Por exceder em dois segundos o tempo da prova de natação, um candidato a perito criminal federal foi eliminado do concurso e, inconformado, recorreu à Justiça pleiteando a anulação da sua desclassificação no teste de aptidão física (TAF) por ter ele excedido o tempo em dois segundos. O requerente argumentou que a piscina tinha blocos de partida, situação sem previsão no edital. A sentença confirmou o pedido o autor do processo e ordenando a anulação da desaprovação e determinando a realização de nova prova de natação, resultando na aprovação no TAF e prosseguimento no curso de formação em que o autor também foi aprovado.
A União apelou da decisão de primeira instância, e o recurso foi julgado pela 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). O relator foi o desembargador federal João Batista Moreira.
O ente público alegou que, dentre outros argumentos, “ao se inscrever no presente certame público, o autor vinculou-se aos termos previstos no edital de abertura do certame, e não pode, agora, pretender receber tratamento diferenciado em detrimento de milhares de candidatos que se submeteram e realizaram os mesmos testes e nas mesmas condições” em ofensa ao princípio da isonomia presente no art. 5º, inciso I da Constituição Federal (CF).
As razões da União não foram suficientes para convencer o Colegiado. O relator verificou que a previsão do edital era que “o teste de natação deverá [deveria] ser realizado em piscina com a extensão de 25 metros, sem bloco de partida e dividida em raias”, mas a piscina em que o autor realizou a prova continha blocos de partida no centro da raia, tendo os candidatos se posicionado ao lado do bloco e por isso, segundo o autor, ele “teve que pular na água de lado, o que fez com que seus óculos saíssem da posição correta”.
Relembrou o magistrado que, em processos semelhantes, “conforme também tenho sustentado, sempre, deve ser desmitificada a ideia de vinculação absoluta às regras do edital de concurso público em função do princípio da isonomia. Afirma-se que não pode ser deferida determinada pretensão de um ou outro candidato porque todos se submeteram às mesmas regras. Se alguns candidatos aceitam se submeter a critérios ilegítimos, isso não é motivo para deixar de reconhecer o direito daquele que vem à Justiça”.
Ademais, tenham ou não os blocos de partida interferido na prova, “não é razoável a eliminação do autor pelo tempo excedente em 2 segundos”, sendo a exigência desproporcional para o cargo de perito criminal (bem como para escrivão, papiloscopista e perito médico-legista) na linha da jurisprudência do TRF1 e do Supremo Tribunal Federal (STF), concluiu o magistrado votando no sentido de negar provimento ao recurso da União.
O recurso ficou assim ementado:
CONCURSO PÚBLICO. PERITO CRIMINAL FEDERAL. PROVA DE NATAÇÃO REALIZADA EM PISCINA COM BLOCOS DE PARTIDA. AFRONTA AO EDITAL. TEMPO EXCEDIDO EM DOIS SEGUNDOS. ELIMINAÇÃO DO CERTAME. FALTA DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE.
1. Na sentença, foi julgado parcialmente procedente o pedido para anular “a decisão administrativa de inaptidão no exame de aptidão física e a consequente exclusão no certamente do autor, confirmando a tutela de urgência que determinou a realização de novo teste de natação”.
2. Embora o edital previsse que “o teste de natação deverá [deveria] ser realizado em piscina com a extensão de 25 metros, sem bloco de partida e dividida em raias”, a piscina em que o autor realizou a prova continha blocos de partida no centro da raia. O autor alega que os blocos interferiram em sua performance, visto que teve que pular na água de lado, retirando os óculos da posição.
3. Por força da decisão antecipatória da tutela, o autor repetiu a prova de natação, obtendo aprovação, e prosseguiu no certame, tendo, inclusive, concluído, com aproveitamento, o curso de formação.
4. A “capacidade física” é conceito indeterminado (de experiência), com o que a discussão da questão – determinação de conceitos – deve ser afastada do campo da discricionariedade em sentido estrito.
5. É com base na experiência que se vai responder se um candidato que nade 50 metros em uma piscina, em 46 segundos- quando o máximo permitido era 44 segundos -, tem, sob esse aspecto, capacidade física para exercer o cargo de Agente de Polícia Federal.
6. Colhe-se da experiência que a exigência anterior era de que o candidato ao referido cargo nadasse 50 metros em até 56 segundos. Não consta que alguém aprovado de acordo com essa marca tenha-se revelado fisicamente incapaz para o exercício do cargo, de modo a justificar reajuste da exigência.
7. Colhe-se da experiência que o excesso de exigências, em termos de compleição física, para o exercício do cargo de policial federal é, senão efeito do paradigma masculino e patriarcal de nossa sociedade, reminiscência das administrações militares a que o Departamento de Polícia Federal esteve por muitos anos submetido, sem contar que nas próprias Forças Armadas tais requisitos merecem ser adaptados à evolução tecnológica.
8. Colhe-se da experiência que uma prova de natação está sujeita a fatores externos, que podem variar no teste de cada candidato (a temperatura da água, o tempo de descanso entre um e outro exercício, a precisão do aparelho de medição, a perícia do examinador etc.). Some-se a isso, a deficiência dos registros, que impede a correção de eventual erro em circunstâncias tão milimétricas.
9. Colhe-se da experiência que o exercício real, no desempenho da função, não se dá em uma piscina olímpica, mas nas correntezas dos rios amazônicos, ou nas ondas oceânicas, possivelmente à noite, de modo que é muito relativo o desempenho demonstrado no teste em referência, da forma como que é realizado.
10. Colhe-se da experiência que a Polícia Federal não ministra, sistematicamente, treinamento físico para seus agentes. O candidato ingressa esbelto, depois de treinamento na academia, mas não é obrigado a manter a mesma forma física.
11. O critério com base no qual o apelante foi eliminado do concurso fere os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
12. Deve ser desmitificada a ideia de vinculação absoluta às regras do edital de concurso público em função do princípio da isonomia. Afirma-se que não pode ser deferida determinada pretensão de um ou outro candidato porque todos se submeteram às mesmas regras. Se alguns candidatos aceitam se submeter a critérios ilegítimos, isso não é motivo para deixar de reconhecer o direito daquele que vem à Justiça.
13. Nessa linha de opinião, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que, “caso a caso, há de perquirir-se a sintonia da exigência, no que implica fator de tratamento diferenciado, com a função a ser exercida. Não se tem como constitucional a exigência de prova física desproporcional à cabível habilitação aos cargos de escrivão, papiloscopista, perito criminal e perito médico-legista de Polícia Civil” (RE 505.654 AgR, relator Ministro Marco Aurélio, 1T, DJe-225, 14/11/2013).
14. Negado provimento à apelação.
15. Majorados os honorários advocatícios da União, de 10% para 12% do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §§ 2º, 3º e 11 do Código de Processo Civil.
A decisão do Colegiado foi unânime nos termos do voto do relator.
Processo: 1026025-23.2018.4.01.3400