Supremo mantém Estatuto da Terra

O Supremo Tribunal Federal indeferiu hoje (4/4) liminar nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI 2213 e 2411) contra a Medida Provisória (MP) 2.183-56, de 24/8/2001, editada pelo Presidente da República que alterou dispositivos do Estatuto da Terra e da Lei de Reforma Agrária.

O Partido dos Trabalhadores e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) tiveram seus processos reunidos em um só porque tinham objetivos comuns, tais como declarar a inconstitucionalidade da parte da MP segundo a qual os imóveis rurais invadidos por movimentos sociais envolvidos em conflitos agrários e fundiários só poderão ser vistoriados para fins de reforma agrária após dois anos da desocupação da propriedade.

Um outro artigo da lei impugnada impede o repasse de recursos públicos para entidade, organização, pessoa jurídica, movimento ou sociedade que de algum modo contribuir para a invasão de imóveis rurais ou bens públicos.

As ações do PT e da Contag também se opõem aos dispositivos que tratam do Programa de Arrendamento Rural. Nessa parte, a Medida Provisória diz que os imóveis arrendados não serão objeto de desapropriação para reforma agrária, desde que atendam requisitos estabelecidos por regulamento, que é um ato normativo do Poder Executivo.

VOTO

O julgamento da liminar, interrompido em 6 de setembro do ano passado, foi retomado e finalizado hoje, com o prosseguimento da leitura do voto do relator, o ministro Celso de Mello. O posicionamento dele foi pelo indeferimento da medida cautelar relativamente a todos os artigos questionados. A única exceção foi o “caput” do artigo 95-A do Estatuto da Terra, que instituiu o Programa de Arrendamento Rural. Essa parte nem chegou a ser apreciada pois, segundo o ministro, os requerentes não apresentaram motivos específicos para se declarar a inconstitucionalidade.

De um modo geral, Celso de Mello considerou que a Medida Provisória não violou a Constituição Federal. Na parte que trata da não-desapropriação de imóveis arrendados, o ministro argumentou que a norma não ultrapassou os limites da carta na parte que trata da política agrícola e reforma agrária (artigo 185 e seguintes)

Para o relator, ao prever um regulamento cujos requisitos devem ser obedecidos, garante-se o respeito à função social da propriedade. Nessa parte, quase todos os ministros também concordaram com Celso de Mello, ficando vencido o ministro Marco Aurélio.

Quanto ao impedimento de vistoria de imóveis invadidos por movimentos sociais em um prazo de dois anos, o ministro Celso de Mello argumentou que essas investidas caracterizadas pelo uso da força são ilícitas. Segundo ele, a ocupação arbitrária de terras inviabiliza o alcance do grau de produtividade da terra exigido pela lei para que a propriedade atenda a sua função social. Ele lembrou, também, decisões anteriores da corte cassando decretos expropriatórios concedidos sobre imóveis que foram alvo de invasão por trabalhadores sem-terra.

O ministro Ilmar Galvão abriu dissidência contra o voto do relator. Ele entendeu que esse prazo de dois anos é justo somente nos casos em que a propriedade já era produtiva antes da invasão e tem sua produção destruída por conta da ocupação forçada.

Se, ao contrário, a terra não era produtiva antes do fato, o ministro Ilmar pensa não ser razoável que o proprietário tenha um prazo de dois anos para tornar seu imóvel produtivo. O ministro votou no sentido de dar uma interpretação conforme a esse dispositivo, ou seja, caso isso se torne alvo de disputa judicial, não poderia ser concedido o prazo para donos de fazenda improdutivas antes da invasão, só para aqueles que tivessem produção anteriormente.

Os ministros Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio foram além e deferiram a liminar no todo quanto a esse ponto, pois consideraram a solução insatisfatória. O problema, para eles, é que a vedação da vistoria não daria margem nem mesmo a saber se a propriedade era produtiva ou não. A vistoria antecede o processo de desapropriação. Sepúlveda e Marco Aurélio consideraram a sanção de dois anos exagerada, pois é imposta a todos os possíveis beneficiados com a reforma agrária, e por outro lado é um “prêmio” aos proprietários que tem seus imóveis invadidos por movimentos sociais. Eles ficaram vencidos nessa questão.

Quanto ao não-recebimento de recursos públicos, que também pode levar até à quebra de contrato público contra qualquer entidade, mesmo se apenas por via indireta incentivar ou colaborar para a invasão de imóveis rurais e a rescisão de contratos, Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence discordaram e opinaram pelo deferimento do pedido, também ficando vencidos. Nessa parte, Sepúlveda Pertence votou de forma diferente do ministro Marco Aurélio, pois deferiu a liminar somente quanto à expressão “a qualquer título” constante do parágrafo oitavo do artigo 2º da Lei de Reforma Agrária.

O ministro-presidente do STF comentou que se fosse aceita a redação do dispositivo, até mesmo a Igreja Católica poderia ser incluída no rol das instituições que não poderiam receber recursos do Poder Público, para qualquer finalidade, ou ter contratos com a Administração Pública rescindidos.

Por sua vez, o relator do processo, ministro Celso de Mello, disse que não pretendia exaltar o direito de propriedade nem seu caráter absoluto, em face da supremacia do interesse social. Entretanto, esse interesse tem de ser atendido com respeito ao princípio da legalidade e outros limites, formas e procedimentos fixados pela Constituição. “O respeito à lei e à ordem jurídica representa condição indispensável e necessária ao exercício da liberdade e da prática responsável da cidadania”, disse ele. Celso de Mello asseverou ainda que mesmo interesses legítimos não podem ser defendidos pela força, pois, nas suas palavras, “nada pode justificar o desrespeito à autoridade das leis e à supremacia da Constituição da República”.

Também favorável à mesma posição do relator, o ministro Néri, em seu voto, enfatizou que os conflitos agrários que estão ocorrendo no país não podem ser ignorados pelas autoridades. Ele chamou atenção para a necessidade de observância à Constituição de 1988 que, ao exigir que a propriedade privada cumprisse sua função social, teve como objetivo restabelecer o equilíbrio social, ou seja, distribuir terras àqueles que não as têm.

A ministra Ellen Gracie não estava presente, e o voto do ministro relator foi aprovado integralmente por seis de seus colegas – Nelson Jobim, Maurício Corrêa, Sydney Sanches, Moreira Alves, Néri da Silveira e Carlos Velloso.

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