A decisão segue o entendimento de que não há dever legal de repor verbas recebidas de boa-fé para custear direitos fundamentais de natureza essencial.
Na sessão desta terça-feira (19), a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) restabeleceu sentença que havia reconhecido o direito de uma mulher com amiotrofia espinhal progressiva (AME) de ter medicamento e tratamento custeados por seu plano de saúde. A decisão unânime se deu no julgamento de embargos de declaração no Recurso Extraordinário (RE) 1319935.
Alto custo
Na origem, a Justiça havia deferido o pedido de tutela antecipada para o recebimento de medicamento de alto custo e os respectivos serviços de saúde. Contudo, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) acolheu parcialmente a apelação do plano de saúde apenas para limitar a obrigação de custear o medicamento somente a partir da data de seu registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ficando a paciente sujeita à cobrança dos valores despendidos.
A Turma, inicialmente, não conheceu do recurso por questões processuais. Contra essa decisão, a segurada opôs os embargos, acolhidos na sessão de hoje.
Boa-fé
Em seu voto, o ministro Edson Fachin (relator) afirmou que pessoas beneficiárias de planos de saúde estão isentas de devolver produtos e serviços prestados por ordem judicial. Segundo ele, a jurisprudência do STF é de que não é dever legal a reposição de verbas recebidas de boa-fé para custear direitos fundamentais de natureza essencial.
No caso, ficou constatada a natureza essencial e imprescindível do medicamento e dos tratamentos dispensados, nos termos do laudo médico pericial, para assegurar o direito à vida e à saúde da segurada, assim como o recebimento de boa-fé dos produtos e dos serviços de saúde.
O voto do relator foi acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Nunes Marques e André Mendonça.
No TJSP, o recurso ficou assim ementado:
PLANO DE SAÚDE – OBRIGAÇÃO DE FAZER – NEGATIVA DE COBERTURA – Preliminar de nulidade da r. sentença – Alegação da ré de que a r. sentença fora proferida enquanto vigente a ordem de suspensão do processamento determinada pelo C. Tribunal de Justiça, decorrente da pendência da análise do recurso repetitivo que versa sobre a obrigação ou não do fornecimento de medicamento importado não registrado na ANVISA pelas operadoras de planos de saúde – Não acolhimento – Suspensão que não se aplica ao caso – Medicamento pleiteado pela autora que foi registrado pela ANVISA no curso da ação – Medicação em questão que não se submete à questão discutida no REsp nº 1.726.563/SP (tema 990) – PRELIMINAR REJEITADA. PLANO DE SAÚDE – OBRIGAÇÃO DE FAZER – NEGATIVA DE COBERTURA – Autora portadora de amiotrofia espinhal progressiva tipo I, doença grave, neurodegenerativa e progressiva, caracterizada pela perda progressiva dos neurônios motores, conforme relatório médico – Relatório médico que atesta a necessidade premente de terapia por meio de medicamento “Spinraza”, pois é o único tratamento na atualidade para o tratamento da doença que acomete a autora – Indicação médica do medicamento e propositura da ação quando o fármaco ainda não havia sido registrada na Anvisa – Licitude da limitação de cobertura pela operadora de saúde de medicação não registrada na Anvisa, ante a decisão pelo C. Superior Tribunal de Justiça, por meio dos Resp nº 1.726.563/SP e 1.712.163/SP (tema 990) – Aprovação do registro do medicamento na Anvisa no curso da ação em 28.08.2017 – Irresignação da ré contra a r. sentença que julgou procedente o pedido inicial – Pedido de reforma da r. decisão para que seja obrigada a custear a medicação após o seu registro na ANVISA – Acolhimento do pedido da ré – Dever da ré, portanto, ao custeio do fármaco quanto aos pedidos ulteriores ao seu registro pela agência reguladora – Sentença reformada em parte – Sucumbência recíproca – Cada parte arcará com a metade das custas e despesas processuais e responsabilidade de cada litigante pelo pagamento de honorários advocatícios da parte adversa – RECURSO PROVIDO
No STJ, o recurso ficou assim ementado:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE A OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE CUSTEAR MEDICAMENTO NÃO REGISTRADO NA ANVISA. REGISTRO EFETUADO NO CURSO DA DEMANDA. TEMA 990. SÚM. 568/STJ.
1. Ação de obrigação de fazer para custeio de medicamento pela operadora de plano de saúde.
2. A mera referência à existência de omissão no acórdão recorrido, sem demonstrar, concretamente, o ponto omitido, sobre o qual deveria ter se pronunciado o Tribunal de origem, e sem evidenciar a efetiva relevância da questão para a resolução da controvérsia, não é apta a anulação do acórdão por negativa de prestação jurisdicional (súm. 284/STF).
3. A Segunda Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.712.163/SP (julgado em 08/11/2018, DJe de 26/11/2018) pela sistemática dos recursos repetitivos, consolidou o entendimento de que: (I) é legítima a recusa da operadora de plano de saúde em custear medicamento importado, não nacionalizado, sem o devido registro pela ANVISA, em atenção ao disposto no art. 10, V, da Lei nº 9.656/98, sob pena de afronta aos arts. 66 da Lei nº 6.360/76 e 10, V, da Lei nº 6.437/76; e (II) após o registro pela ANVISA, a operadora de plano de saúde não pode recusar o custeio do tratamento com o fármaco indicado pelo médico responsável pelo beneficiário.
Incidência da súm. 568/STJ.
4. Hipótese em que, assim como no precedente (tema 990), impôs-se para a operadora a obrigação de custear o medicamento a partir do registro na Anvisa, que se deu no curso do processo, após a concessão da antecipação de tutela.
5. Agravo interno no recurso especial conhecido e desprovido.
-
Processo relacionado: RE 1319935