STJ confirma ordem para Ministério da Justiça informar defesa de Lula sobre cooperação com EUA na Lava Jato

Por unanimidade, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tornou definitiva a decisão dada em liminar pelo ministro Sérgio Kukina, em agosto de 2020, para determinar que o Ministério da Justiça informe ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a existência, ou não, de pedidos de cooperação técnica formulados por autoridades brasileiras ou dos Estados Unidos para a obtenção de informações relacionadas à Petrobras, no âmbito da Operação Lava Jato.

Na liminar, o relator estabeleceu que as informações devem se restringir às seis ações penais contra o ex-presidente mencionadas por sua defesa. Acrescentou que, em caso de efetiva existência dos atos de cooperação, devem ser revelados apenas o nome da autoridade responsável, a investigação a que se referem, a descrição das provas ou informações solicitadas e a sua finalidade. Caso não tenha havido cooperação pelos meios oficiais, tal informação também deverá ser prestada à defesa do ex-presidente.

O pedido de acesso às informações foi feito pela defesa, em mandado de segurança, sob o argumento de que a cooperação entre autoridades brasileiras e norte-americanas teria desrespeitado os mecanismos oficiais previstos no Decreto 3.810/2001, que promulgou o acordo de assistência judiciária entre os dois países, e sem que ela pudesse conhecer o conteúdo das colaborações.

Ainda segundo os advogados do ex-presidente, as informações seriam fundamentais para o exercício da defesa, mas o acesso teria sido negado pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), vinculado ao Ministério da Justiça.

Publicidade de informações como preceito geral

Ao julgar o caso no colegiado, o ministro Sérgio Kukina esclareceu que, após a concessão da liminar, o processo ficou com a tramitação suspensa em razão de um conflito de competência suscitado pela União, segundo a qual caberia à Terceira Seção do STJ, especializada em direito penal – e não à Primeira Seção, de direito público – a análise do mandado de segurança. Submetido à Corte Especial, o conflito de competência não foi conhecido.

Para Kukina, embora o conteúdo das investigações em cooperação internacional possa ser mantido em sigilo, a vedação total de acesso ao particular diretamente envolvido nas apurações contraria o direito de informação previsto no artigo 5º, XXXIII, da Constituição Federal.

O magistrado ressaltou que a União, em nenhum momento, alegou ser necessário o sigilo das informações requisitadas pela defesa do ex-presidente. “Nesse rumo é que a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), notadamente por seu artigo 3º, I, sinaliza no sentido da observância da publicidade como preceito geral, e do sigilo como exceção”, completou.

Investigação defensiva é pretensão legítima

Kukina entendeu ser “legítima” a pretensão da defesa do ex-presidente de conduzir investigação defensiva, objetivando a constituição de provas – direito assegurado em qualquer procedimento ou fase da persecução penal, nos termos do Provimento 188/2018 do Conselho Federal da OAB.

O relator acrescentou que também deve ser considerada a cláusula constitucional da ampla defesa (artigo 5º, LV), para garantir a paridade entre os interesses da acusação e do réu, “ambos almejando certificar a veracidade de suas versões”.

Ao ratificar a concessão da liminar, Kukina reafirmou a impossibilidade de se liberar ao impetrante o acesso ao conteúdo das informações e das provas eventualmente obtidas por intermédio dos aventados atos de cooperação, uma vez que a autoridade central responsável por enviar e receber solicitações no âmbito do acordo com os Estados Unidos – o DRCI – apenas tem o papel de intermediar e otimizar os meios necessários para tais atos, mas não é a “detentora definitiva do material probatório porventura arrecadado”, o qual se destina ao Judiciário ou aos investigadores que solicitaram a intermediação.

O recurso ficou assim ementado:

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DECRETO 3.810/2001. PRETENSÃO DE ACESSO A INFORMAÇÕES E DOCUMENTOS CONCERNENTES A ATOS DE COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL ENTRE O BRASIL E OS ESTADOS UNIDOS NO ÂMBITO DA OPERAÇÃO CRIMINAL LAVA JATO. PRELIMINARES LEVANTADAS PELA UNIÃO E PELO PARQUET FEDERAL. REJEIÇÃO DE TODAS ELAS. INTERESSE DA PARTE IMPETRANTE EM INSTRUIR INVESTIGAÇÃO DEFENSIVA PREVISTA NO PROVIMENTO 188/2018 DO CONSELHO FEDERAL DA OAB. POSTULADOS DO ACESSO À INFORMAÇÃO E DA AMPLA DEFESA. ART. 5º, INCISOS XXXIII E LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DO ARQUIVO ABERTO. AUTORIDADE CENTRAL BRASILEIRA QUE SE LIMITA A INTERMEDIAR PEDIDOS DE OBTENÇÃO DE PROVAS E DE INFORMAÇÕES DE NATUREZA PENAL. MATERIAL PROBATÓRIO EVENTUALMENTE ARRECADADO QUE NÃO PERMANECE EM PODER DA AUTORIDADE CENTRAL. CONCESSÃO PARCIAL DA SEGURANÇA.
1. Cuida-se de mandado de segurança impetrado em face de afirmado ato ilegal atribuído ao Exmo. Sr. Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, consistente na alegada negativa de acesso do impetrante a informações e documentos relativos a atos de cooperação jurídica eventualmente realizados entre a República Federativa do Brasil e os Estados Unidos da América, com lastro em acordo bilateral de assistência penal chancelado pelo Decreto n. 3.810/2001, no âmbito da denominada “Operação Lava Jato”.
2. Não procedem as preliminares levantadas pelo Ministério Público Federal (incompetência desta Primeira Seção e perda de objeto do writ) e pela União (tempestividade das informações prestadas pela autoridade impetrada; ausência de esgotamento da via recursal administrativa; incidência do óbice da Súmula 177/STJ; indevido emprego do mandamus como sucedâneo de ação de controle concentrado de constitucionalidade; decadência do prazo para impetração;
necessidade de dilação probatória e, por fim, ausência de interesse de agir do impetrante).
3. Nos termos do acordo bilateral acima referido, a Autoridade Central brasileira se limita a intermediar e otimizar os meios necessários para a interlocução e concretização de atos de cooperação internacional, não se qualificando, pois, como detentora definitiva do material probatório porventura arrecadado, cujo acervo, ao invés, terá por destinatária e guardiã final a autoridade judicial ou investigante que tenha postulado a intermediação daquela mesma Autoridade Central.
4. Por outro viés, não se descortina entrave a que a Autoridade Central brasileira disponibilize à parte impetrante, ÚNICA E TÃO SOMENTE, informações que revelem a existência, OU NÃO, de eventuais pedidos de cooperação internacional formulados, isolada ou reciprocamente, pelas Autoridades Centrais brasileira e norte-americana, relativos às ações penais especificadas na petição inicial destes autos. Positivada que resulte a existência de pedidos de cooperação em relação a qualquer delas, a autoridade impetrada, então, deverá se restringir a informar apenas aqueles dados objetivamente relacionados nas letras a, b, c e d, do item 2 do artigo IV do mencionado Acordo Bilateral.
5. Legítima se revela a pretensão do impetrante de “conduzir Investigação Defensiva, objetivando a constituição de acervo probatório lícito, cujo direito lhe é assegurado em qualquer procedimento ou fase da persecução penal, nos termos do Provimento nº 188/2018 do Conselho Federal da OAB”, devendo-se, no ponto, levar em estima a cláusula constitucional da ampla defesa (art. 5º, LV), no que esta busca garantir a paridade de armas entre os interesses probatórios do órgão acusatório e da defesa técnica da parte ré, ambos almejando certificar a veracidade de suas versões.
6. Não merece acolhida a tese deduzida pela União, no sentido de que “não existe direito líquido e certo em favor de particulares para ofertarem ao DRCI (ou a qualquer autoridade central) pleito de disponibilização de informações sobre eventuais elementos colhidos, a pedido de autoridades públicas, no seio do procedimento de cooperação jurídica internacional”. De fato, conquanto mereçam proteção os dados concernentes a ações de cooperação internacional, máxime na esfera penal, certo é que a absoluta vedação de acesso a informações solicitadas pelo particular diretamente envolvido nas respectivas apurações (caso dos autos) resultaria, inescapavelmente, em esvaziar o conteúdo e o propósito da garantia constitucional esculpida no art. 5º, XXXIII, da CF, cujo cânone assinala que “todos têm direito a receber dos órgão públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo de lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindídivel à segurança da sociedade e do Estado”. Ressalte-se, aliás, que a União não chegou a aduzir, no caso em exame, a necessidade de imprescindível sigilo, relativamente às informações postuladas pelo impetrante.
7. Nesse rumo é que a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), notadamente por seu art. 3º, I, sinaliza no sentido da observância da publicidade como preceito geral, e do sigilo como exceção.
8. Consoante ensinamento do notável jurista português JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, “Num Estado de direito com administração aberta é lógico que se exija o cumprimento do princípio do arquivo aberto e o direito de obter informações sobre os procedimentos em que estamos interessados” (Estado de direito. Cadernos democráticos 7. Lisboa: Gradiva, 1999, p. 71).
9. Segurança parcialmente concedida, restando prejudicado o agravo interno de fls. 1.429/1.443.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): MS 26627

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