Para a identificação do vício de simulação, devem ser considerados a consciência dos envolvidos na declaração do ato – sabidamente divergente de sua vontade íntima –, a intenção enganosa em relação a terceiros e o conluio entre os participantes do negócio.
A partir desses critérios elencados pelo relator, ministro Moura Ribeiro, e da revaloração jurídica das provas reconhecidas em segunda instância, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão no qual o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) entendeu que não teria sido demonstrada a simulação na venda de um imóvel.
O colegiado, de forma unânime, concluiu que um empresário simulou a venda da casa em que morava com a ex-esposa e o filho para blindar seu patrimônio, que vem sendo investigado e é objeto de ações judiciais.
Ex-esposa acusou tentativa de prejudicar a partilha de bens
De acordo com o processo, durante a ação de divórcio, o empresário informou não possuir patrimônio próprio, pois a casa onde residia com a mulher seria de propriedade de uma empresa que, por sua vez, a teria comprado de uma imobiliária. No entanto, segundo a ex-esposa, as sociedades que participaram da alienação seriam empresas de fachada pertencentes ao grupo empresarial da família do empresário, e o negócio jurídico questionado não teria passado de uma simulação para impedir a regular partilha de bens no divórcio.
A ex-esposa ajuizou ação declaratória de nulidade de negócio jurídico por simulação contra o empresário e uma das empresas. Após a emenda da petição inicial, a empresa foi substituída no polo passivo por dois sócios.
O juízo de primeiro grau julgou a ação procedente, mas o TJDFT, por maioria, deu provimento à apelação do empresário, declarando que os fatos alegados pela autora não ficaram provados. Ao STJ, a mulher pediu a revaloração jurídica dos fatos, para que fosse reconhecida a existência de simulação no negócio jurídico.
Motivação pode ser aferida a partir da conduta atribuída aos envolvidos
Ao apontar que os fatos indicavam a ocorrência de simulação na venda do imóvel, em detrimento dos interesses da recorrente, o ministro Moura Ribeiro considerou necessário fazer uma revaloração jurídica das provas constantes no acórdão do TJDFT.
O magistrado ressaltou que, segundo o processo, não houve nenhuma comprovação de transferência bancária entre as empresas para a aquisição do imóvel, mas, por outro lado, foi constatado que o empresário era o administrador de fato de ambas as sociedades que participaram do negócio.
O relator também observou que ficou anotada a existência de parentesco entre o empresário e os dois sócios presentes na lide. De acordo com Moura Ribeiro, eles tinham relação de subordinação com o empresário, o qual movimentava as contas bancárias das empresas supostamente de titularidade de ambos – os quais, de fato, seriam empregados.
“A motivação para a simulação pode ser aferida das próprias condutas atribuídas tanto ao empresário como a seus demais familiares, no tocante a esquemas de blindagem de patrimônio, que vêm sendo amplamente investigados e objeto de diversas ações judiciais. Assim, ao contrário do que entendeu o TJDFT, deve, sim, ser sopesada na análise a conduta daninha a eles atribuída nestes autos”, concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso especial da ex-esposa.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. APELAÇÃO. NULIDADE DE COMPRA E VENDA IMOBILIÁRIA. SIMULAÇÃO EM DETRIMENTO DA PARTILHA DE BENS DO CASAL (WAGNER NETO E ANA LUIZA). REVALORAÇÃO DA PROVA. CABIMENTO. ACÓRDÃO DIVERGENTE RECONHECENDO A PRÁTICA ILÍCITA. CASA QUE SEMPRE SERVIU DE RESIDÊNCIA DO CASAL. NEGOCIAÇÃO ENTRE EMPRESAS CONSIDERADAS DE “FACHADA” DO MARIDO E SEUS FAMILIARES (GRUPO CANHEDO). EXISTÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO E PARENTESCO ENTRE ESTE E OS SÓCIOS DAS EMPRESAS ENVOLVIDAS NO NEGÓCIO IMOBILIÁRIO. SIMULAÇÃO MANIFESTAMENTE DEMONSTRADA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Recurso interposto contra decisão publicada na vigência do NCPC, razão pela qual devem ser exigidos os requisitos de sua admissibilidade recursal na forma nele prevista, nos termos do Enunciado n.º 3 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016:
Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
2. Pedido de justiça gratuita formulado pela autora, em grau de recurso. Acolhimento. Documentos que comprovam a sua situação de vulnerabilidade econômica.
3. A revaloração da prova ou de dados explicitamente admitidos e delineados no decisório recorrido, quando suficientes para a solução da lide, não implica reexame do conjunto fático-probatório, mas apenas seu correto enquadramento jurídico.
4. Na análise do vício da simulação, devem ser considerados os seguintes elementos: a consciência dos envolvidos na declaração do ato simulado, sabidamente divergente de sua vontade íntima, a intenção enganosa em relação a terceiros, e o conluio entre os participantes do negócio danoso.
5. Circunstâncias que evidenciam seguramente a ocorrência de simulação no negócio jurídico envolvendo a compra e venda do imóvel sito no SHIS QI 07, conjunto 04, casa 10, Lago Sul, Brasília, DF, em detrimento à meação de bens de ANA LUIZA: (1) imóvel que desde a aquisição foi utilizado como residência do casal e do filho; (2) parentesco e subordinação entre NELCIDES e APARECIDA, sócios das empresas PLANALTO RIO PRETO e SANTOS PRADELA, envolvidas na compra do imóvel, objeto dos autos, e WAGNER NETO (marido dela); (3) ausência de comprovação de transferência bancária em dinheiro entre tais empresas para a aquisição do imóvel; (4) comprovação de que WAGNER NETO era o administrador de fato e movimentava as contas bancárias de tais empresas envolvidas no negócio; (5) diversas denúncias, ações judiciais e investigações acerca de envolvimento de WAGNER NETO e outros em esquemas de blindagem de patrimônio; (6) ajuizamento de ação declaratória de impenhorabilidade do imóvel, também objeto dos autos, por parte de WAGNER NETO, sob o fundamento de se tratar de bem de família.
7. O capital precisa ter alma, cheiro bom, perfume e ser humanista com a dignidade que lhe é inerente. A simulação como causa de nulidade (não de anulabilidade), do negócio jurídico e, dessa forma, como regra de ordem pública que é, pode ser declarada até mesmo de ofício pelo juiz da causa (art. 168, parágrafo único, do CC/02).
Nesse sentido, o art. 167 do CC/02 é claro ao prescrever que é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
8. Enunciado n.º 294 da IV Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal pontuou que sendo a simulação uma causa de nulidade do negócio jurídico, pode ser alegada por uma das partes contra a outra.
9. Acórdão reformado para restaurar a sentença de primeiro grau com os acréscimos do voto divergente da lavra do Des. DIAULAS COSTA RIBEIRO.
10. Recurso especial provido.
Leia o acórdão no REsp 1.969.648.