Incra não deve indenizar benfeitorias realizadas por assentado rural que repassou imóvel a terceiro

A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu reformar uma sentença e afastar o pagamento de indenização por parte do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a um assentado rural.

De acordo com os autos, o Incra retomou um lote no assentamento Governador Janary, em Tartarugalzinho/AP, ao argumento de que o terreno estava sendo explorado por outra pessoa que não o agricultor que assinou o contrato de concessão de uso para fins de reforma agrária. Diante disso, o agricultor ajuizou ação para obter a titularidade do imóvel rural ou indenização. Ele explicou que teve que se ausentar por alguns períodos de tempo para fazer tratamento de saúde, deixando o lote aos cuidados do irmão. Disse, ainda, que foram realizadas benfeitorias no local.

O autor da ação obteve sentença favorável prolatada pelo Juízo da 6ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Amapá que determinou o pagamento de indenização de R$26.000,00 relativamente às benfeitorias realizadas.

Discordando da sentença, o Incra recorreu ao TRF1 sustentando a ocorrência de uma das condições que ensejam o encerramento do contrato porque o agricultor não reside no assentamento e não explora direta e pessoalmente o lote. Alegou a autarquia que não cabe o pagamento de indenização porque o assentado não agiu de boa-fé, tendo repassado o lote a terceiros.

Imóvel público – O relator do processo na 5ª Turma do TRF1, desembargador federal Souza Prudente, verificou que foi comprovado o descumprimento das obrigações do contrato, “na falta de moradia do assentado no referido imóvel na ausência de exploração direta do bem, assim como na transferência da posse a terceiro, sem a ciência ou anuência do Incra, a justificar seu desligamento do respectivo projeto e a caracterizar a irregularidade de eventual e anterior posse da área”.

Acrescentou o magistrado que não é justo o pagamento de indenização porque a transferência da posse com benfeitorias a terceiro descaracteriza a boa-fé, sobretudo porque se pôde presumir que se deu mediante pagamento. Caso o assentado não tivesse condições de morar no imóvel e cultivar diretamente e pessoalmente a terra, como exigia o contrato, deveria ter devolvido o terreno ao Incra para que outras pessoas pudessem ser beneficiadas no âmbito da política de reforma agrária, explicou.

Concluiu o desembargador que o entendimento jurisprudencial do TRF1 é no sentido de que: “caracterizada a ocupação irregular de área pública, como no caso, afigura-se incabível o pagamento de indenização, por acessões ou benfeitorias, nem o reconhecimento do direito de retenção, pois, como o imóvel público é insuscetível de usucapião, nos termos do artigo 183, § 3º, da CF, o particular jamais poderá ser considerado possuidor, senão mero detentor, sendo irrelevante falar-se em posse de boa ou má-fé”.

O recurso ficou assim ementado:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. POLÍTICA FUNDIÁRIA E DE REFORMA AGRÁRIA. PROJETO DE ASSENTAMENTO RURAL. CONTRATO DE CONCESSÃO DE USO SOB CONDIÇÃO RESOLUTIVA. DESCUMPRIMENTO DE CLÁUSULA. AUSÊNCIA DE RESIDÊNCIA E DE EXPLORAÇÀO DIRETA DO IMÓVEL. TRANSFERÊNCIA DA POSSE A TERCEIRO. VIOLAÇÃO CONTRATUAL COMPROVADA. EXCLUSÃO DO BENEFICIÁRIO DO PROJETO. POSSE DE BEM PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE (CF, ART. 183, §3º). MERA DETENÇÃO. INDENIZAÇÃO DAS BENFEITORIAS. DESCABIMENTO.

I – Na espécie, resta incontroversa a ocorrência de condição resolutiva, em contrato de cessão de uso de imóvel, no âmbito de assentamento rural para fins de reforma agrária, consubstanciada na falta de moradia do assentado no referido imóvel, na ausência de exploração direta do bem, assim como na transferência da posse a terceiro, sem a ciência ou anuência do INCRA, a justificar seu desligamento do respectivo projeto e a caracterizar a irregularidade de eventual e anterior posse da área.

II – Com efeito, “caracterizada a ocupação irregular de área pública, como no caso, afigura-se incabível o pagamento de indenização, por acessões ou benfeitorias, nem o reconhecimento do direito de retenção, pois, como o imóvel público é insuscetível de usucapião, nos termos do artigo 183, § 3º, da CF, o particular jamais poderá ser considerado possuidor, senão mero detentor, sendo irrelevante falar-se em posse de boa ou má-fé.” (AC 0004447-48.2005.4.01.3700 / MA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.325 de 05/11/2014).

III – A todo modo, não se afigura justa a indenização pleiteada, tendo em vista que o assentado, ao não se sentir em condições de habitar e trabalhar no imóvel, deveria tê-lo devolvido ao INCRA, para que lhe desse a devida destinação, conforme a política fundiária e de reforma agrária, beneficiando, desse modo, outras pessoas que aguardam tal oportunidade. Contudo, a transferência da posse do bem com benfeitorias para terceiro não se caracteriza a boa fé, até porque é presumível que tal transferência tenha se dado a título oneroso.

IV – Apelação do INCRA provida, para reformar a sentença e julgar integralmente improcedente a demanda, condenando o autor ao pagamento de honorários advocatícios, no valor de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa (R$ 60.000,00), sendo que sua exigibilidade resta suspensa em razão do benefício da gratuidade judiciária.

O Colegiado, nos termos do voto do relator, decidiu pela reforma da sentença para excluir o pagamento de indenização pelo Incra.

 

Processo: 1000870-45.2018.4.01.3100

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