TRF1 reconhece prescrição retroativa de pretensão punitiva em crime de falsidade ideológica

A 3ª Turma do TRF 1ª Região reconheceu a prescrição retroativa da pretensão punitiva em crime de falsidade ideológica, tipificado no art. 299 do Código Penal, praticado por José Genoíno Neto, Delúbio Soares de Castro, Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso e Cristiano de Mello Paz.

Os réus opuseram embargos de declaração ao acórdão da Terceira Turma sustentando omissão referente à prescrição.

Baseada no prazo prescricional de quatro anos, previsto no art. 109 do Código Penal, a decisão considera que a denúncia dos fatos, praticados entre 2003 e 2005, foi recebida em dezembro de 2006; a sentença condenatória foi publicada em outubro de 2012 e o acórdão que confirmou a condenação foi publicado em julho de 2016.

Segundo o relator, desembargador federal Ney Bello, ao analisar os fatos, “percebe-se o transcurso de quatro anos entre a data de recebimento da acusatória e a da publicação da sentença condenatória no primeiro grau, caracterizando, assim, a prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal”.

O magistrado ressaltou que, em tese, não deveria haver, por parte do TRF1, o reconhecimento da prescrição por ainda caber recurso em outras instâncias. Entretanto, em razão do trânsito em julgado do acórdão para a acusação, pois o MPF não recorreu, e por se tratar de matéria de ordem pública, a extinção da punibilidade deve ser decretada em qualquer fase do processo, conforme o art. 61 do Código de Processo Penal.

Nesses termos, o Colegiado decretou, de ofício, a extinção da punibilidade pela prescrição retroativa dos réus pelo crime descrito e rejeitou os embargos de declaração opostos pelos réus.

O recurso ficou assim originalmente ementado:

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. BANCO BMG S/A. FALSIDADE IDEOLÓGICA. SIMULAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS. ART. 4º, CAPUT. GESTÃO FRAUDULENTA. CARACTERIZAÇÃO. DENÚNCIA. PROTOCOLO. ADEQUAÇÃO. HORÁRIO DE EXPEDIENTE. INÉPCIA. COMPETÊNCIA. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. PRECLUSÃO. REJEIÇÃO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PENA. DOSIMETRIA. REDUÇÃO.

  1. Uma vez homologada pelo Supremo Tribunal Federal, a decisão que ratificou o recebimento da denúncia em primeira instância, de forma irrecorrível, tornou-se incabível ao Juízo de primeiro grau rediscutir temas ligados à validade de seu recebimento, por se tratar de questões preclusas.

  2. Além de inexistente demonstração de parcialidade a recair sobre a magistrada que prolatou a decisão de recebimento da denúncia, o tema deveria ser abordado por meio próprio, qual seja, exceção de impedimento ou de suspeição (arts. 95, 96 e 98 do CPP).

  3. Não se afigura inepta a denúncia por crime de falsidade ideológica que detalha cada operação tida por fraudulenta, apresentando, em quadro, um resumo contendo as datas da contratação e do vencimento, o valor do contrato, as respectivas garantias e aditamentos, bem como documentos externos oriundos de auditoria do Tribunal de Contas da União e relatório de CPI, indicando possíveis vantagens administrativas oferecidas à instituição financeira em troca de simulados empréstimos.

  4. A superveniência da sentença condenatória acaba por afastar, de forma insuperável, qualquer dúvida quanto à existência de elementos suficientes, não só para o oferecimento da denúncia, como, igualmente, para a própria condenação.

  5. Uma leitura da peça inicial da ação penal 470 demonstra que os fatos relacionados ao Banco BMG S/A foram deixados para um segundo momento, o qual se consubstanciou na presente ação penal, não havendo que se falar em litispendência com os fatos julgados nestes autos.

  6. Na época de realização das audiências de interrogatório dos acusados, não havia entendimento jurisprudencial dominante no Supremo Tribunal Federal determinando a revogação do art. 7º da Lei 8.038/1990, e que fosse observada a aplicação do novel art. 400 do CPP, no âmbito dos tribunais. Vigorava o entendimento jurisprudencial de prevalência da lei especial em relação à regra geral, fato que só veio a mudar a partir do julgamento do Supremo Tribunal Federal, realizado em 24/03/2011, preservando todavia a Excelsa Corte os atos até então realizados (cf. STF, AP 528 AgR, Rel.  Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 24/03/2011).

  7. A falta de demonstração do prejuízo, da não indicação dos atos dos quais o advogado não acompanhou, dos nomes das testemunhas, bem como de que forma os respectivos depoimentos influenciaram na condenação, afasta a alegada pretensão de nulidade da carta de ordem expedida para oitiva de testemunha.

  8. A vasta jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admitia, à época (2006), que a decisão que recebe a denúncia prescinde de fundamentação, de modo que incabível admitir-se o eventual vício a partir de novas interpretações, em razão do advento da Lei 11.719/2008. E, mesmo se assim não fosse, estaria ele superado pela sentença condenatória que exauriu a pretensão punitiva exposta na denúncia.

  9. A interpretação sistemática dos arts. 155 e 159, § 5º, do CPP permite concluir que a prova cautelar produzida de forma antecipada na fase policial (laudo do INC da Polícia Federal, relatórios do Banco Central do Brasil), que ingressou nos autos da presente ação penal e não foi infirmada por meio de impugnação específica, durante a fase diferida do contraditório, passou a ter validade como prova judicial.

  10. Além de inexistir, no caso específico, absolvição na esfera administrativa perante o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), essa decisão não vincula a instância judicial, sobretudo judicial-penal, em razão de sua autonomia.

  11. A materialidade delitiva de ambos os crimes ocorre a partir de uma relação de crime-meio (falsidade ideológica) e crime-fim (gestão fraudulenta), de modo que a comprovação do crime financeiro não ocorreria, caso não demonstrado a consumação da falsidade, consubstanciando uma verdadeira conexão teleológica entre as infrações.

  12. Robusto acervo probatório comprova que os apelantes, que administravam o Banco BMG S/A, participaram diretamente das fraudes, concedendo vultosas somas em dinheiro por meio de contratos de mútuo simulados, de forma habitual, desvirtuando os serviços bancários, devendo ser mantida a condenação pelo crime de gestão fraudulenta.

  13. A prática de empréstimos com fraude de maneira habitual (entre os anos de 2003/2005) não permite a desclassificação da gestão fraudulenta para o crime de gestão temerária.

  14. A fraude está presente exatamente na utilização, como crime-meio, do delito de falsidade ideológica, caracterizado pela simulação de empréstimos que nada mais constituíram do que o repasse, direto ou indireto, de recursos financeiros ao partido político envolvido e de empresas do operador do esquema para repasses a pessoas indicadas.

  15. A análise da prova documental e testemunhal produzidas permite a aceitação da tese acusatória de simulação contratual engendrada com o fim de acobertar outras práticas criminosas (algumas delas confirmadas na ação penal 470 do STF), além de incorrerem os administradores da instituição bancária no crime de gestão fraudulenta e os demais réus no crime de falsidade ideológica, de forma continuada (art. 71 do CP).

  16. Comprovadas a materialidade e a autoria delitivas, é de ser mantida a sentença de primeiro grau que condenou os acusados nas penas do art. 4º, caput, da Lei 7.492/1986, e 299 do Código Penal.

  17. Não incidência da causa de aumento do art. 61, II, “b” do CP, pois não demonstrada na denúncia e confirmada na sentença a existência de conluio para a prática deliberada de outros crimes.

  18. Uma vez demonstrado que algumas circunstâncias do crime, tidas como desfavoráveis aos acusados na sentença de primeiro grau, mostram-se insubsistentes, observando-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como a necessidade de prevenção e repressão aos delitos praticados, devem ser reduzidas as penas-base fixadas dos acusados José Genuíno Neto, Delúbio Soares de Castro, Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso, Cristiano de Mello Paz, Rogério Lanza Tolentino, Ricardo Annes Guimarães e João Batista de Abreu (vencido parcialmente no ponto o relator que mantinha as penas-base dos apelantes João Batista de Abreu e Ricardo Annes Guimarães fixadas na sentença recorrida).

  19. Há entendimento jurisprudencial afirmando que, para o aumento da pena pela continuidade delitiva dentro do intervalo de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), previsto no art. 71 do Código Penal, deve-se adotar o critério da quantidade de infrações praticadas (STJ, REsp 1113735/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, unânime, DJe de 29/03/2010). Em igual sentido: ACR 2006.34.00.003651-0/DF, Desembargadora Federal Assusete Magalhães e-DJF1 de 13/07/2012, pag. 884).

  20. Recursos da acusação e de José Genuíno Neto, Delúbio Soares de Castro, Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso, Cristiano de Mello Paz, Rogério Lanza Tolentino, Ricardo Annes Guimarães e João Batista de Abreu parcialmente providos. Apelação de Márcio Alaor de Araújo e Flávio Pentagna Guimarães desprovidas.

A ementa dos Embargos de Declaração é a seguinte:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÕES  E CONTRADIÇÕES INEXISTENTES. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA.

  1. Embargos de declaração, recurso de natureza esclarecedora ou integrativa do julgado, são admissíveis apenas nas hipóteses do art. 619 do Código de Processo Penal.

  2. Caso em que não se verifica a existência de qualquer vício processual no acórdão a demandar correção.

  3. Os embargos de declaração não constituem veículo próprio para o exame das razões atinentes ao inconformismo da parte, tampouco meio de revisão, rediscussão e reforma de matéria já decidida.

  4. Inexiste prescrição a ser reconhecida. Não houve o trânsito em julgado para a acusação, tendo em vista a possibilidade de interposição de recurso às instâncias extraordinárias.

  5. Não cabe à Terceira Turma decretar a prescrição da pretensão punitiva com base na pena fixada nesta instância, pois sua jurisdição esgotou-se com a prolação do acórdão. Tal pedido deve ser dirigido ao Juízo da execução, após o trânsito em julgado do acórdão para a acusação.

  6. Embargos de declaração do Ministério Público Federal e dos acusados rejeitados.

Processo: 0038674-21.2006.4.01.3800

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