Buscando adotar uma solução proporcional e razoável para o litígio, nos termos do artigo 8º do Código de Processo Civil de 2015, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitiu que a empresa de bebidas Pitú permaneça no Programa de Recuperação Fiscal (Refis) e arque com parcelas que possibilitem a quitação de seu débito no prazo máximo de 25 anos.
Na decisão, o colegiado levou em consideração que a solução teve a concordância tanto da empresa quanto da Fazenda Nacional, além de atender às diretrizes estabelecidas na Lei 9.964/2000.
Segundo a Fazenda, a Pitú foi excluída do Refis porque as prestações pagas pela empresa – que giravam, na época, em torno de R$ 234 mil mensais – seriam insuficientes para amortizar a dívida. O montante total discutido no processo ultrapassa R$ 180 milhões.
A relatora do recurso especial, ministra Assusete Magalhães, explicou que a jurisprudência do STJ considera possível excluir empresa do Refis, com base no artigo 5º, inciso II, da Lei 9.964/2000 (casos de exclusão por inadimplência), se ficar demonstrada a ineficácia do parcelamento como forma de quitação do débito, levando-se em consideração o valor da dívida e as prestações efetivamente pagas.
Caso desaconselha “decisão salomônica”
Aplicando-se essa jurisprudência, destacou a magistrada, seria o caso de acolher o recurso da Fazenda e, reformando o acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região que havia determinado a reintegração da Pitú ao Refis, excluir novamente a fabricante de bebidas do programa de recuperação fiscal.
Entretanto, Assusete Magalhães ponderou que o caso em análise “tem particularidades que desaconselham uma decisão salomônica”. Entre esses elementos, a relatora apontou que a Pitú tem arcado com pagamentos que, embora insuficientes para amortizar o débito, foram cumpridos de forma regular e em valor considerável, o que demonstra a sua boa-fé.
Em seu voto, a ministra também enfatizou que as partes chegaram a buscar uma solução consensual para o litígio e, apesar de a autocomposição não ter sido concluída, manifestaram interesse em manter a prestação no patamar atualmente pago pela empresa – o valor subiu de R$ 234 mil para R$ 480 mil – e estabelecer que os pagamentos sejam concluídos em 25 anos.
“Se ambas as partes concordam que o parcelamento em 25 anos atenderia aos seus interesses e permitiria a quitação integral, conclui-se que a solução alvitrada atende às finalidades da Lei 9.964/2000 e à jurisprudência desta corte”, concluiu Assusete Magalhães.
O recurso ficou ementado:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. SUMULA 7⁄STJ. NÃO INCIDÊNCIA. REFIS. RECOLHIMENTO DE PARCELAS INSUFICIENTES À QUITAÇÃO DO DÉBITO. POSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DO PROGRAMA DE PARCELAMENTO, SE RESTAR DEMONSTRADA A SUA INEFICÁCIA COMO FORMA DE QUITAÇÃO DO DÉBITO. ART. 5º, II, DA LEI 9.964⁄2000. PRECEDENTES. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL E PECULIAR DO CASO PRESENTE. SOLUÇÃO ALVITRADA PELAS PARTES, QUE ATENDE AOS SEUS INTERESSES, À FINALIDADE DA LEI 9.964⁄2000 E AO ART. 8º DO CPC⁄2015. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE PROVIDO.I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC⁄2015.II. Na origem, trata-se de Ação Ordinária, objetivando, em suma, a anulação do ato administrativo de exclusão da autora do REFIS, em 17⁄12⁄2014. Segundo relata a contribuinte, a exclusão do parcelamento deu-se por dois fundamentos: i) ausência de pagamento à vista dos débitos da empresa incorporada Agro Indústria Pitu Ltda., nos termos do art. 4º da Resolução CG⁄REFIS 12⁄2001, débitos que, porém, já foram pagos; e ii) inadimplência das parcelas, porquanto entendeu a Fazenda Nacional que o pagamento de parcelas em 2014, no valor médio mensal de R$ 230.000,00 (duzentos e trinta mil reais), não seria suficiente para liquidar o débito, equiparando tal pagamento ao inadimplemento previsto no art. 5º, II, da Lei 9.964⁄2000. O Juízo singular, registrando que os débitos da empresa incorporada foram pagos em dezembro de 2014, conforme documentos juntados aos autos, julgou “procedente o pedido, extinguindo-se o feito para anular a Portaria nº 278 da DRF em Recife⁄PE, de 17 de dezembro de 2014, com resolução do mérito, e, em consequência, determinar a reintegração da empresa Engarrafamento Pitú Ltda. ao Programa REFIS, nos mesmos termos em que pactuado originalmente na data de sua adesão”. Ambas as partes interpuseram Apelação. A Fazenda Nacional, impugnando o mérito propriamente dito, e a contribuinte, o capítulo dos honorários de sucumbência, requerendo a sua majoração. O Tribunal de origem, por maioria, negou provimento à Apelação da Fazenda Nacional, e, por unanimidade, deu parcial provimento à Remessa Necessária, para fixar os honorários advocatícios em dois mil reais, julgando prejudicada a Apelação da contribuinte. No Superior Tribunal de Justiça, o Recurso Especial da Fazenda Nacional foi parcialmente conhecido, e, nessa extensão, improvido.III. Está em questão saber (i) se o regular pagamento de parcelas insuficientes à amortização dos débitos parcelados, ainda que observado o valor mínimo da parcela prevista na Lei 9.964⁄2000, pode ensejar a exclusão do contribuinte do REFIS; e (ii) se é possível aplicar o art. 54 da Lei 9.784⁄99 à hipótese em que a Administração tributária tenha deixado, por mais de cinco anos, de exercer o direito potestativo de excluir o contribuinte do parcelamento, ante a ausência de pagamento à vista dos débitos de pessoa jurídica incorporada, nos termos do art. 4º da Resolução CG⁄REFIS 12⁄2001. Cuida-se de questões jurídicas, que devem ser solucionadas a partir do quadro fático descrito no acórdão recorrido, razão pela qual se deve afastar a incidência do óbice da Súmula 7⁄STJ.IV. A Lei 9.964⁄2000, ao instituir o REFIS, estabeleceu, no art. 1º, § 4º, que o débito consolidado seria “pago em parcelas mensais e sucessivas, vencíveis no último dia útil de cada mês, sendo o valor de cada parcela determinado em função de percentual da receita bruta do mês imediatamente anterior, apurada na forma do art. 31 e parágrafo único da Lei no 8.981, de 20 de janeiro de 1995, não inferior a: a) 0,3% (três décimos por cento), no caso de pessoa jurídica optante pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples e de entidade imune ou isenta por finalidade ou objeto; b) 0,6% (seis décimos por cento), no caso de pessoa jurídica submetida ao regime de tributação com base no lucro presumido; c) 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento), no caso de pessoa jurídica submetida ao regime de tributação com base no lucro real, relativamente às receitas decorrentes das atividades comerciais, industriais, médico-hospitalares, de transporte, de ensino e de construção civil; d) 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento), nos demais casos”.V. Ao vincular o valor mínimo da parcela a uma fração da receita bruta do contribuinte, a Lei possibilitou, por vias transversas, que determinados contribuintes efetuassem o pagamento de prestações insuficientes à amortização do débito consolidado. Essa mesma situação também ocorreu no chamado PAES, parcelamento instituído pela Lei 10.684⁄2003. Trata-se, naturalmente, de uma situação indesejada pelo legislador, que, presumivelmente, pretendeu instituir uma espécie de parcelamento, e não uma moratória ad aeternum.VI. Atenta ao propósito da legislação, “a jurisprudência atual do STJ se fixou no sentido de que é possível excluir do Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, com fulcro no art. 5º, II, da Lei 9.964⁄00 (inadimplência), se ficar demonstrada a ineficácia do parcelamento como forma de quitação do débito, considerando-se o valor do débito e o valor das prestações efetivamente pagas” (STJ, AgInt nos EREsp 1.562.199⁄RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 01⁄07⁄2021). No mesmo sentido: STJ, EDcl nos EREsp 1.629.531⁄SC, Rel. Ministro MANOEL ERHARDT (Desembargador Federal convocado do TRF⁄5ª Região), PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 16⁄09⁄2021; AgInt no REsp 1.843.623⁄RJ, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 25⁄03⁄2021; AgInt no AREsp 1.494.130⁄SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 04⁄10⁄2019; AgInt no REsp 1.447.716⁄RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 24⁄04⁄2018; AgInt no REsp 1.536.835⁄SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 14⁄12⁄2017; AgInt no REsp 1.566.727⁄RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 20⁄09⁄2016; AgInt no REsp 1.581.726⁄PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 28⁄06⁄2016; AgRg no REsp 1.530.486⁄RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 05⁄11⁄2015; REsp 1.238.519⁄PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 28⁄08⁄2013.VII. Por alguma causa indefinida, atribuiu-se à hipótese o epíteto de “tese da parcela ínfima”. A denominação, porém, pode induzir a equívocos. Na realidade, o que importa, para a exclusão do contribuinte do parcelamento, é que as prestações, como um todo, se mostrem ineficazes para a sua quitação. É isso o que se depreende dos vários precedentes colacionados acima.VIII. Na espécie, conforme consta do voto condutor do acórdão recorrido, “embora o parcelamento vem (sic) sendo rigorosamente pago – e nem a própria Fazenda se atreve a dizer o contrário – devido aos termos em que o parcelamento foi contratado, e que foram estabelecidos pela própria Fazenda Nacional, através do fisco Federal, esse pagamento está sendo insuficiente para amortizar a dívida. Isso também é incontroverso. De modo que o contribuinte vem pagando regularmente as prestações, mas ainda assim o débito não vem sendo amortizado; ao contrário, vem sendo elevado”. Trata-se, portanto, de caso em que está configurada a ineficácia do parcelamento para quitação do débito, nos moldes do que exige a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, para admitir a exclusão do parcelamento.IX. Isso, por si só, seria suficiente para dar provimento ao Recurso Especial da Fazenda Nacional.X. Sucede, porém, que o caso em apreço tem particularidades que desaconselham uma decisão salomônica. Consoante consta da sentença e do acórdão recorrido, embora o montante pago tenha sido insuficiente para amortizar o débito, que alcançava R$ 184.734.736,11, em novembro de 2014, “no período de 2000 a 2014 a empresa pagou cerca de R$ 135.206.047,08”, valor que é considerável – superior ao débito originário de R$ 116.739.216,50, em 31⁄12⁄2000 – e denota a boa-fé objetiva da contribuinte. A propósito, a própria Fazenda Nacional reclama uma solução heterodoxa para o caso. Na petição de fls. 2.175⁄2.178e, o ente público afirma que a contribuinte “passou de pagamentos mensais na ordem de R$ 234 mil (em 2015) para R$ 480 mil (2020)”, e cogita da possibilidade de “estabelecer a perda superveniente do objeto do litígio, fixando que os pagamentos da PITU permaneçam nessa faixa que permita a quitação do débito, como exige a jurisprudência do STJ”. Aduz a Fazenda Nacional que, se o STJ “determinar, como a PITU já concordou que os pagamentos sejam concluídos em 25 (vinte e cinco) anos, por exemplo, a jurisprudência nos pareceria atendida e, assim, perderia o objeto o processo”. A empresa autora, Engarrafamento Pitu Ltda., sustenta que, “em sua petição, apesar da justificativa para não formalização do NJP, a Fazenda Nacional sugere que a quitação do parcelamento em 25 (vinte e cinco) [anos] atenderia seus interesses e a própria jurisprudência do STJ, o que levaria à perda de objeto do seu recurso”.XI. Embora não se trate propriamente de perda de objeto do feito, já que o ato administrativo remanesce no mundo jurídico, tem-se que a proposta da Fazenda Nacional dá ao caso uma solução justa, proporcional e razoável, consoante determina o art. 8º do CPC⁄2015 (“Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”).XII. Com efeito, a jurisprudência do STJ parte do pressuposto de que “a impossibilidade de adimplência há que ser equiparada à inadimplência para efeitos de exclusão do dito programa de parcelamento” (STJ, AgInt no REsp 1.566.727⁄RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 20⁄09⁄2016; AgInt no AREsp 1.494.130⁄SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 04⁄10⁄2019), e se ambas as partes concordam que o parcelamento em 25 (vinte e cinco) anos atenderia aos seus interesses e permitiria a sua quitação integral, conclui-se que a solução alvitrada atende às finalidades da Lei 9.964⁄2000 e à jurisprudência desta Corte.XIII. Agravo interno parcialmente provido, tão somente para condicionar a permanência da parte agravada no parcelamento à manutenção das prestações em patamar que permita a quitação dos débitos no prazo máximo de vinte e cinco anos, a contar do presente julgamento.
Leia o acórdão no REsp 1.693.755.