O Judiciário pode determinar ao poder Executivo a realização de obras em presídios? O tema vai ser debatido e decidido pelo Supremo Tribunal Federal com o reconhecimento da existência de repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) 592581. Outro tema de destaque que será resolvido pela instância máxima do judiciário brasileiro, no Agravo de Instrumento (AI) 762184, é se as indenizações por danos materiais pagos pelas empresas aéreas seguem a regra constitucional da “indenizibilidade irrestrita” ou a Convenção de Varsóvia, que impõe limites a essas indenizações. Esses temas foram analisados recentemente pelo Plenário Virtual da Corte.
Repercussão Geral
A repercussão geral é aplicada a recursos que ultrapassam os interesses das partes envolvidas, demonstrando relevância do ponto de vista, econômico, político, social e jurídico. Nestes temas, em que o assunto alcança grande número de interessados, os ministros entendem ser necessária a manifestação da Corte Suprema para pacificar a matéria. A análise desse requisito é feita por meio de votação no Plenário Virtual, em sistema totalmente informatizado.
Reforma em presídio
O RE 592581 foi interposto no STF contra decisão que entendeu não caber ao Judiciário determinar que o poder Executivo realize obras em estabelecimento prisional, “sob pena de ingerência indevida em seara reservada à administração”. O caso concreto, neste recurso, é a necessidade de reforma geral no Albergue Estadual de Uruguaiana (RS).
Por unanimidade, os ministros entenderam que a questão constitucional transcende as partes, uma vez que será analisada, no mérito, a observância aos direitos fundamentais dos indivíduos custodiados pelo estado.
“A depender do posicionamento desta Corte, poderá haver, em virtude da realidade do sistema penitenciário brasileiro, uma relevante mudança na situação a que são submetidos milhares de indivíduos sob tutela do estado”, ponderou o relator, ministro Ricardo Lewandowski.
Indenização
A decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que fazendo prevalecer o Código de Defesa do Consumidor sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica e a Convenção de Varsóvia, condenou a empresa aérea Air France ao pagamento de indenização por danos morais e materiais sofridos por conta do extravio da bagagem de um passageiro.
Para a empresa, a decisão teria violado o artigo 178 da Constituição Federal, uma vez que deveria prevalecer a hipótese prevista na Convenção de Varsóvia.
De acordo com os ministros, a matéria não tem tido tratamento uniforme nas instâncias inferiores. “Além do alcance que a causa guarda em relação ao universo de usuários da aviação civil, a incerteza a respeito traz reflexo gravoso à segurança jurídica”, disse o relator, ministro Cezar Peluso, ao opinar pelo reconhecimento da repercussão geral no RE.
Outros temas
A possibilidade de o poder Legislativo legislar sobre adicional por tempo de serviço para os servidores públicos é o tema de fundo a ser discutido pelo Supremo no RE 598259, que teve repercussão geral reconhecida pela maioria dos ministros. De acordo com o relator, a questão discutida nos autos é saber se o poder Legislativo municipal possui competência para estabelecer, de forma originária na lei orgânica municipal e por iniciativa própria, disposições sobre vantagens, benefícios e adicionais para os servidores.
Uma questão trabalhista é o tema em discussão no RE 593448, que teve relevância social e jurídica reconhecida pelo Plenário Virtual. O recurso discute se o direito às férias do servidor pode sofrer restrições pelo fato deste servidor ter se licenciado para tratamento de saúde por período superior a 60 dias.
De acordo com o relator, ministro Ricardo Lewandowski, o tema apresenta relevância, uma vez que trata de discussão envolvendo a possibilidade de limitação da fruição desse “direito social” – as férias.
Outra questão trabalhista está presente no RE 597124. Os ministros entenderam que há repercussão geral no caso, que discute qual o prazo prescricional a ser observado pelo trabalhador avulso, se de 5 ou 2 anos da extinção do contrato de trabalho. No caso, a decisão contestada estendeu o adicional de risco portuário, pago aos trabalhadores com vinculo trabalhista permanente, aos trabalhadores avulsos.
Todas as matérias com repercussão geral reconhecida serão analisadas, no mérito, pelo Plenário da Corte.
Sem repercussão
Dois recursos não tiveram repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual, entre os últimos processos analisados. Um deles é a possibilidade de concessão, a beneficiários de plano de previdência complementar privada, de vantagem outorgada a trabalhadores em atividade, discutida no RE 590005.
De acordo com os ministros, não há controvérsia constitucional em debate, motivo pelo qual não se pode reconhecer repercussão geral.
Já a discussão no AI 768339, sobre uma decisão do STJ que inseriu no âmbito dos Juizados Especiais Federais a apreciação de questões referentes a fornecimento de medicamentos, desde que o valor da causa seja inferior a 60 salários mínimos, não vai seguir adiante no Supremo. A questão era saber se, por se tratar de matéria de maior complexidade, esta questão não estaria fora da competência dos juizados especiais.
Para os ministros, não há controvérsia constitucional no agravo. “Esta Corte já assentou que é de se reputar ausente a repercussão geral das questões constitucionais discutidas, quando eventual ofensa à Constituição se dê apenas de forma indireta ou reflexa”, salientou o relator, ministro Ricardo Lewandowski.