Município goiano revela a complexidade da questão do amianto

Até 1939, o Brasil importava todo o amianto que consumia. Na década seguinte, foram descobertas jazidas do mineral em várias regiões do país, como Pontalina, no sul de Goiás, e São Félix, no município de Poções, na Bahia, que não existe mais devido ao esgotamento de reservas. Hoje, a única mina de amianto em exploração no país fica na cidade de Minaçu, no nordeste de Goiás. A jazida deu ao Brasil a autossuficiência no setor, e sua reserva, segundo estimativa recente, é suficiente para a produção de amianto crisotila por mais 50 anos.

A história do município se confunde com a criação da mineradora na região. Conta-se que um dos empregados de uma fazenda notou que na área havia grande quantidade de pedras esverdeadas e escamosas. O proprietário das terras resolveu avaliar o mineral e procurou um negociante de minério, que levou o fragmento para análise em um laboratório em São Paulo. O comerciante apresentou os resultados para a um gerente da S.A. Mineração de Amianto (Sama), empresa franco-brasileira dedicada à exploração de amianto crisotila, que resolveu adquirir a área. Hoje, 45 anos depois, a mineradora é uma das maiores jazidas de amianto do mundo, e fez de Minaçu um dos municípios mais ricos do Estado de Goiás.

Crisotila

A forma mais utilizada e mais comum do amianto – e a única permitida no Brasil – é a crisotila. As demais – actinolita, amosita (asbesto marrom), antofilita, crocodilita (amianto azul) e tremolita, bem como os produtos que as contenham – são vedadas pela Lei  9055/1995.

As características físico-químicas do amianto crisotila o tornaram matéria-prima importante para a indústria, que o utiliza em larga escala na produção de telhas, caixas-d’água, materiais plásticos, tintas etc. Entre as suas propriedades, o mineral é um excelente isolante térmico, resiste a altas temperaturas, tem grande durabilidade e flexibilidade. Estimam-se em mais de 3,5 mil as utilidades para o produto.

A disputa econômica não é dos trabalhadores”

A ideia de acabar com a produção de amianto na região de Goiás preocupa não só os trabalhadores, que temem ficar sem os empregos, mas também a população de Minaçu. Isso porque a produção representa cerca de 40% da arrecadação do município de 35 mil habitantes.

Para o vice-presidente da Comissão Nacional do Amianto e presidente da Federação Internacional dos Trabalhadores do Amianto (Fitac), Adilson Santana, a questão tem de ser tratada pelos opositores “com mais responsabilidade”. Santana não ignora que, no passado, eram poucos os cuidados das empresas em relação ao trabalho com a crisotila, mas afirma que hoje a realidade é outra, graças aos avanços no controle da exploração do asbesto e às mudanças ocorridas por força de acordos trabalhistas. “Levamos anos para conquistar ambientes saudáveis e seguros”, afirma. “Agora que conseguimos querem a proibição da produção. A disputa econômica não é dos trabalhadores, é entre os empresários”, reclama.

Segundo cálculos da Comissão, só em Minaçu são 3,5 mil empregos diretos e indiretos, e as 15 fábricas de fibrocimento no resto do país dão emprego a mais de 10 mil trabalhadores. Há mais de 25 anos na defesa do amianto, Adilson assegura que não há risco hoje para o trabalhador do amianto, e que nas minas o ar é puro e o ambiente seguro. “A gente não ia dar nossas vidas para ganhar a vida. Não somos um bando de suicidas.”

Já a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) rebate o uso seguro do mineral, e afirma que o contato com a crisotila representa um grave problema de saúde pública para o Brasil e para o mundo. Segundo dados da associação, morrem por ano, no mundo, cerca de 100 mil pessoas vítimas do amianto.

Entre os problemas mais comuns está a asbestose, doença pulmonar causada pela aspiração de pó de amianto. Quando chega aos pulmões, a fibra de crisotila causa inflamação dos tecidos, que leva à fibrose, comprometendo seriamente as funções do órgão. Outra doença praticamente exclusiva àqueles em exposição ao amianto é o mesotelioma, tipo de câncer da pleura que pode levar à morte em apenas nove meses.

Segundo informações da Abrea, houve nos últimos dez anos 2,4 mil casos de mesotelioma registrados no Brasil. Ainda de acordo com a entidade, os acordos extrajudiciais realizados entre empresas e trabalhadores doentes mascaram os dados perante as instituições de saúde e previdência.

Magnatas na cadeia

O caso mais rumoroso envolvendo a questão do amianto se refere à condenação, pela Justiça italiana, dos fundadores e proprietários do grupo Eternit – o empresário suíço Stephan Schmidheiny, de 65 anos, e do barão belga Louis de Cartier de Marchienne, de 92 anos, – a 16 anos de prisão por exporem funcionários e moradores de uma região italiana ao amianto. Segundo a Justiça de Turim, eles seriam culpados pela morte de mais de três mil pessoas na região de Casale Monferrato, na Itália, por doenças causadas pelo produto. Para os juízes italianos, os empresários sabiam do poder cancerígeno da fibra, mas não alertaram a população de nada.

No Brasil, sete estados já proibiram o uso do amianto: Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco, São Paulo, Mato Grosso, Espírito Santo, Pará e Mato Grosso do Sul. Todas as leis estaduais de banimento foram objeto de questionamento no Supremo Tribunal Federal.

Briga judicial

A complexidade do tema pode ser também percebida na decisão do ministro Marco Aurélio, do STF, de convocar audiência pública para discutir o tema. Ele é o relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3937, na qual a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI) ataca Lei Estadual 12684/2007, de São Paulo, que proíbe o uso, naquele estado, de produtos, materiais ou artefatos que contenham quaisquer tipos de amianto ou asbesto ou outros minerais que tenham fibra de amianto na sua composição. O objetivo, segundo o ministro, é analisar, “do ponto de vista científico, a possibilidade de uso seguro” da crisotila e os riscos à saúde pública que o material pode trazer. Pretende-se também verificar se as fibras alternativas ao amianto crisotila são viáveis, considerando-se os eventuais prejuízos à higidez física e mental da coletividade, além dos impactos econômicos decorrentes das duas opções.

A audiência pública teve início na sexta-feira (24), com a participação de 17 expositores, e prossegue na próxima semana (31). Ao todo, serão 35 expositores, cada um dispondo de 20 minutos para apresentar seus pontos de vista e responder às dúvidas dos ministros do STF.

As exposições e pesquisas servirão de subsídio também para quatro outras ações da CNTI contra leis estaduais semelhantes: ADI 3355, contra lei do Rio de Janeiro, de relatoria do ministro Joaquim Barbosa; ADI 3356, de Pernambuco, na qual o relator, ministro Eros Grau, hoje aposentado, já votou pela procedência, e aguarda retorno de vista do ministro Barbosa; ADI 3357, do Rio Grande do Sul, conclusa ao ministro Ayres Britto; e ADI 3406, também do Rio de Janeiro, que tem como relatora a ministra Rosa Weber. A ADI 2396, do Mato Grosso do Sul, da relatoria da ministra Ellen Gracie (hoje aposentada), foi julgada parcialmente procedente em 2003.

Em todas as ADIs contra a proibição de amianto nos estados, a CNTI alega que as leis estaduais usurpam a competência legislativa da União e entram em confronto com a Lei Federal nº 9055/1995, que permite o uso controlado do amianto no País. Essa permissão é o ponto central da mais aguardada das ADIs em tramitação no STF: a 4066, ajuizada pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra).

As associações pedem a revogação do artigo 2º da Lei nº 9055/1995, que autoriza a extração, comercialização e utilização da crisotila, e afirmam que pesquisas científicas em vários países já comprovaram os malefícios, principalmente o câncer, causado pelo amianto em suas diversas formas, inclusive o branco. O relator é o ministro Ayres Britto, que, até o momento, já deferiu a participação de dez representantes da sociedade civil (associações, sindicatos, entes federativos) na condição de amicus curiae – figura admitida no processo para opinar sobre temas específicos dos quais tenha conhecimento, passando a figurar como parte interessada na ação e a ter direito a se manifestar na tribuna do Plenário. Entre os amici curiae já admitidos estão as duas principais forças envolvidas no tema, a Abrea e o Instituto Brasileiro de Crisotila (IBC).

O processo já tem parecer favorável (nº 6016 – PGR – RG) do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pela inconstitucionalidade da Lei Federal 9.055/95, que permite a exploração, a utilização industrial e comercial do amianto. Ele ressalta que, segundo documentos produzidos por órgãos nacionais e internacionais, não há índice de exposição segura ao amianto que, em todas as suas formas, inclusive a crisotila, “provoca câncer e outras doenças, todas elas progressivas e que levam à morte”.

“Permitir as várias modalidades de uso da crisotila é consentir com danos já antecipados, o que está na contramão da disciplina constitucional dos princípios da precaução e da prevenção em saúde e meio ambiente”, destacou.

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