Trabalhador com hepatite C será reintegrado ao emprego por causa de dispensa discriminatória

A empresa não comprovou outra motivação para dispensar o empregado.

A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou a reintegração de um analista da ABB Brasil Ltda.  ao emprego, em Osasco (SP). Ele foi demitido por ser portador de hepatite C. A doença é considerada grave, e a jurisprudência do TST entende que há presunção de dispensa discriminatória nesses casos. O empregador tem de provar que a dispensa teve outra motivação, o que, segundo o colegiado, não ocorreu.

Serviço médico

O administrador pediu, na ação trabalhista, ajuizada em abril de 2014, a nulidade da dispensa, afirmando que o fim do contrato de trabalho se deu em razão de sua doença, hepatite C. Segundo ele, a empresa sabia da enfermidade desde a admissão em 2011 e que a patologia não interferia no desempenho de suas atividades, tendo sua aptidão para o trabalho constatada pelo serviço médico da empresa.

Terapia

Ainda, na ação, o empregado informou que realizara, no início de 2013, terapia com os medicamentos ribavirina e interferon, para reduzir a carga viral da hepatite C. O tratamento, explicou, trouxe efeitos colaterais, como cefaleia, depressão e, sobretudo, cansaço e irritabilidade, “aliados à pesada carga de atividades”. Diante do quadro, o analista procurou o gerente de operações, demonstrando interesse em deixar a área que trabalhava e ser realocado em outra unidade.

Pressão

Inscrito em processo seletivo para outra vaga, ele disse que a ABB lhe deu  sessenta dias para que ele encontrasse um novo setor. Tentou a área de contratos, mas foi desclassificado devido à “sua falta de aptidão para o perfil”.  Nessa altura, disse que ouviu que a empresa já estava procurando outro para seu lugar. Toda a situação, segundo ele, piorou suas condições psicofísicas, com aumento da depressão e irritabilidade. Após algumas semanas, e sem conseguir locação, o empregado foi demitido.

Caráter comportamental

Em defesa, a AAB disse que jamais manifestou qualquer ato de discriminação para com o analista e que, sempre, diligenciou em atender à sua situação clínica. Por outro lado, afirmou que estava descontente com o desempenho do empregado, em virtude de vários fatores, entre eles de caráter comportamental, mas que isso não foi fato determinante na decisão da empresa. Segundo a AAB, a rescisão ocorreu por causa da inexistência de vagas para realocação do empregado.

Intenção

A 3ª Vara do Trabalho de Guarulhos (SP) entendeu pelo caráter discriminatório da dispensa do empregado. Considerou, sobretudo, confissão do representante da ABB quanto à ciência da empresa sobre as alterações comportamentais do analista em função da medicação. Segundo o depoimento, a empresa considerou tal aspecto para rescindir o contrato de trabalho, mesmo sabendo que decorria do tratamento da doença que o acometia, e não do desempenho pessoal do empregado.

Estigma ou preconceito

No entanto, a sentença foi reformada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), para o qual não houve prova da intenção discriminatória da dispensa. Na avaliação do TRT, do depoimento não se constata a intenção da ABB de dispensar o analista por ser portador de hepatite C ou pela mudança de comportamento. Segundo o Regional, a empresa sempre teve ciência da doença, “que nunca foi obstáculo à contratação ou à manutenção do vínculo”. Ainda, conforme a decisão, a hepatite C não é doença que possa gerar estigma e preconceito.

Jurisprudência

Para a relatora do recurso de revista do analista ao TST, ministra Delaíde Miranda Arantes, o fato de o representante da empresa ter declarado que os efeitos da nova terapia no comportamento do empregado foram considerados para avaliação da dispensa é suficiente para revelar a postura discriminatória da empresa. Para a ministra, não há registro na decisão do TRT de que a empresa tenha comprovado motivação lícita para a dispensa que não a sua condição de saúde.

A ministra explicou que o TST, em casos semelhantes, tem adotado posicionamento no sentido de reconhecer a hepatite C como doença grave, que suscita estigma ou preconceito (Súmula 443). Observou, ainda, que o direito de rescisão unilateral do contrato de trabalho, mediante iniciativa do empregador, como expressão de seu direito potestativo, não é ilimitado.

O recurso ficou assim ementado:

I – AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE (HEPATITE C). PRESUNÇÃO DE DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. SÚMULA 443 DO TST. REINTEGRAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. Constatado o equívoco na decisão que negou seguimento ao agravo de instrumento, é de se prover o agravo. Agravo provido.

II – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE (HEPATITE C). PRESUNÇÃO DE DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. SÚMULA 443 DO TST. REINTEGRAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. Demonstrada possível contrariedade à Súmula 443 do TST, impõe-se o provimento do agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista . Agravo de instrumento provido.

III – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014

1 – PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO REGIONAL POR NEGATIVA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Decidido o mérito a favor da parte a quem aproveita a declaração de nulidade, deixa-se de apreciar a alegação de preliminar de nulidade do acórdão do Tribunal Regional por negativa de prestação jurisdicional, com fundamento no art. 282, § 2.º, do CPC de 2015.

2 – EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE (HEPATITE C). PRESUNÇÃO DE DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. SÚMULA 443 DO TST. REINTEGRAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. 2.1. Caso em que o Tribunal Regional reformou a sentença para afastar o reconhecimento da dispensa discriminatória e julgar improcedentes os pedidos de reintegração no emprego e indenização por dano moral, ao fundamento de que a Súmula 443 do TST não está vinculada a situações ditas discriminatórias por motivo de doença e de que aquela da qual o autor é portador (hepatite C) não é de molde a gerar estigma e preconceito a impor a recondução ao trabalho. 2.2. Ao contrário do entendimento do Tribunal Regional, sendo o reclamante portador de doença considerada grave (hepatite C), prevalece nesta Corte o entendimento de que há presunção relativa de dispensa discriminatória, nos termos da Súmula 443 do TST, sendo ônus da reclamada a prova de que a dispensa do trabalhador teve motivação diversa. 2.3. Não sendo possível extrair das premissas fáticas trazidas no acórdão recorrido, que o empregador se desincumbiu do seu ônus quanto à prova de que a dispensa ocorreu por motivo lícito diverso, o Tribunal Regional, ao concluir pela inexistência de prova da intenção discriminatória da dispensa do portador de doença grave, decidiu em dissonância da Súmula 443 do TST. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.

Como o empregado pediu indenização por danos morais, a ministra determinou o retorno do processo ao Tribunal Regional, a fim de que prossiga no exame do valor da indenização.

Processo:  TST-RR-1000576-40.2014.5.02.0313

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