Relator confirma voto favorável à demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol

O ministro Carlos Ayres Britto, relator do processo de demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, reafirmou seu voto, proferido no dia 27 de agosto de 2008. Na ocasião, ele considerou constitucional a demarcação da área indígena de forma contínua, como determinado pela Portaria 534/05, do Ministério da Justiça, e homologada por decreto do presidente Lula.

As considerações do relator foram feitas após o voto do ministro Marco Aurélio, que votou de forma oposta.

“A demarcação por ilha é uma possibilidade muito grande de matar os índios de fome e impedir que eles tenham essa possibilidade de se reproduzir fisicamente e culturalmente”, salientou Ayres Britto. “O que fez a Constituição, longe de incidir em romantismo ou lirismo, foi resgatar uma dívida histórica e assentar um compromisso fraternal”, completou.

Segundo ele, a Constituição Federal “superou de uma vez por todas a visão do colonizados sobre os índios que é uma visão preconceituosa, cruel, exploradora, etnocida, escravista”. Ele considerou que a CF optou pelo prestígio das etnias indígenas como formadoras do caráter nacional e coautoras da ideologia nacional. “Isso não é romantismo, isso não é lirismo, é interpretação de direito constitucional positivo”, disse.

De acordo com o relator, a Constituição Federal – por meio dos artigos 231, 232 e outros dispositivos esparsos, num total de 18 dispositivos sobre o tema – “quis dar um fim numa visão portuguesa da questão indígena, ver os índios como se fossem inferiores e como se não pudessem com sua cultura específica contribuir para afirmação do caráter nacional para plasmar o caráter nacional”.

Dessa forma, o ministro Carlos Ayres Britto manteve o voto no sentido de reconhecer a regularidade do processo de demarcação das terras indígenas, no formato contínuo, com consequente anulação dos títulos de propriedade, de posse ou até concessões cartorárias, estatais, além da imediata cassação da liminar.

“Deixaremos para um segundo momento a discussão sobre as condições de operacionalização dessa nossa decisão constantes do voto do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, assim como a data precisa da desocupação da área pelos fazendeiros que lá ainda se encontram”, finalizou.

Alguns pontos levantados pelo relator

O relator anotou que o objeto desta ação foi a defesa do patrimônio público ou de entidade de que o poder público participe. Ele assentou que não é possível, em ação popular, o chamamento ao processo de pessoas que buscam a preservação de interesses privados.

Carlos Ayres Britto frisou que o estado de Roraima não praticou nenhum ato lesivo ao patrimônio público para comparecer na condição de litisconsorte passivo necessário, assim, lembrou que o Plenário ao analisar uma preliminar entendeu, por unanimidade, que a unidade federativa não poderia ser admitida na condição de autora, mas de assistente.

“A ação popular é dirigida contra a União, esta, sim, apontada como autora de ato lesivo ao patrimônio público, exatamente ao patrimônio de Roraima”, disse. Ele explicou que uma ação popular só pode ser promovida por cidadão, que deve provar sua cidadania apresentando título de eleitor.

Para Ayres Britto, não há vício formal nem no processo administrativo (demarcação) nem no processo judicial (PET 3388). “As partes e seus assistentes não experimentaram nenhum cerceio no plano do devido processo legal e da oportunidade do contraditório e da ampla defesa”, entendeu.

O ministro analisou que os laudos antropológicos deixaram claro que os índios das cinco etnias ocupavam as terras demarcadas como de usufruto exclusivo deles e, portanto, de propriedade da União. “Os índios estavam ali, segundo os laudos, nas imediações e não estavam em certas áreas hoje ocupadas por fazendeiros porque foram escorraçados, porque foram violentamente impedidos de materializar a sua ocupação tradicional”, disse o relator.

Por fim reafirmou que, para ele, o modelo de demarcação é o contínuo. “Não é o fracionado em ilhas, fatiado ou por poções, tipo queijo suíço em que os índios ficam com os buracos e os não índios, sobretudo os fazendeiros, ficam com o queijo propriamente dito”, concluiu.

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