Liberdade de imprensa autoriza enfoque da matéria.
A 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reformou sentença de 1º grau e negou pedido de pagamento de indenização por danos morais proposto contra emissora de televisão e médico. O autor da ação é pai de vítima assassinada por transexual que foi personagem da reportagem exibida em março de 2020.
De acordo com os autos, depois da grande repercussão da matéria sobre o sistema carcerário, o pai de uma vítima de estupro e homicídio cometido por presidiária entrevistada ajuizou pedido de indenização por danos morais contra o médico que apresentou a reportagem e a emissora, alegando ter sofrido abalo psicológico ao reviver os fatos após a veiculação em rede nacional.
O desembargador Rui Cascaldi, relator da apelação, considerou em seu voto que, ainda que se entenda a revolta do autor da ação, não houve na reportagem intenção velada de atingir as vítimas dos crimes cometidos pelas entrevistadas. Segundo o magistrado, a matéria “não tinha por objetivo historiar o fato criminoso, mas as péssimas condições de carceragem das detentas trans, nisso residindo a sua liberdade de imprensa, direito que ora se lhe garante”.
“Mostrar detentas trans de forma a gerar o sentimento de solidariedade e compaixão, para que a reportagem cale fundo nas autoridades responsáveis pelo sistema penitenciário, pode não agradar aqueles que um dia se viram feridos pelas pessoas encarceradas, mas é lícito e não tem o condão de causar dano moral a nenhuma das vítimas, que sequer são mencionadas. E, note-se, não foi dito na reportagem que elas não praticaram crimes”, concluiu o magistrado.
O recurso ficou assim ementado:
AÇÃO INDENIZATÓRIA – Pretensão à reparação por danos morais decorrentes de reportagem televisiva feita com detentas transsexuais, de modo a gerar no público o sentimento de comiseração, quando, na verdade cometeram crimes hediondos pelos quais não se deve ter dó – Critica-se a reportagem, também, pelo fato de não ter mostrado os crimes cometidos pelas detentas, no que haveria uma falta com a verdade – Liberdade de imprensa, contudo, que autorizava o enfoque da reportagem, apenas na questão das condições carcerárias vividas pelas detentas trans e os preconceitos por elas enfrentados – Constituição Federal que em seu art. 5º, inciso XLIX, assegura aos presos em geral o respeito à integridade física e moral, cuja violação a reportagem estava justamente a denunciar – Licitude desta, assim, evidenciada – Dano moral inocorrente – Sentença de procedência parcial – Apelo dos réus provido, para julgar a ação improcedente, prejudicado o do autor.
Participaram do julgamento os desembargadores Claudio Godoy e Francisco Loureiro. A votação foi unânime.
Apelação nº 1016800-76.2020.8.26.0005