TJSP reconhece responsabilidade exclusiva de construtora por problemas em pavimentação de loteamento

1ª Câmara Empresarial analisou solidariedade interna.

Em litígio envolvendo duas construtoras condenadas a indenizar solidariamente associação de proprietários de loteamento que apresentou problemas na pavimentação, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a exclusiva responsabilidade dos donos de uma delas pelo pagamento, após analisar a questão sob a ótica da solidariedade interna. O colegiado entendeu que os requeridos assumiram todas as dívidas e obrigações referentes ao loteamento quando adquiriram a empresa responsável pelas obras.
Consta nos autos que a autora da ação alega não ter responsabilidade pelo pagamento da indenização à associação de proprietários, já que vendeu para a requerida a empresa que realizou o asfaltamento, tendo a compradora assumido todas as dívidas e obrigações – incluindo questões relacionadas ao loteamento. Já a outra parte alega que decisão transitada em julgado determinou o pagamento solidário da reparação, pois os problemas no asfaltamento são decorrentes de obras realizadas antes do negócio.
Ao analisar a questão, o relator do recurso, desembargador Cesar Ciampolini, afirmou que, de fato, a Justiça determinou a responsabilidade solidária para o pagamento da indenização. No entanto, apontou o magistrado, a doutrina mostra que existe distinção entre solidariedade externa (perante o credor comum) e interna (entre os codevedores).
“Via de regra, é em contrato que se disciplina a fração da responsabilidade cabente a cada devedor solidário: apenas se não houver convenção em contrário, cada um deve pagar a mesma parte da dívida”, escreveu o relator.  De acordo com ele, é possível constatar que os requeridos assumiram todo o passivo, dívida e obrigações da empresa que realizou o asfaltamento defeituoso, declarando terem plena ciência do que já havia sido realizado de infraestrutura antes da aquisição das quotas sociais, sem qualquer ressalva. Dessa forma, “tendo verificado as obras de infraestrutura realizadas e assumido todas as obrigações para sua execução, devem responder perante a autora por defeitos de pavimentação e pela realização da obra fora dos padrões técnicos exigidos, ainda que decorrentes de serviços prestados pela autora”, escreveu o magistrado.
Cesar Ciampolini destacou que a decisão não altera em nada a situação da associação dos proprietários, que receberão o que é devido. É assegurado, porém, à autora da ação, haver tudo o que eventualmente pagar.

O recurso ficou assim ementado:

Ação declaratória de inexistência de responsabilidade pelo pagamento de condenação solidária em demanda anterior ajuizada contra a autora e uma das corrés por Associação de Proprietários de loteamento imobiliário, em razão de defeitos na pavimentação das vias do empreendimento. Causa de pedir: transferência contratual das obrigações que, inadimplidas, motivaram a solidária condenação na ação anterior. Sentença de improcedência, sob fundamento de coisa julgada. Apelação da autora. Responsabilidade solidária da autora e da ré que não pode ser revista com efeitos perante a Associação credora; aí há, efetivamente, coisa julgada, imutabilidade. Acórdão que julgou a ação em que condenados a ora autora e os réus solidariamente, todavia, que ressalvou expressamente a discussão, pela via própria, da proporção da responsabilidade de cada uma das partes demandadas pela Associação. Prestígio da autoridade do Poder Judiciário. Direto da autora de acertamento que busca pela presente ação, mediante declaração do quanto cabe a cada qual na condenação da ação anterior, em que condenadas solidariamente. Distinção entre solidariedade externa e interna. Art. 913 do Código Beviláqua, em cuja vigência celebrado o contrato, correspondente ao art. 283 do Código Reale. “Se encararmos a solidariedade através do lado externo, o conjunto dos devedores se apresenta como se fosse um devedor único, pois dele pode o credor exigir a totalidade do crédito. Todavia, encarado o problema através de seu ângulo interno, encontram-se vários devedores cujas relações são relevantes, uns responsáveis para com os outros, por fração menor ou maior do débito, ou mesmo pela sua totalidade, todos, entretanto, ligados pelo vínculo da solidariedade que os prende ao credor e os sujeita aos seus caprichos e conveniências. As obrigações de cada devedor são individuais e autônomas, mas se encontram enfeixadas numa relação unitária, em virtude da solidariedade.” (SÍLVIO RODRIGUES). Precedente do TJPR. A responsabilidade dos devedores, sob a ótica da solidariedade interna, deve ser escrutinada à vista das peculiaridades do caso concreto, via de regra estando disciplinada em contrato (doutrina de GUSTAVO TEPEDINO, HELOÍSA HELENA BARBOZA e MARCIA CELINA BODIN DE MORAIS. A disciplina da responsabilidade interna pode ser pactuada pelos codevedores posteriormente ao nascimento da obrigação (FRANÇOIS TERRÉ, PHILIPPE SIMLER e YVES LEQUETTE). “Contrato de Venda e Compra de Empresas, Assunção de Dívidas, Obrigações e Outras Avenças”, pelo qual os réus se obrigaram a executar a obra no loteamento, assumindo a responsabilidade respectiva. Devedores que, ademais, tendo plena ciência “dos percentuais de infraestrutura” implantada antes da celebração da avença, como expressamente declararam, por isso assumiram perante a autora toda a responsabilidade. Cabe, pois, nos termos do contrato, responsabilizá-los por defeitos e pela realização de obra fora dos padrões técnicos exigidos, ainda que decorrentes de serviços prestados anteriormente, pela autora. À parte cessionária, dentro da diligência que se espera de empresários, cumpre informar-se, antes da celebração do negócio jurídico, acerca de todos os seus contornos (JUDITH MARTINS-COSTA). “Uma regra elementar do jogo contratual é esta: aquele que assume compromissos, no âmbito de uma operação econômica que pretende levar a cabo, deve estar em condições de avaliar as suas conveniências, de modo razoavelmente correto, sem que intervenham elementos tais, que perturbem ou alterem gravemente o processo conducente à decisão de concluir o contrato e de concluí-lo com determinado conteúdo” (ENZO ROPPO). “Por conta da adoção do padrão de comportamento do homem ativo e probo, ou dos ‘comerciantes cordatos’, o ordenamento jurídico autoriza a pressuposição de que o agente econômico, de forma prudente e sensata, avaliou os riscos da operação e, lançando mão de sua liberdade econômica, vinculou-se. O sistema supõe que, naquele momento, o mercado entendeu que o contrato ser-lhe-ia vantajoso; essa expectativa pode até restar frustrada – e aí reside o risco do negócio” (PAULA FORGIONI). Sentença reformada. Ação julgada procedente, reconhecendo-se a exclusiva responsabilidade dos réus em relação à pavimentação do loteamento, especialmente quanto ao pagamento da indenização devida à Associação de Proprietários. Apelação a que se dá provimento. Observação e ressalva finais que se fazem no sentido de que o que decide o Tribunal em nada interfere com os direitos da Associação dos Proprietários, que por esta continuarão a ser exigidos pelo modo que lhe convier. É assegurado, porém, à autora, haver tudo o que eventualmente pagar à Associação, pelas vias próprias, ou, até mesmo, querendo, em incidente no bojo da ação anterior (§ 1º, IV, do art. 778 do CPC).
Os desembargadores Alexandre Lazzarini e Azuma Nishi completaram a turma julgadora. A decisão foi unânime.

Apelação nº 1016355-59.2018.8.26.0577

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar