Por unanimidade, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou procedente reclamação e revogou prisão preventiva decretada com fundamento em elementos que já haviam sido considerados insuficientes pelo STJ ao analisar decreto prisional anterior no âmbito de inquérito contra os mesmos acusados.
“Reputado ilegal, em julgado desta corte, decreto que prorrogou prisão provisória com base em fundamentação tida como abstrata e inidônea, a superveniente decretação de prisão preventiva nos autos do mesmo inquérito policial reprisando idêntica motivação, a título de periculum libertatis, sem o acréscimo de novos fundamentos concretos, consubstancia descumprimento reflexo de ordem emanada deste tribunal superior”, explicou o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
A controvérsia teve origem em habeas corpus anteriormente analisado pelo STJ no qual foi considerada ilegal decisão que prorrogou a prisão temporária de um casal investigado por suposta participação em homicídio qualificado. Na ocasião, o tribunal considerou genérica a alegação de que os investigados poderiam destruir provas ou influenciar testemunhas.
Para o STJ, o decreto prisional apresentou fundamentação abstrata, limitando-se as instâncias ordinárias a apontar a intenção dos investigados em não colaborar com as investigações e a indicar receio de que o casal destruísse prova ou influenciasse testemunhas.
Nova decisão amparada em fundamentos já considerados inidôneos
Segundo o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, diante do fato de que as investigações já se encontravam adiantadas, com a oitiva de diversas testemunhas, realização de perícias e cumprimento de mandados de busca e apreensão, além do fato de que os investigados – ambos primários, com residência fixa e emprego lícito – se apresentaram voluntariamente à autoridade policial, o STJ revogou a prisão temporária do casal, mediante a aplicação de outras medidas cautelares.
“No novo decreto de prisão preventiva, o magistrado de primeiro grau voltou a aludir à possibilidade de interferência dos reclamantes em depoimentos de testemunhas e reafirmou que eles estariam ocultando seus aparelhos celulares em sua residência, mas sem apontar fato concreto apto a demonstrar que teriam agido de qualquer forma para interferir em depoimento de testemunhas ou para destruir provas ou opor obstáculo ilegítimo às investigações”, acrescentou o relator.
O magistrado destacou que, em situações análogas, a Terceira Seção já reconheceu a existência de descumprimento reflexo de decisão quando nova decisão de primeiro grau se ampara exclusivamente em fundamentos já considerados inidôneos em julgado do STJ que examinara a mesma controvérsia, envolvendo as mesmas partes.
Ao julgar procedente a reclamação, o ministro determinou a cassação da decisão que decretou a prisão preventiva do casal, com o cumprimento das medidas cautelares estabelecidas no HC 704.073.
“O provimento concedido na presente reclamação não impede futura decretação de prisão cautelar ancorada na gravidade concreta da conduta dos reclamantes e em fundamentos idôneos”, finalizou o ministro.
O recurso ficou assim ementado:
RECLAMAÇÃO. INVESTIGAÇÃO DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. ALEGADO DESCUMPRIMENTO DE JULGADO DESTA CORTE QUE RECONHECEU A INIDONEIDADE DOS FUNDAMENTOS LANÇADOS PARA PRORROGAÇÃO DE PRISÃO TEMPORÁRIA. SUPERVENIENTE DECISÃO DE 1º GRAU QUE DECRETA PRISÃO PREVENTIVA, NOS AUTOS DO MESMO INQUÉRITO POLICIAL, VALENDO-SE DE IDÊNTICA MOTIVAÇÃO. DESCUMPRIMENTO REFLEXO DE DECISÃO DESTE TRIBUNAL SUPERIOR. RECLAMAÇÃO PROCEDENTE.
1. Reputado ilegal, em julgado desta Corte, decreto que prorrogou prisão provisória com base em fundamentação tida como abstrata e inidônea, a superveniente decretação de prisão preventiva nos autos do mesmo inquérito policial reprisando idêntica motivação, a título de periculum libertatis, sem o acréscimo de novos fundamentos concretos, consubstancia descumprimento reflexo de ordem emanada deste Tribunal Superior.
2. Situação em que, em habeas corpus julgado por esta Corte, foi considerada ilegal a decisão que prorrogara a prisão provisória de marido e esposa investigados por suposta participação em homicídio qualificado, com amparo na suposição genérica de que os investigados poderiam destruir provas ou influenciar testemunhas, assim como na equivocada concepção de que, em afronta ao princípio constitucional nemo tenetur se detegere, estariam eles obrigados a entregar à autoridade policial evidência (seus aparelhos celulares) não encontrada em busca domiciliar autorizada judicialmente.
Tendo em conta, também, que as investigações já se encontravam adiantadas, com a oitiva de diversas testemunhas, realização de perícias e cumprimento de mandados de busca e apreensão, além do fato de que os investigados, ambos primários com residência fixa e emprego lícito, se apresentaram voluntariamente à autoridade policial, foi concedida a ordem de ofício para revogar a prisão temporária dos ora reclamantes, mediante a aplicação das medidas cautelares constantes do art. 319, incisos I, III, IV, e do art. 320, ambos do Código de Processo Penal.
No novo decreto de prisão preventiva, o magistrado de 1º grau voltou a aludir à possibilidade de interferência dos reclamantes em depoimentos de testemunhas e reafirmou que eles estariam ocultando seus aparelhos celulares em sua residência, mas sem apontar fato concreto apto a demonstrar que teriam agido de qualquer forma para interferir em depoimento de testemunhas ou para destruir provas ou opor obstáculo ilegítimo às investigações.
3. Em situações análogas, a Terceira Seção já reconheceu a existência de descumprimento reflexo de decisão emanada desta Corte quando nova decisão de 1º grau se ampara exclusivamente em fundamentos já considerados inidôneos em julgado deste Superior Tribunal de Justiça que examinara a mesma controvérsia, envolvendo as mesmas partes.
Precedentes: Rcl 39.045⁄SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11⁄03⁄2020, DJe 16⁄03⁄2020; Rcl 36.196⁄SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24⁄10⁄2018, DJe 29⁄10⁄2018; Rcl 32.491⁄SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23⁄11⁄2016, DJe 03⁄02⁄2017; Rcl 3.047⁄SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 29⁄02⁄2012, DJe 08⁄03⁄2012. Decisões monocráticas: RCL n. 42.646⁄SP, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, DJe de 08⁄02⁄2022; RCL n. 42.047⁄SP, Rel. Min. JESUÍNO RISSATO (Desembargador convocado do TJDFT), DJe de 10⁄09⁄2021; RCL n. 40.216⁄SP, Rel. Min. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, DJe de 12⁄06⁄2020; RCL n. 37.937⁄SP, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, DJe de 02⁄10⁄2019.
4. Reclamação julgada procedente, para cassar a decisão que decretou a prisão preventiva dos reclamantes, determinando o cumprimento das medidas cautelares estabelecidas no Habeas Corpus n. 704.073⁄AM, sem prejuízo de futura decretação de prisão cautelar ancorada na gravidade concreta da conduta dos reclamantes e em fundamentos idôneos.