TRF1 garante remoção de professor vítima de homofobia do Pará para a Bahia

A 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) garantiu a remoção incondicional de um professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), campus de Altamira/PA, para a Universidade Federal da Bahia (UFBA), campus de Salvador, por motivo de saúde, com diagnóstico de depressão grave e estresse traumático comprovado por junta médica oficial, nos termos do art. 36, III, “b” da Lei nº 8.112/90. Ele havia conseguido em 1º Grau (2ª Vara Federal SJPA) a remoção desde que não fosse configurado o caso de aposentadoria por invalidez e após cessada a incapacidade temporária.

Em seu recurso, o autor alegou que passou a sofrer atos de homofobia, com episódios de violência verbal e vandalismo em sua residência e ameaças de morte, o que desencadeou crises de ansiedade e depressão profunda, sendo diagnosticado com depressão grave com sintomas psicóticos, o que motivou seu pedido para dar continuidade ao tratamento longe da cidade de Altamira e para ficar próximo a seus familiares. Argumentou, também, que a UFPA solicitou o seu retorno imediato ao trabalho.

Ao analisar o caso, o relator, desembargador federal César Jatahy, destacou que a remoção por motivo de saúde é direito subjetivo do servidor desde que comprovada a doença por junta médica oficial, e, uma vez preenchidos os requisitos, a Administração tem o dever de promover o deslocamento.

O magistrado considerou, ainda, o fato de que, mesmo que a lotação originária e a lotação pretendida estejam vinculadas a duas Universidades Federais distintas, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou em hipótese de remoção de professor que, independentemente de quadro próprio, a carreira deve ser interpretada como quadro único de servidores vinculados ao Ministério da Educação (MEC) para fins específicos do art. 36 da Lei 8.112/90, autorizando, assim, a remoção entre Universidades Federais distintas.

Destacou que o caso, ainda, apresenta agravantes, uma vez que o autor está acometido de doença psicológica, é paciente de HIV e que no ano de 2017 foi vítima de violência, possivelmente decorrente de sua condição sexual, como afirma (homofobia), fato “supostamente desencadeador do evento traumático como bem afirmado pela perita do Juízo, pois teve seu lar violado enquanto estava ausente realizando um mestrado, ocasião em que teve sua casa revirada, furtada, e sofreu ameaça de morte escrita nas paredes de sua residência e na geladeira, conforme comprovam o boletim de ocorrência efetuado pela pessoa responsável por cuidar de sua casa, na sua ausência.”

Em sem voto, o relator considerou também que a lotação de origem do autor não possibilita o ambiente familiar necessário ao suporte emocional de que precisa para o tratamento de sua doença. Segundo o magistrado, é incontestável “a premissa de que doenças de trato emocional exigem, para sua recuperação, a presença constante de familiares diante da situação de sofrimento psicoemocional que se encontra o membro portador de enfermidade dessa gravidade.”

Considerando ainda a relevância dos fundamentos adotados pela parte autora e os riscos de dano grave e de difícil reparação ao apelante, o relator entendeu devida a remoção independentemente de possível configuração de causa para a aposentadoria por invalidez ou da recuperação da incapacidade laboral do apelante, como constou da sentença recorrida, concluiu.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. REMOÇÃO A PEDIDO, INDEPENDENTEMENTE DO INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO. MOTIVO DE SAÚDE. PROTEÇÃO À SAÚDE. UNIVERSIDADES FEDERAIS DISTINTAS. VINCULAÇÃO AO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. DOENÇA EXISTENTE. COMPROVAÇÃO POR JUNTA MÉDICA. NECESSIDADE DE TRATAMENTO JUNTO Á FAMÍLIA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.

1.  Sentença proferida sob a vigência do NCPC. Apelações recebidas no efeito devolutivo, nos termos do artigo 1.012, §1º, V, do CPC. Remessa necessária tida por interposta. Pedido de tutela provisória de natureza cautelar recebido como pedido de tutela antecipada, nos termos do art. 303 do CPC.

2. O autor é solteiro, aufere renda básica bruta mensal em torno de R$ 7.000,00 e não possui dependentes. Diante dessas evidências, entendo não estarem presentes os requisitos legais para deferimento da assistência judiciária gratuita, pelo que deve ser reformada a sentença neste ponto.

3. Quanto ao pleito de remoção por motivo de saúde o direito está garantido no art.36, III, b, da Lei nº 8.112/90: (…) III – a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97) b) por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial;

4. A remoção por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente é o direito subjetivo dos servidores públicos, condicionado à comprovação da moléstia por junta médica oficial, de se deslocarem, a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração. Tal preceito tem sido interpretado em consonância com a proteção constitucional da família (art. 226, CF/88) e o direito constitucional à Saúde (art. 196, CF/88).

5. Quanto à tese das apelantes UFPA e UFBA de que para configurar remoção é necessário que o deslocamento ocorra no âmbito do mesmo quadro, considerando que a lotação originária e a lotação pretendida estão vinculadas a duas Universidades Federais distintas, registra-se que o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou, em hipótese de remoção de professor, que, independentemente de quadro próprio, a carreira deve ser interpretada como quadro único de servidores vinculado ao Ministério da Educação, para fins específicos do art. 36 da Lei 8.112/90, autorizando, desta feita, a remoção entre Universidades federais distintas. Precedentes: AIRESP – Agravo Interno no Recurso Especial – 1351140 2012.02.26595-8, Gurgel de Faria, STJ – Primeira Turma, DJE Data:16/04/2019; AIRESP – Agravo Interno no Recurso Especial – 1563661 2015.02.59152-8, Benedito Gonçalves, STJ – Primeira Turma, DJE Data:23/04/2018; RESP – Recurso Especial – 1703163 2017.02.37173-1, Herman Benjamin, STJ – Segunda Turma, DJE Data:19/12/2017 ..DTPB.

6. Ficou constata pela perícia médica judicial (ID 136708721 – Pág. 1/10) que o requerente apresenta doença CID 10 F32.2 (episodio depressivo moderado) e F43.0 (transtorno de estresse pós-traumático). Atestou a expert que o periciando ainda não está apto a realizar atividades laborais, e necessita realizar o tratamento psiquiátrico e psicológico em local longe do evento traumático e próximo de seus familiares. Segundo o laudo pericial judicial, o apelante “iniciou um quadro de ansiedade e depressão em 2017 a partir do evento de ter a sua residência em Altamira invadida, roubada, anarquizada e com ameaças de morte escritas na parede da casa. Antes disto já tinha sintomas isolados, pois era alvo de discriminação na comunidade e já tinha sofrido” (id 136708721 – Pág. 4/5), concluindo que seu quadro clinico atual o impossibilita de residir no município de Altamira.

7. Esse caso, em particular, apresenta dois agravantes, que fazem ser devida a concessão do pleito de remoção do autor para perto de seus familiares e longe do município onde residia. O autor/apelante além de acometido de doença psicológica decorrente de estresse pós traumático após episódio de homofobia, é ainda portador de HIV (ID 136708669 – Pág. 1). Tais fatos demonstram que o retorno do apelante ao município de Altamira é incompatível com o seu estado psicológico.

8. Constatada a existência da patologia que acomete o apelante/parte autora por junta oficial e perícia judicial, e, não dispondo o autor, em sua lotação original, de ambiente familiar que lhe proporcione o suporte emocional imprescindível ao tratamento de sua doença, fica evidenciada a necessidade de provimento do recurso, havendo risco de dano grave ou de difícil reparação à sua saúde caso não saia o autor do ambiente que lhe adoeceu, podendo ocorrer agravamento irreversível de seu quadro de saúde.

9. Conquanto a controvérsia diga respeito a imediato direito subjetivo do apelante à remoção funcional, a pretensão deduzida em juízo tem por pano de fundo a reflexa necessidade de acesso a tratamento adequado de saúde, e neste sentido, compreende-se também o apoio familiar e distanciamento do ambiente que guarda nexo com o seu adoecimento. Faz-se necessária a concretização dos mandamentos constitucionais que asseguram o direito amplo à saúde.

10. Considerando a relevância dos fundamentos adotados pela parte autora e os riscos de dano grave e de difícil reparação à sua saúde, entendo ser devida a remoção independente de possível configuração de causa para a aposentadoria por invalidez, ou da recuperação da incapacidade laboral do apelante, como constou da sentença recorrida.

11. A possibilidade de aposentadoria por invalidez seria passível de aferição a pedido do autor ou quando expirado o período de licença e não estando em condições de reassumir o cargo ou de ser readaptado, nos termos do art. 188, § 2º, da Lei da Lei 8.112/90, sendo imprescindível a realização de perícia para esse fim, não havendo este movimento de interesses nos autos, não há que se falar, portanto, pelo menos neste processo, em aposentadoria por invalidez.

12. Acerca da condicionante de remoção à recuperação da capacidade laboral do autor, entende-se que o estado de incapacidade atual não obsta o ato de remoção, já que a remoção por motivo de saúde é justamente para o tratamento da saúde, tendo ficado claro pelas conclusões do laudo pericial judicial, bem como dos laudos das Juntas médicas da UFPA, que o afastamento do autor do município de Altamira seria um fator importante para a sua recuperação, aliado ao apoio familiar.

13. Apelação da parte autora provida, determinando-se que as apeladas/parte ré procedam à remoção do apelante/parte autora da Universidade Federal do Pará, campus de Altamira, para a Universidade Federal da Bahia, campus de Salvador, nos termos do art. 36, III, “b”, da Lei 8.112/90. Remessa necessária, tida por interposta, e apelação da parte ré, parcialmente providas apenas quanto à assistência judiciária gratuita.

14. Antecipados os efeitos da tutela, diante da presença dos requisitos autorizadores para a concessão da medida, nos termos do art. 300 do NCPC, devendo ser cumprida no prazo de 30 (trinta) dias.

15. Honorários de advogado majorados apenas em 1% (um por cento), a teor do disposto no art. 85, §§ 2º, 3º e 11, do NCPC.

A decisão foi unânime.

Processo: 1013285-51.2019.4.01.3900

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