TRF1 mantém decisão que determinou fornecimento de medicamento quimioterápico a paciente do SUS

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A Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou o recurso da União contra a sentença da 6ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária da Bahia (SJBA) que determinou o fornecimento do medicamento Ranibizumabe (Lucentis) pelo período necessário à melhora da autora.

De acordo com os autos, a paciente tem retinopatia diabética em ambos os olhos, oclusão de veia central da retina e edema macular no olho direito, necessitando, assim, de tratamento quimioterápico para reabilitação visual. O laudo da perícia confirmou a doença atestando que os medicamentos Lucentis ou Eylia, indicados pela médica da requerente, são aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), porém não são fornecidos pelo SUS.

Além disso, a perícia atestou que o medicamento indicado é, atualmente, a principal opção para o tratamento de situações como a apresentada pela paciente.

Em suas razões, a União alegou que não haveria qualquer prova de que os tratamentos que poderiam ser adotados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento da paciente são ineficazes ou ineficientes para o estágio em que se encontrava a doença; a existência de alternativas terapêuticas no Sistema para o tratamento da patologia e que não restou comprovada a imprescindibilidade da medicação pleiteada.

Desequilíbrio da oferta de serviços – Segundo o relator, desembargador federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira, “a utilização maciça das vias jurisdicionais para obtenção de tratamento de melhor qualidade que o oferecido pelo Sistema desequilibra a oferta dos serviços, pois finda por dividir a população entre os que obtêm tratamento direto, segundo a ordem de chegada e da capacidade de atendimento das entidades e órgão de prestação de serviços de saúde, e os que obtêm esses mesmos serviços por determinação judicial, que evidentemente ignora e desconsidera todo e qualquer óbice, traduzindo-se em atendimento preferencial e segundo o que prescrito pelo médico assistente do interessado”.

Nesse sentido, o magistrado destacou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que estabeleceu os requisitos para a obtenção dos medicamentos não fornecidos pelo SUS como a comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; a incapacidade financeira de o beneficiário arcar com o custo do medicamento prescrito e a existência de registro na Anvisa, do medicamento, observados os usos autorizados pela agência.

E com base nessas condições, o relator manteve a sentença, pois ficou comprovado nos autos “a imprescindibilidade do fármaco, seu registro na Anvisa, a impossibilidade de custeio pela parte autora, bem como a negativa do fornecimento pela Administração Pública”.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. INAPLICABILIDADE DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL. SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA 175 AGR/CE. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REQUISITOS PARA FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RECURSO REPETITIVO. RESP N. 1.657.156/RJ.

1. Trata-se de apelação interposta pela União Federal contra a sentença que determinou o fornecimento do medicamento RANIBIZUMABE (LUCENTIS), na forma prescrita pela perícia, pelo período necessário à melhora da enfermidade que acomete a parte autora.

2. Todos os entes federativos têm legitimidade para compor o polo passivo de ações relativas a tratamento médico ou fornecimento de medicamentos, isolada ou conjuntamente.

3. Com fundamento no art. 196 da Constituição, que estabeleceu ser a saúde direito de todos e dever do Estado, e na Lei n. 8.080/90, que estruturou o Sistema Único de Saúde (SUS), foi implementada, pelo Ministério da Saúde, a Política Nacional de Medicamentos (Portaria n. 3.916/98), passando os entes federal e municipal a divulgar, a cada dois anos, a Relação Nacional de Medicamentos (RENAME), elencando os considerados essenciais e também os excepcionais que seriam fornecidos gratuitamente à população pelo Poder Público.

4. O Supremo Tribunal Federal fixou, em regime de repercussão geral, que “o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federativos”, podendo o polo passivo “ser composto por qualquer um deles, isoladamente ou conjuntamente” (RE 855.178/SE RG, Rel. Ministro LUIZ FUX, Plenário, DJe 16/03/2015).

5. Para este relator, a utilização maciça das vias jurisdicionais para obtenção de tratamento de melhor qualidade que o oferecido pelo Sistema Único de Saúde desequilibra a oferta dos serviços, pois finda por dividir a população entre os que obtêm tratamento direto, segundo a ordem de chegada e da capacidade de atendimento das entidades e órgão de prestação de serviços de saúde, e os que obtêm esses mesmos serviços por determinação judicial, que evidentemente ignora e desconsidera todo e qualquer óbice, traduzindo-se em atendimento preferencial e segundo o que prescrito pelo médico assistente do interessado.

6. Em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do administrador, sendo de fundamental importância que o Poder Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa, de modo que, em casos tais, não se pode falar em violação ao princípio da separação dos Poderes. (AgRg no REsp 1.136.549/RS, Relator Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, julgado em 08.06.2010, DJe de 21.06.2010).

7. O deferimento, pelo Judiciário, de pedido de fornecimento de medicação ou de tratamento de alto custo deve observar as linhas traçadas pelo Plenário do STF no julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada (STA) 175 AgR/CE, na redação do voto do relator, Ministro Gilmar Mendes: a) a cláusula da reserva do possível, ressalvado justo motivo objetivamente aferível, não pode ser invocada, pelo Estado, com o propósito de exonerar-se do cumprimento de obrigações constitucionais, notadamente referentes a direitos fundamentais (cf. ADPF 45/MC, Ministro Celso de Mello); b) a falta de registro do medicamento na ANVISA não afasta o dever de fornecimento pelo Estado, eis que é autorizada, excepcionalmente, a importação, por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso de programas em saúde pública pelo Ministério da Saúde (Lei n. 9.782/1999); c) o Estado não pode ser condenado ao fornecimento de fármaco em fase experimental.

8. A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de embargos de declaração no REsp 1.657.156/RJ, ocorrido em 21/09/2018, na sistemática dos recursos repetitivos (art. 1.036 do CPC), atribuindo-lhe efeito infringente, estabeleceu os requisitos cumulativos para fornecimento dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, a saber: a) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; b) incapacidade financeira de o beneficiário arcar com o custo do medicamento prescrito; c) existência de registro na ANVISA, do medicamento, observados os usos autorizados pela agência.

9. No caso dos autos, de acordo com o relatório médico, a autora é portadora de retinopatia diabética em ambos os olhos, o que evoluiu com oclusão de veia central da retina e edema macular no olho direito, necessitando de tratamento ocular quimioterápico com Anti-VEGF (LUCENTIS ou EYLIA), para reabilitação visual. A médica oftalmologista esclarece que “a receita médica é soberana, que a indicação de procedimentos e medicações não são oriundos de vontades, e sim de estudo e pesquisa, no intuito de dar ao paciente o que existe de melhor para ele conforme a indicação da ciência”.

10. O laudo pericial judicial confirma a enfermidade, atestando que: a) os medicamentos indicados com aprovação da Anvisa incluem o Lucentis e o Eylia, os quais não são fornecidos pelo SUS; b) o procedimento recomendado é de primeira escolha, na forma dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas; c) o medicamento pleiteado é atualmente a principal opção para tratamento de situações como a apresentada pela paciente; d) há estudos acerca do uso do tratamento pleiteado em pacientes portadores da doença; e) o uso do medicamento em debate causará melhora da acuidade visual, campo de visão e estereopsia da paciente.

11. Demonstrada a imprescindibilidade do fármaco, seu registro na ANVISA, a impossibilidade de custeio pela parte autora, bem como a negativa do fornecimento pela Administração Pública, deve ser mantida a sentença que assegurou o recebimento do medicamento prescrito.

12. Não há falar na redução da verba honorária, uma vez o valor está condizente com o que esta Corte tem fixado – entre R$ 1.000,00 (mil reais) e R$ 3.000,00 (três mil reais).

13. Apelação desprovida.

Processo: 1007139-14.2020.4.01.3300

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