado pelo Estado. Não há, portanto, inconstitucionalidade material no critério adotado pela medida provisória no período crítico da pandemia de COVID-19 no Brasil, seja no aspecto da idade fixada como marco pelo art. 2º, IV, da MP nº 945/2020, seja no aspecto da exclusão do benefício de compensação financeira aos idosos que já contavam com renda pública decorrente de aposentadoria ou assistência social do Estado (art. 3º, § 7º, I e II). O princípio da igualdade, nesse caso, foi devidamente respeitado, em sua dimensão normativa de integridade, a qual está fundada em um dever geral de igual consideração e respeito, o que não anula, mas sim reforça a necessidade de equalização política das diferenças sociais, por critérios não arbitrários que materializem a consideração imparcial de todos os interesses envolvido por uma deliberação política legítima. Isso, ao que parece, foi devidamente atendido pela ação deflagrada pelo Governo Federal, que agiu com imparcialidade e responsabilidade fiscal ao fixar os critérios de percepção da indenização subvencionada pela renúncia de receitas atrelada à indenização prevista na MP nº 945/2020. Igualmente, não configura a alegada inconstitucionalidade a simples alteração posterior dos critérios etários estabelecidos pela MP nº 945/2020, por ocasião de sua conversão pela Lei nº 14.047/2020. Isso porque, mesmo que a lei de conversão tenha passado a considerar a idade de corte das escalas de trabalho como 65 anos, assim como tenha estabelecido o critério qualitativo segundo o qual tal restrição se voltava ao trabalhador que “não comprovar estar apto ao exercício de suas atividades” , o fato é que o contexto de fixação da medida provisória era mais incerto do que aquele no qual a aprovação da lei de conversão ocorreu, avançando-se no domínio da crise com o decurso do tempo e a ampliação das estratégias de combate ao vírus, o que culminou com uma avaliação sanitária progressivamente mais maleável, no tocante aos riscos de grupos etários para a deflagração de complicações com a doença. Aqui, a mudança legislativa de alguns dos critérios estabelecidos pela MP nº 945/2020 não pode retroagir aos atos deflagrados regularmente ao tempo da vigência do seu texto original, pois, como bem ressaltado pelo Regional, “os atos praticados na vigência da MP nº 945/2020 conservam sua eficácia, a despeito da alteração promovida pelo Congresso” . O fundamento para tal conclusão é o próprio art. 62, § 12, da Constituição, que estabelece que “aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto” . Reforça tal compreensão a própria previsão do § 11 do citado art. 62 da Constituição, já que, segundo esse preceito constitucional, mesmo quando “não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas .” Esse critério de estabilização das expectativas normativas dos destinatários da norma atende a um imperativo de segurança jurídica que, previsto no art. 5º, XXXVI, da Carta Magna, materializa a vocação política da lei para a regulação definitiva das relações jurídicas estabelecidas no curso de sua vigência, salvo exceções disciplinadas pela própria Constituição Federal, o que não se aplica na hipótese. Portanto, de tudo quanto exposto, é possível concluir, a um só tempo, que a MP nº 945/2020 é constitucional em todos os termos questionados pelo reclamante, bem como que as alterações promovidas pela sua conversão na Lei nº 14.047/2020 não afetam os efeitos jurídicos regularmente deflagrados no curso de sua vigência. Também é pertinente considerar, como fez o Regional, que “eventual declaração de inconstitucionalidade da MP nº 945/2020 não faz recair sobre o OGMO a responsabilidade pelos danos causados, porquanto não demonstrada a prática de qualquer ato ilícito, mas sim obediência aos termos do ato normativo vigente à época dos fatos.” De fato, o estrito cumprimento de um ato normativo federal vigente ao tempo da ação do OGMO, cuja constitucionalidade é presumida, até que se declare judicialmente o contrário, não poderia mesmo refletir em responsabilidade civil direta do órgão gestor da mão-de-obra portuária, dado que apenas cumpriu o critério legal vigente ao tempo da MP nº 945/2020. Quando muito, como se sabe, em sede de controle concentrado de constitucionalidade uma eventual decisão de inconstitucionalidade poderia deflagrar tais efeitos “ex tunc”, e problematizar o cenário jurídico em exame, o que não ocorreu na hipótese . Assim, no caso em julgamento, conclui-se pela eficácia e validade dos atos de restrição promovidos pelo OGMO, tanto no que se refere à não escalação do reclamante, quanto no tocante à não concessão da indenização compensatória prevista na MP nº 945/2020, sendo certo que são essas questões que figuraram como causa de pedir da pretensão externada pela exordial. Não há, aqui, nem ato ilícito a ser reparado pelo reclamado, tampouco culpa patronal pelo eventual prejuízo experimentado pelo trabalhador com o decréscimo de renda experimentado, de modo que os requisitos para a condenação do órgão gestor não se encontram presentes, nem sob a perspectiva do enquadramento obreiro no benefício previsto no dispositivo legal, nem sob a perspectiva de perdas e danos, decorrentes da conduta omissiva do OGMO, a qual decorreu de imposição legal, e não de um ato arbitrário e/ou discriminatório do demandado. Nesse contexto, uma vez que não restou configurada nenhuma das hipóteses de cabimento da revista (art. 896, “a” e “c”, da CLT), por qualquer ângulo que se visualize a questão o recurso não merece ser conhecido. Recurso de revista não conhecido .

A decisão foi unânime. Contudo, o portuário apresentou recurso extraordinário e embargos, para que o processo seja analisado pelo Supremo Tribunal Federal e pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST.

Processo: RR-919-53.2020.5.17.0013 

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