Terceira Turma reconhece legitimidade de associação para ação de manutenção de posse no interesse de seus membros

Com base no instituto da representação processual, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que uma associação de produtores agropecuários é parte legítima para figurar no polo ativo de ação de manutenção de posse ajuizada contra uma mineradora, em defesa dos interesses de seus associados, desde que autorizada por eles.

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) extinguiu o processo, por entender que a entidade autora não poderia buscar proteção possessória, pois a posse é direito pessoal relacionado ao possuidor, e o Código de Processo Civil (CPC) não autoriza que terceiro pleiteie direito alheio em nome próprio; e, mesmo estando a ação relacionada com as finalidades da entidade, os associados não lhe deram autorização expressa para entrar em juízo.

Representação processual exige autorização expressa

A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, observou que o artigo 5º, XXI, da Constituição Federal confere às entidades associativas legitimidade para representar seus filiados judicial e extrajudicialmente, quando devidamente autorizadas. Segundo ela, o dispositivo constitucional trata das ações de rito ordinário, para as mais diversas postulações, e, embora isso não esteja expresso, o objeto da demanda deve guardar pertinência com os fins da associação.

A magistrada acrescentou que, nesse tipo de processo, a associação atua como representante processual, já que vai a juízo em nome e no interesse dos associados, havendo a necessidade de autorização expressa, a qual é satisfeita com a anuência dos filiados manifestada em assembleia geral.

De acordo com a relatora, se tais elementos não acompanharem a petição inicial, o juiz deve oportunizar à parte a correção do vício. Apenas se não atendida a determinação é que o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito (artigo 76 do CPC), como preceitua a jurisprudência do STJ (REsp 980.716; REsp 651.064).

Defesa de interesses coletivos em sentido amplo

A ministra explicou que a associação também pode atuar em juízo para a defesa de interesse coletivo em sentido amplo, por meio de ação coletiva de consumo ou de ação civil pública. Em tais casos, basta que a entidade esteja constituída há pelo menos um ano e que haja pertinência temática.

Nessas hipóteses, a associação assume o papel não de representante, mas de substituta processual – legitimação extraordinária –, pois age em nome próprio para a defesa de pretensão alheia. Nesse papel, segundo ela, é desnecessária a autorização dos associados, a qual se restringe às ações coletivas de rito ordinário.

Proteção possessória dos associados

Para a relatora, sendo os associados agricultores e estando a racionalização das atividades agrossilvipastoris entre os objetivos da associação, conforme indica seu estatuto social, a busca de proteção possessória está atrelada às suas finalidades.

Além disso, afirmou Nancy Andrighi, a associação está atuando na condição de representante processual, o que exige a apresentação de autorização dos associados e da lista com os respectivos nomes.

Ao reformar o acórdão, a ministra observou que o TJMT extinguiu a ação porque tais elementos não estavam nos autos, mas não deu à parte a oportunidade de correção do vício, o que contraria o entendimento predominante do STJ.

“Deverão os autos retornar à corte de origem, a fim de que seja facultado à recorrente corrigir o vício, em prazo razoável (artigo 76 do CPC), mediante apresentação de autorização dos associados e da lista com os respectivos nomes”, concluiu.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. ENTIDADE ASSOCIATIVA. TUTELA DA POSSE DETIDA PELOS ASSOCIADOS. LEGITIMIDADE ATIVA. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. AUTORIZAÇÃO DOS ASSOCIADOS. VÍCIO SANÁVEL.
1. Ação de manutenção de posse ajuizada em 08⁄01⁄2009, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 09⁄04⁄2020 e concluso ao gabinete em 31⁄01⁄2022.
2. O propósito recursal é dizer sobre a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional e se a associação recorrente é parte legítima para figurar no polo ativo da presente ação.
3. Não há que se falar em negativa de prestação jurisdicional quando o Tribunal de origem examina a questão controvertida embora contrariamente aos interesses da parte.
4. Ordinariamente, as partes da relação jurídica processual devem ser as mesmas que figuram como titulares da relação jurídica de direito material (art. 18 do CPC⁄2015). Nesse contexto, a defesa coletiva de interesses comuns pertencentes a diversos titulares somente poderia ser realizada em litisconsórcio. Todavia, diante da necessidade de enfrentamento simultâneo de lides multitudinárias e para propiciar a defesa conjunta de interesses comuns, surgiram os institutos da representação e da substituição processuais.
5. O art. 5º, XXI, da CF⁄88 confere às entidades associativas legitimidade para representar seus filiados judicial e extrajudicialmente, quando expressamente autorizadas. O referido dispositivo constitucional diz respeito às ações de rito ordinário, as quais se prestam às mais diversas postulações, voltadas contra entes públicos ou privados, para satisfação de direitos individuais ou coletivos. Apesar de a lei não ser expressa a respeito, o objeto material da demanda deve guardar pertinência com os fins da associação.
6. Nessas lides, a associação atua como representante processual, porquanto vai a juízo em nome e no interesse dos associados. Por essa razão, há necessidade de autorização expressa dos filiados, a qual é satisfeita com a anuência dos associados manifestada em assembleia geral. Se tais elementos não acompanharem a petição inicial, o juiz deve oportunizar à parte a correção do vício e apenas caso não atendida a determinação é que o feito deve ser extinto sem julgamento do mérito (art. 76 do CPC⁄2015). Precedentes.
7. O ordenamento jurídico também assegura à associação a possibilidade de atuar em juízo para a defesa de interesse coletivo em sentido amplo, seja mediante a propositura de ação coletiva de consumo ou de ação civil pública. A tanto, basta que estejam preenchidos os pressupostos legais, a saber: constituição regular há pelo menos 01 (um) ano e pertinência temática (art. 82, IV, do CDC e art. 5º, V, da Lei nº 7.347⁄1985).
8. Nessas hipóteses, a associação assume o papel não de representante, mas sim de substituta processual (legitimação extraordinária), pois age em nome próprio para a defesa de pretensão alheia. No regime de substituição processual, é inaplicável a tese firmada pelo STF quanto à necessidade de autorização dos associados, a qual se restringe às ações coletivas de rito ordinário. Precedentes.
9. Na espécie, a associação recorrente (AGROFRAN) ajuizou a presente ação de manutenção de posse em desfavor das recorridas, com a finalidade de obter proteção possessória em favor dos seus associados. Sendo os associados agricultores e estando a racionalização das atividades agro-silvi-pastoris dentre os objetivos da associação, a busca de proteção possessória está atrelada às finalidades da recorrente. Além disso, a entidade recorrente está atuando na condição de representante processual, circunstância que exige a apresentação de autorização dos associados que estão sendo representados, bem como a lista com os respectivos nomes. O Tribunal de origem afirmou que tais elementos não estão presentes nos autos e extinguiu, de imediato, a ação, não tendo oportunizado a correção do vício, o que contraria o entendimento desta Corte.
10. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

Leia o acórdão no REsp 1.993.506.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1993506

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