Ao dar parcial provimento a recurso especial interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o servidor público reintegrado não tem direito a receber auxílio-transporte e adicional de insalubridade relativos ao período em que esteve indevidamente afastado.
Por unanimidade, o colegiado entendeu que o pagamento dessas verbas tem requisitos específicos além do exercício das funções do cargo público, o qual é contabilizado ficticiamente no caso de reintegração.
Segundo os autos, após ter a demissão anulada pela administração pública e ser reintegrada ao cargo, uma servidora do INSS pleiteou em juízo o pagamento de todas as verbas a que teria direito no período em que esteve ilegalmente afastada. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região julgou procedente o pedido da servidora.
No recurso dirigido ao STJ, o INSS alegou que o auxílio-alimentação, o auxílio-transporte, o adicional de insalubridade e as férias anuais acrescidas de um terço não poderiam ser pagos porque são vantagens condicionadas à verificação de fatos legais específicos.
Auxílio-alimentação e férias se originam do exercício do cargo
O ministro Sérgio Kukina, relator do recurso, explicou que, conforme o artigo 28 da Lei 8.112/1990, a reintegração é o retorno do servidor ao cargo que ocupava, com o ressarcimento de todas as vantagens, quando sua demissão é anulada.
De acordo com o magistrado, a partir da interpretação dos artigos 15 e 102, inciso I, da Lei 8.112/1990 e do artigo 22 da Lei 8.460/1992, “conclui-se que o direito às férias indenizadas e ao auxílio-alimentação têm como fato gerador o exercício efetivo concernente ao cargo público pelo servidor”.
Dessa forma, afirmou o relator, a anulação da demissão da servidora “implica para a administração o dever de lhe pagar, relativamente ao período em que esteve indevidamente afastada do cargo público, as parcelas remuneratórias referentes às férias indenizadas, acrescidas de um terço, bem como aquelas alusivas ao auxílio-alimentação”.
Servidor deve comprovar condições insalubres
Sobre o adicional de insalubridade e o auxílio-transporte, o ministro observou que determinadas rubricas pecuniárias, mesmo em caso de reintegração, não serão devidas ao reintegrado, pois dependem de requisitos próprios.
A condição para o pagamento do adicional de insalubridade, lembrou o magistrado, é que o servidor trabalhe habitualmente em local insalubre, nos termos do artigo 68 da Lei 8.112/1990. Nesse sentido, apontou Sérgio Kukina, a corte entende que o pagamento desse adicional requer laudo que comprove as condições insalubres (PUIL 413) – o que não houve no caso julgado, afirmou.
Auxílio-transporte é verba indenizatória
O magistrado declarou que “idêntica conclusão se aplica ao auxílio-transporte”, uma vez que, segundo o artigo 1º da Medida Provisória 2.165-36/2001, o pagamento dessa rubrica é devido a título de indenização a servidor civil ou militar pelas despesas realizadas com transporte coletivo, nos deslocamentos de sua residência para o local de trabalho.
Ao reformar parcialmente o acórdão recorrido, Sérgio Kukina excluiu o auxílio-transporte e o adicional de insalubridade dos valores devidos à servidora, “haja vista que não esteve ela submetida a trabalho em local comprovadamente considerado insalubre, nem tampouco arcou com despesa de transporte no trajeto residência-trabalho-residência”.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. RECURSO ESPECIAL. DEMISSÃO. POSTERIOR ANULAÇÃO ADMINISTRATIVA DO ATO. REINTEGRAÇÃO AO CARGO. ART. 28 DA LEI 8.112⁄1990. PRETENSÃO AUTORAL DE RECEBIMENTO DE DIVERSAS PARCELAS PECUNIÁRIAS QUE DEIXOU PERCEBER NESSE INTERREGNO. EXERCÍCIO FICTO. POSSIBILIDADE APENAS EM RELAÇÃO A ALGUMAS DAS VANTAGENS PLEITEADAS. IMPOSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO DAS RUBRICAS CONCERNENTES AO AUXÍLIO-TRANSPORTE E AO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. AUSÊNCIA DE ATENDIMENTO A REQUISITOS ESPECÍFICOS. REAJUSTE DE 28,86%. TERMO INICIAL. ANO DE 1993. RECURSO ESPECIAL DO INSS PARCIALMENTE PROVIDO.1. Cuida-se, na origem, de ação ordinária ajuizada pela servidora recorrida em desfavor do INSS, objetivando a cobrança de todas as verbas salariais correspondentes ao período de 1º⁄7⁄1991 a 12⁄6⁄2002, em que esteve alijada de seu cargo público por força de demissão posteriormente anulada pela própria Administração, ocasião em que se viu reintegrada ao cargo.2. Nos termos do art. 28 da Lei 8.112⁄1990, “A reintegração é ainvestidura do servidor estável no cargo anteriormente ocupado, ou no cargo resultante de sua transformação, quando invalidada a sua demissão por decisão administrativa ou judicial, com ressarcimento de todas as vantagens”.3. Na forma da jurisprudência desta Corte, anulada a demissão do servidor, sua reintegração deverá lhe assegurar, em princípio, todos os efeitos funcionais e financeiros, como se em efetivo exercício estivesse. Nesse sentido, mutatis mutandis: AgRg no REsp 1.104.582⁄RS, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄SP), SEXTA TURMA, DJe 8⁄3⁄2010; REsp 886.293⁄PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 27⁄11⁄2007, DJ 7⁄2⁄2008.4. A partir da conjugada interpretação dos arts. 15, caput, e 102, I, da Lei 8.112⁄1990 c⁄c o art. 22 da Lei 8.460⁄1992, conclui-se que o direito às férias indenizadas, acrescidas de um terço, e ao auxílio-alimentação tem como fato gerador o tão só exercício efetivo do cargo público pelo servidor, motivo pelo qual devem ser incluídos dentre os valores a serem pagos à autora, ora recorrida.5. Já os pagamentos do auxílio-transporte e do adicional de insalubridade não se mostram devidos à servidora pelo tão só exercício ficto no cargo público, haja vista que ditas rubricas reclamam a existência de requisitos específicos, a saber, o efetivo trabalho habitual “em locais insalubres ou em contato permanente com substâncias tóxicas, radioativas ou com risco de vida” (art. 68 da Lei 8.112⁄1990) e a realização de despesas “com transporte coletivo municipal, intermunicipal ou interestadual pelos militares, servidores e empregados públicos da Administração Federal direta, autárquica e fundacional da União, nos deslocamentos de suas residências para os locais de trabalho e vice-versa” (art. 1º da Medida Provisória 2.165-36⁄2001). No caso concreto, não se comprovou, mediante a juntada de competente laudo pericial, a existência de ambiente insalubre no período reivindicado pela autora, nem tampouco necessitou esta, no mesmo interregno temporal, se deslocar no trajeto residência-trabalho-residência.6. Quanto ao reajuste de 28,86% incidente sobre os vencimentos, entendeu a Corte de origem que “sua inclusão deve ser considerada desde a data que se tornaram devidos, isto é, desde janeiro de 1991” (fl. 621). Sucede que, na forma da jurisprudência desta Corte, “o direito à extensão do reajuste de 28,86% foi reconhecido aos servidores públicos federais pela Medida Provisória 1.704, de 30⁄6⁄1998. Garantiu-se, inclusive, o pagamento de parcelas vencidas, devidas desde 1993” (REsp 738.588⁄RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, DJ 1º⁄8⁄2006). Nesse mesmo sentido: AgInt no REsp 1.483.566⁄PB, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe 26⁄9⁄2019.7. Recurso especial do INSS conhecido e provido em parte, a fim de excluir dos cálculos as rubricas relativas ao auxílio-transporte e ao adicional de insalubridade, assim como para fixar como termo inicial das diferenças de 28,86% a data de 1º⁄7⁄1993.
Leia o acórdão no REsp 1.941.987.