Eles eram celetistas e tornaram-se estatutários na década de 1990
A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI II) do Tribunal Superior do Trabalho julgou improcedente uma ação rescisória que buscava assegurar direito ao enquadramento funcional como defensores públicos a seis servidores do Estado da Bahia.
O caso remonta a 1990. Após a promulgação da Constituição da Bahia, em 1989, os trabalhadores, então contratados sob o regime da CLT, ajuizaram ação declaratória na Justiça Trabalhista para pedir o enquadramento funcional como defensores públicos de 3ª classe. A decisão do caso, transitada em julgado em 1993, assegurou o tratamento isonômico solicitado.
Eles ingressaram, então, com uma reclamação trabalhista em que pediam o pagamento das diferenças salariais decorrentes do direito reconhecido na ação declaratória. Também pediram a titularização no cargo de defensores públicos.
Mudança de regime
Ocorre que, em 1994, o Estado da Bahia alterou o regime de contratação desses trabalhadores. O contrato pela CLT foi extinto, e eles se tornaram servidores estatutários.
Ao decidir sobre a reclamação trabalhista, o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA), então, condenou o estado a pagar as diferenças salariais correspondentes entre outubro de 1989 e setembro de 1994, quando houve a mudança do regime.
Competência da Justiça do Trabalho
Contudo, o pedido de titularização dos servidores no cargo de defensores públicos foi negado. Segundo o TRT, a competência da Justiça do Trabalho se restringia ao período do vínculo celetista. As demandas existentes a partir da mudança de regime deveriam, assim, ser pleiteadas na Justiça Comum. A decisão transitou em julgado em 2012.
Falha na execução
Na fase de execução, porém, houve um equívoco: embora o pedido de enquadramento tenha sido negado, impôs-se ao estado a obrigação de promover o enquadramento funcional.
Diante dessa divergência, o Estado da Bahia ajuizou embargos de declaração, que foram acolhidos pelo TRT para afastar a determinação de enquadramento dos servidores no cargo de defensores públicos. Essa decisão transitou em julgado em 2019.
Nova tentativa
Inconformados, os servidores ajuizaram ação rescisória para desfazer os efeitos da decisão. Sustentaram, para isso, o reconhecimento judicial do direito ao enquadramento decorrente da ação declaratória de 1990, transitada em julgado em 1993, e da reclamação trabalhista subjacente, que teve trânsito em julgado em 2012.
Limites da decisão
No entanto, ao analisar o caso, a relatora, ministra Morgana de Almeida Richa, considerou que essa decisão produz efeitos somente enquanto não houver alteração nas condições contratuais que deram origem a ela, isto é, apenas durante a vigência do contrato de trabalho celetista dos servidores.
A ministra reiterou que, com a mudança para o regime estatutário em 1994 (cuja validade foi reconhecida em decisão definitiva), o vínculo empregatício foi extinto, e a Justiça do Trabalho não tem competência para apreciar questões relativas ao período do contrato estatutário. Segundo ela, os efeitos da decisão obtida na ação de 1990 ficam limitados à data de ruptura contratual.
Além disso, para a relatora, a pretensão dos servidores esbarra nos limites da coisa julgada, já que a reclamação trabalhista subjacente limitou o pagamento das diferenças salariais ao período entre a promulgação da constituição estadual e a vigência do vínculo celetista, ou seja, entre outubro de 1989 e setembro de 1994.
A decisão foi unânime.
Litigância de má fé
O Estado da Bahia, por sua vez, pediu ao TST a condenação dos servidores ao pagamento de multa por litigância de má-fé. Argumentou que eles se aproveitaram do fato de o processo ser grande, com vários volumes e híbrido (parte dos volumes está disponível somente de forma física), o que dificulta a análise por advogados e magistrados. Também destacou que se trata de um processo antigo e que nenhum juiz ou procurador que atuou no caso segue na ativa.
O recurso ficou assim ementado:
I – RECURSO ORDINÁRIO DOS AUTORES. AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA SOB A ÉGIDE DO CPC/2015. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. PRETENSÃO RESCISÓRIA DIRECIONADA A ACÓRDÃO PROFERIDO EM SEDE DE EXECUÇÃO. DECISÃO RESCINDENDA QUE MERAMENTE REPRODUZ MATÉRIA ANALISADA NA FASE DE CONHECIMENTO. ÓBICE DA COISA JULGADA. 1. O art. 330, § 1º, do CPC/2015 enumera hipóteses taxativas de inépcia da petição inicial, dentre as quais a situação em que ” da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão “. No caso concreto, contudo, verificam-se atendidos todos os requisitos legais. 2. Postulam os autores a incidência de corte rescisório sobre acórdão proferido pela 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região na sessão de julgamento de 26.04.2016, em sede de execução nos autos RT 0141400-25.2004.5.05.0025, por meio do qual deu-se provimento aos embargos de declaração do Estado da Bahia, para ” afastar a determinação de enquadramento funcional dos autores no cargo de Defensores Públicos, 3º Classe, do Estado da Bahia “. 3. A pretensão fundamenta-se em violação da coisa julgada (art. 966, IV e V, da CF), em razão da existência de prévia ação declaratória (autos nº 0035500.04.1990.5.05.006), na qual reconhecido seu direito ao enquadramento funcional postulado, com trânsito em julgado em 22.06.1993. Há pedido e causa de pedir, e dos fatos narrados decorre logicamente a pretensão formulada. 4. Superada a questão preliminar, e estando o processo em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 1.013, § 3º, do CPC/2015, prossegue-se na análise de mérito dos pedidos. 5. A pretensão rescisória direciona-se a acórdão proferido em 26.04.2016, com trânsito em julgado em 14.03.2019, de modo que não esgotado o prazo decadencial do art. 975 do CPC/2015. 6. Na ação declaratória ajuizada em 1990, houve o reconhecimento do direito dos autores ao ” enquadramento funcional como Defensores Públicos, 3a. Classe, a partir da promulgação da Constituição do Estado da Bahia e na forma do art. 14 do Ato das Disposições Transitórias, assegurando-lhes o tratamento isonômico ali referido, declarando, em consequência, nulo o ato que os transferiu da Defensoria Pública “. 7. Posteriormente, ajuizada a reclamação trabalhista subjacente, condenou-se o Ente Público ao pagamento das diferenças salariais decorrentes do provimento declaratório da ação anterior, mas limitadas a 26.09.1994 (data em que houve transmudação para o regime jurídico estatutário e, portanto, extinguiu-se o contrato de trabalho). Ainda, pelos mesmos fundamentos, indeferiu-se a pretensão dos autores à ” titularização no cargo de Defensores Públicos “, uma vez que a competência material da Justiça do Trabalho limita-se apenas aos pedidos relativos ao período de vínculo celetista (acórdão da 1ª Turma do TRT da 5ª Região, proferido em 20.11.2009). 8. Transitada em julgado a decisão em 2012, deu-se início à fase de execução. Contudo, equivocadamente impôs-se ao executado a ” obrigação de fazer envolvendo o enquadramento funcional dos autores “, razão pela qual o Estado da Bahia opôs embargos declaratórios, integralmente providos com efeitos infringentes por meio do acórdão ora rescindendo, o qual afastou a obrigação de fazer. 9. Constata-se, portanto, que a pretensão dos autores na obrigação de fazer, relativa aos seus reenquadramentos funcionais, esbarra nos limites da coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CF), em razão da existência de decisão transitada em julgado, proferida em fase de conhecimento da própria reclamação subjacente, e que limitou a condenação às ” parcelas pecuniárias devidas no lapso entre outubro/1989 e 27 de setembro de 1994 “. 10. Para afastar os efeitos da coisa julgada, seria necessário o ajuizamento de ação rescisória contra o acórdão proferido em fase de conhecimento, com trânsito em 2014. Contudo, como não exercido no prazo do art. 495 do CPC/1973, consolidou-se a decadência do direito da parte na revisão do julgado. 11. Ad argumentandum tantum , o provimento judicial obtido na ação declaratória de 1990, transitado em julgado em 1993, ainda que envolva obrigações vincendas, à evidência produz efeitos somente enquanto inalteradas as condições contratuais que lhe deram origem, isto é, apenas durante a vigência do contrato de trabalho dos autores. 12. Da transmudação para o regime estatutário (cuja validade foi reconhecida em decisão transitada em julgado), ocorrida em 1994, decorreu a extinção do vínculo empregatício e, por consequência: a) a incompetência material desta Justiça Especializada para apreciar questões relativas ao período de trabalho estatutário, nos termos do art. 114, I, da CF, com a interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3395/DF; e b) a limitação dos efeitos do provimento declaratório na ação de 1990 até a data de ruptura contratual. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido para afastar a inépcia da petição inicial, julgando-se no mérito a ação rescisória improcedente. II – RECURSO ORDINÁRIO ADESIVO DO RÉU. AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA SOB A ÉGIDE DO CPC/2015. 1. DECADÊNCIA. Questão já analisada em conjunto com o recurso dos autores. Recurso ordinário conhecido e desprovido. 2. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. Trata-se de pretensão inovatória, pois não formulada perante o Tribunal Regional, razão pela qual desmerece análise. Recurso ordinário conhecido e desprovido. 3. JUSTIÇA GRATUITA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. No entendimento desta Subseção Especializada, as disposições da CLT relativas à gratuidade da justiça aplicam-se tão somente às reclamações trabalhistas típicas, o que não é o caso da ação rescisória, disciplinada pelo Código de Processo Civil. Nesse sentido, dispõe o art. 99, § 3º, do CPC/2015 que ” Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural “. 2. Na hipótese dos autos, contudo, os autores não firmaram declaração de hipossuficiência. Consta apenas informação, na petição inicial, de que vivem ” na verdadeira ciranda financeira na vida “, firmada pela advogada Nilza Helena Freira Costa, sem poderes específicos para tanto. 3. Nesse contexto, incide a diretriz da Súmula 462, I, do TST, segundo a qual ” A partir de 26.06.2017, para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado, desde que munido de procuração com poderes específicos para esse fim (art. 105 do CPC de 2015) “. 4. Outrossim, em consulta aos autos da ação subjacente, constata-se que já houve liberação de valores para os exequentes em patamar superior a quatro milhões de reais. Recurso ordinário conhecido e provido.
No entanto, os ministros rejeitaram o pedido, apontando que ele não foi formulado no TRT e, por isso, não poderia ser analisado no TST.
Processo: ROT-1385-56.2019.5.05.0000