Decisão enfatiza que a responsabilidade dos entes da Federação é solidária na prestação de serviço público de saúde
A Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) determinou que a União Federal forneça o medicamento Myozyme (alfaglucosidase) a um portador da doença de Pompe, moléstia que atinge a região muscular e as células que movimentam o corpo.
Para os magistrados, o autor comprovou a necessidade do remédio por meio de relatórios, prescrições, exames médicos e demonstrou não possuir recursos financeiros para o tratamento. Os requisitos estão de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para a concessão de medicamentos de alto custo.
Conforme os autos, o paciente é portador da doença de Pompe, um distúrbio neurovascular raro, de origem genética e hereditária, que causa fraqueza muscular progressiva.
Em primeira instância, a Justiça Federal em Santo André/SP havia condenado a União a fornecer o remédio à autora, na quantidade e prazo prescritos pela equipe médica.
O ente federal apelou ao TRF3 e alegou a perda do objeto da ação, porque, durante o curso do processo, o Myozyme foi incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Sustentou ainda ser responsabilidade dos Estados e Municípios a execução das atividades do SUS. Além disso, argumentou falta de evidências científicas quanto à eficácia do medicamento.
Ao analisar o caso no TRF3, o desembargador federal relator Nelton dos Santos, afirmou que as alegações da União são improcedentes. “Encontra-se pacificado no Supremo Tribunal Federal e no STJ o entendimento de que é solidária a responsabilidade dos entes da Federação na execução das ações e no dever fundamental de prestação de serviço público de saúde”, afirmou.
Para o magistrado, não cabe à União decidir qual a conduta médica a ser aplicada ao paciente, uma vez que a autoridade administrativa não pode limitar o alcance dos dispositivos da Constituição Federal.
“O postulado da dignidade da pessoa humana não permite, em nenhuma hipótese, o estabelecimento rígido do fornecimento de determinado medicamento/tratamento, sem chances de modificação, somente para que assim se onere menos o Estado”, pontuou.
O relator afastou a alegação de perda do objeto e de falta de interesse de agir, “pois o autor, quando do ajuizamento da presente demanda, não tinha direito, sob a ótica administrativa, ao recebimento do referido fármaco, devendo, por isso, ser confirmado tal direito por este Tribunal”.
Por fim, o relator destacou que é dever do Estado prover os meios necessários a pacientes sem condições financeiras de custeio. “Consideradas as conclusões periciais favoráveis ao uso do medicamento e a ausência de alternativas terapêuticas hábeis a proporcionar melhoria no quadro clínico do autor, bem como o alto custo, negar-lhe o fornecimento pretendido implicaria desrespeito às normas constitucionais que garantem o direito à saúde e à vida”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. MYOZYME (ALFAGLUCOSIDASE). NECESSIDADE DEMONSTRADA. DIREITO À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. CABIMENTO. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDAS.
1. Trata-se de ação ajuizada em face da União, objetivando o fornecimento do medicamento alfaglucosidase “Myozyme”, para o tratamento da doença de Pompe.
2. Cabe reconhecer a legitimidade da União para figurar no polo passivo da lide, pois encontra-se pacificado no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que é solidária a responsabilidade dos entes da Federação na execução das ações e no dever fundamental de prestação de serviço público de saúde, consoante previsto no artigo 198, caput e §§, da Constituição Federal e na Lei n. 8.080/1990. Precedentes.
3. No caso sub judice, há exames, relatórios e prescrições médicas que comprovam ser o autor portador da doença de Pompe, um distúrbio neurovascular raro, de origem genética e hereditária, que causa fraqueza muscular progressiva, sendo importante o diagnóstico precoce em adultos para diminuir os sintomas e os traumas no organismo, fazendo com que eles consigam manter seus hábitos e a qualidade de vida.
4. Consideradas as conclusões periciais favoráveis ao uso do medicamento e a ausência de alternativas terapêuticas hábeis a proporcionar melhoria no quadro clínico do autor, bem como o alto custo do referido medicamento e não tendo o autor condições de custeá-lo – mesmo que não seja beneficiário da assistência judiciária gratuita -, negar-lhe o fornecimento pretendido implicaria desrespeito às normas constitucionais que garantem o direito à saúde e à vida.
5. Durante o curso do processo, o medicamento Myozyme (alfaglucosidase) foi incorporado ao Sistema Único de Saúde – SUS, por meio da Portaria nº 48, de 16.10.2019, a afastar, assim, a alegação de perda superveniente do objeto e de falta de interesse de agir, pois o autor, quando do ajuizamento da presente demanda, não tinha direito, sob a ótica administrativa, ao recebimento do referido fármaco, devendo, por isso, ser confirmado tal direito por este Tribunal.
6. Uma leitura constitucional do caso demonstra que o postulado da dignidade da pessoa humana não permite, em nenhuma hipótese, o estabelecimento rígido do fornecimento de determinado medicamento/tratamento, sem chances de modificação somente para que assim se onere menos o Estado.
7. A concessão de liminar/tutela antecipada na hipótese dos autos, contra o Poder Público, não afronta qualquer dispositivo da Lei nº 8.437/92, considerando-se o entendimento jurisprudencial firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que tal norma deve ser interpretada restritivamente. De fato, as circunstâncias do caso concreto permitem que o magistrado mitigue aquela regra, sopesando os interesses em litígio, à luz do princípio da razoabilidade e do direito à vida.
8. Majoração dos honorários advocatícios sucumbenciais, nos termos do artigo 85, § 11, do CPC.
9. Apelação e remessa necessária desprovidas.
Assim, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação e determinou a entrega do remédio ao autor conforme as prescrições médicas anexadas ao processo.
Apelação/Remessa Necessária 5004315-52.2019.4.03.6126