TRF1 mantém sentença que determinou a reforma e a manutenção da Casa de Saúde Indígena de Manicoré/AM

Tendo em vista a evidente precariedade das instalações da Casa de Saúde Indígena – Casai de Manicoré/AM, bem como na prestação de serviços de saúde às comunidades indígenas, justifica-se o ajuizamento de ação civil pública pelo Ministério Público Federal (MPF) e a intervenção do Poder Judiciário, para determinar que a União proceda a reforma e manutenção das instalações do imóvel.

O juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Amazonas (SJAM) determinou providências para “que seja procedida a reforma da CASAI de Manicoré, de modo a suprir as deficiências estruturais e sanitárias apontadas na petição inicial — especialmente as relativas ao armazenamento de alimentos e medicamentos, má condição dos dormitórios, demais dependências, com manutenção de contratos administrativos indispensáveis ao desenvolvimento das atividades cotidianas da Casa de Saúde ou, alternativamente, a construção ou locação de novo espaço para a CASAI Manicoré, no prazo de 90 (noventa) dias”, em especial instalações adequadas para a adaptação do grupo indígena Pirahã, de recente contato com a sociedade e com dificuldades para comunicação na língua portuguesa.

Em apelação, a União sustentou que a sentença que deu provimento ao pedido do MPF afrontou o princípio da separação dos poderes, para impor políticas públicas e execução de obras em prazo exíguo. Invocou ainda a cláusula da reserva do possível, para justificar a limitação do Estado em razão de suas condições socioeconômicas e estruturais.

Ao relatar o processo, o desembargador federal Souza Prudente explicou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que a cláusula de reserva do possível não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição.

Verificou ainda o magistrado que a promoção do direito à saúde dos povos indígenas encontra amparo nas garantias constitucionais (CF, arts. 5º, XXXV, 196, 216, II, e 231, caput e §3º) e nas as arroladas na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre Povos Indígenas e Tribais, e na Lei 6.001/1973 – Estatuto do Indígena, que assegura especial assistência pelos poderes públicos na infância, na maternidade, na doença e na velhice.

Com essas considerações o relator votou pela manutenção da sentença recorrida, para assegurar o direito constitucional das comunidades à saúde e à vida das comunidades indígenas, conforme a Constituição Federal (CF), e o colegiado acompanhou o voto por unanimidade.

O recurso ficou assim ementado:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. CASA DE SAÚDE INDÍGENA – CASAI, MUNICÍPIO DE MANICORÉ/AM. REFORMA E MANUTENÇÃO DAS INSTALAÇÕES FÍSICAS. PRECARIEDADE. FALHAS NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO. CONTROLE JURISDICIONAL. POSSIBILIDADE. GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO À SAÚDE PÚBLICA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (CF, ARTS. 5º, XXXV, 196, 216, INCISO II, E 231, CAPUT E RESPECTIVO PARÁGRAFO 3º).

I – A tutela jurisdicional em que se busca a reforma e manutenção das instalações físicas de imóvel destinado à assistência médica a comunidades indígenas, como no caso, tem por finalidade garantir aos seus integrantes condições existenciais mínimas, prestigiando-se, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à saúde pública, como garantias fundamentais asseguradas em nossa Carta Magna, englobando a proteção de um direito de todos e de um dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (artigo 196, da Constituição Federal).

II – Nos termos do item 2 do art. 25 da Convenção OIT nº 169, que dispõe sobre Povos Indígenas e Tribais, promulgada pelo Decreto nº 5.051/2004, “os serviços de saúde deverão ser organizados, na medida do possível, em nível comunitário. Esses serviços deverão ser planejados e administrados em cooperação com os povos interessados e levar em conta as suas condições econômicas, geográficas, sociais e culturais, bem como os seus métodos de prevenção, práticas curativas e medicamentos tradicionais”.

III – Nesse contexto, “os índios têm direito aos meios de proteção à saúde, facultados à comunhão nacional”, assegurando-se-lhes especial assistência dos poderes públicos, em estabelecimentos a esse fim destinados, na infância, na maternidade, na doença e na velhice (Lei nº 6.001/73 – Estatuto do Índio), mediante o pleno acesso aos serviços de saúde, nos termos dos arts. 196 a 200 da Constituição Federal e da Lei nº 8.080/90, com as modificações implementadas pela Lei nº 9.836/99, salvaguardando-se, assim, as pessoas, as instituições, os bens, as culturas e o meio ambiente dos aludidos povos (Convenção OIT nº 169).

IV – Na hipótese dos autos, restou comprovado que a União Federal tem negligenciado em suas obrigações constitucionais, tendo em vista a evidente precariedade das instalações da Casa de Saúde Indígena – CASAI DE Manicoré/AM, bem como na prestação de serviços de saúde às comunidades indígenas, tendo sido constatado o deplorável estado da referida unidade de saúde, gerando a precariedade na alimentação, a ausência de locais adequados para o armazenamento de alimentos e de medicamentos, a destruição dos dormitórios por infiltração, a sujeira das instalações, a ausência de ventilação natural, o desvio de medicamentos, a utilização do veículo funcional para fins particulares, assim como a falta de instalações adequadas para a adaptação do grupo indígena Pirahã, de recente contato com a sociedade, a justificar o ajuizamento da presente ação pelo Ministério Público Federal, bem como a intervenção do Poder Judiciário Republicano, para assegurar o direito à saúde e à vida das comunidades indígenas, que se encontram constitucionalmente tuteladas (CF, arts. 5º, XXXV, 196, 216, inciso II, e 231, caput e respectivo parágrafo 3º), impondo-se, na espécie, a concessão da medida postulada na inicial.

V – Remessa oficial e Apelação da União Federal desprovidas. Sentença confirmada, para que a promovida cumpra, nos prazos estabelecidos, as obrigações determinadas pelo juízo singular.

Processo 0010368-47.2016.4.01.3200

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