O entendimento do Supremo sobre a licitude da terceirização é anterior ao trânsito em julgado da sentença originária
A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho considerou cabível uma ação rescisória ajuizada pela Callink Serviços de Call Center Ltda. com base na não aplicação do entendimento vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a licitude da terceirização. A tese foi firmada pelo Supremo antes do trânsito em julgado da decisão que a empresa tenta rescindir. Entendimento diverso, segundo o colegiado, seria impor obstáculo injustificável ao exercício do direito de ação.
Ação originária
A ação originária foi ajuizada em 2015 por uma atendente de call center contratada pela Callink para prestar serviços para o Banco Santander (Brasil) S.A. O juízo da 3ª Vara do Trabalho de Uberlândia (MG) considerou ilícita a terceirização e reconheceu o vínculo de emprego diretamente com o banco, condenando as duas empresas ao pagamento das parcelas inerentes à categoria dos bancários. A sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) e, após os recursos possíveis em diversas instâncias, tornou-se definitiva em fevereiro de 2019.
Ação rescisória
Em outubro daquele ano, a Callink ajuizou a ação rescisória visando desconstituir a sentença. Seu argumento foi o de que a condenação teria desconsiderado o entendimento vinculante do STF, de 30/8/2018, que legitimara a terceirização. Contudo, o TRT rejeitou a pretensão, por entender que não cabe ação rescisória quando a declaração de inconstitucionalidade ou de incompatibilidade de lei pelo STF ocorrer antes do trânsito em julgado da decisão a ser rescindida, como no caso.
Aplicação imediata
Segundo a relatora do recurso ordinário da Callink, ministra Morgana Richa, a decisão do STF, tomada no julgamento conjunto da ADPF 324 e do RE 958.252 (Tema 725 de repercussão geral), é de aplicação imediata e se torna vinculativa a partir da publicação da ata de julgamento da sessão plenária, o que ocorreu em 10/9/2018.
“Obstáculo injustificável”
A relatora considerou cabível a ação rescisória com base no artigo 966, inciso V, do Código de Processo Civil (CPC). Segundo o dispositivo, a decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando “violar manifestamente norma jurídica” – no caso, deixando de aplicar o entendimento do STF sobre a matéria anterior ao trânsito em julgado da sentença. “Do contrário, estar-se-ia impondo obstáculo injustificável ao exercício do direito de ação”, concluiu.
Com entendimento unânime sobre a questão, o colegiado determinou o retorno dos autos ao TRT para que prossiga a instrução e o julgamento da ação rescisória.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. JULGAMENTO CONJUNTO DA ADPF Nº 324 E DO RE Nº 958.252. DECISÃO VINCULANTE DO STF ANTERIOR AO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO RESCINDENDA. NORMA JURÍDICA. AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA COM LASTRO NO ARTIGO 966, V, DO CPC. CABIMENTO. 1. O Tribunal Regional, após indeferir o pedido de tutela provisória consistente na suspensão da execução que se processa nos autos da reclamação trabalhista subjacente, afastou o cabimento da ação rescisória, julgando extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, IV, do CPC, ao fundamento de que a decisão rescindenda transitou em julgado em momento posterior ao julgamento conjunto da ADPF nº 324, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, e do RE nº 958.252 (Tema 725 da Repercussão Geral), de relatoria do Ministro Luiz Fux. 2. Ocorre que a Suprema Corte no julgamento da ADPF nº 324 e do RE nº 958.252 externou o conteúdo de norma jurídica vinculante e de aplicação imediata consubstanciada na licitude da terceirização ou de qualquer outra forma de divisão de trabalho entre pessoas jurídicas distintas, restando insubsistente a Súmula 331 do TST. 3. Portanto, considerando a ocorrência do trânsito em julgado do acórdão rescindendo em momento posterior à decisão vinculante do Supremo Tribunal Federal, admite-se o cabimento da ação rescisória, nos termos do art. 966, V, do CPC, pois, do contrário, estar-se-ia impondo obstáculo injustificável ao exercício do direito de ação consubstanciado na pretensão de corte rescisório sob a perspectiva do padrão decisório vinculante materializado no julgamento conjunto da ADPF nº 324 e do RE nº 958.252. 4. Nesse sentir, a previsão de impugnação à execução com base na inexigibilidade de título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo STF como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso (CPC, art. 525, § 1º, III, e §§ 12 e 14), não afasta o manejo de ação rescisória após o trânsito em julgado da decisão rescindenda (art. 975, “caput”, do CPC). 5. Com efeito, impõe-se o cabimento de ação rescisória, nos termos do disposto no art. 966, V, do CPC, nas hipóteses em que a decisão rescindenda deixa de aplicar ou aplica equivocadamente padrão decisório vinculante do Supremo Tribunal Federal proferido antes do trânsito em julgado da decisão que se objetiva rescindir. Recurso ordinário conhecido e provido.
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Processo: ROT-11492-19.2019.5.03.0000