Retratação de testemunha não anula reconhecimento de vínculo de emprego

Segundo a SDI-2, não houve comprovação categórica da falsidade da prova.

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho julgou improcedente a ação rescisória ajuizada pela Transportadora Transgreco Ltda., de Bauru (SP), contra decisão que reconhecera o vínculo de emprego de uma auxiliar de produção. A empresa alegava que uma das testemunhas apresentadas pela empregada teria se retratado e dito que havia sido paga para depor. Todavia, segundo o colegiado, o depoimento não foi determinante para a formação do convencimento do juízo acerca da existência do vínculo.

Filha do sócio

A reclamação trabalhista foi ajuizada em novembro de 2008. Suas alegações foram rebatidas pela transportadora, que garantiu não ter firmado nenhum tipo de relação de emprego. Segundo a empresa, ela era filha de um dos sócios, destituído da administração e afastado da sociedade, “a quem a auxiliar visitava esporadicamente e sem nenhuma subordinação”.

300 reais

O juízo da 4ª Vara do Trabalho de Bauru reconheceu o vínculo e condenou a transportadora ao pagamento das verbas trabalhistas. Sem apresentação de recursos, a decisão se tornou definitiva em novembro de 2013.

Logo depois, a transportadora ajuizou ação rescisória pedindo que a sentença fosse anulada porque uma das testemunhas listadas pela auxiliar havia sido “comprada”. A empresa anexou declaração em que a testemunha se retratava, afirmando que recebera R$ 300 do pai da auxiliar para mentir na audiência.

Falsidade

O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP) julgou procedente a ação rescisória e anulou a sentença, que teria se baseado em depoimento viciado de falsidade. Em relação ao vínculo, a decisão diz que cabia à auxiliar provar a prestação de serviços, mas “a única testemunha que confirmou o fato foi aquela que, depois arrependida, revelou haver mentido”. Para o TRT, a conclusão alcançada teria sido outra, caso o falso testemunho não tivesse sido considerado.

Recurso

No recurso ao TST, a auxiliar argumentou que o vínculo de emprego foi reconhecido com base, também, em provas documentais, como os cheques emitidos pela empresa em seu favor, e por outros testemunhos trazidos no processo, que confirmavam suas alegações.

Prova dividida

Segundo a relatora, ministra Maria Helena Mallmann, a mera retratação da testemunha não é suficiente para provar, de forma cabal, a falsidade do conteúdo do depoimento prestado na instrução do processo. De acordo com o inciso VI do artigo 485 do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, no qual se fundamentou a ação, a demonstração da falsidade de uma prova, com a finalidade de rescisão da coisa julgada, deve ter sido apurada em processo criminal ou provada no próprio processo, o que não ocorreu no caso.

A ministra explicou que foram produzidas provas nos autos, mas que se contradizem, dando lugar ao que se denomina de “prova dividida”. “É impossível afirmar com clareza em que momento a testemunha está faltando com a verdade, se na reclamatória ou na ação rescisória”, afirmou. A prova dividida, por sua vez, não pode favorecer quem alega prejuízo na ação.

Convencimento

Mallmann observou, ainda, que o a participação da testemunha não foi determinante para a formação do convencimento do juízo sobre a existência de vínculo e que o alegado falso testemunho não é o único elemento de prova sob o qual se funda a sentença. Segundo ela, as informações prestadas foram objeto de intensa atividade valorativa dentro do contexto de toda a prova oral colhida na instrução.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. COISA JULGADA FORMADA NA VIGÊNCIA DO CPC/73. DECISÃO RESCINDENDA QUE RECONHECE A EXISTÊNCIA DE VÍNCULO DE EMPREGO. ART. 485, VI, DO CPC/73. FALSIDADE DE PROVA TESTEMUNHAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. CONFRONTO DAS INFORMAÇÕES PRESTADAS PELA TESTEMUNHA NO CONTEXTO DE TODA PROVA ORAL E DOCUMENTAL. Trata-se de recurso ordinário interposto contra acórdão que desconstituiu a sentença com base no fundamento de rescindibilidade contido no art. 485, VI, do CPC/73 (prova falsa). Os autores da rescisória defendem a falsidade de um dos testemunhos colhidos no processo matriz com base na retratação da própria testemunha, a qual alega ter sido paga para depor em favor do então reclamante. Dispõe o inciso VI do artigo 485 do CPC de 1973 que a demonstração da falsidade de uma prova, com a finalidade de rescisão da coisa julgada, deve ter sido apurada em processo criminal ou que seja provada no próprio processo de ação rescisória. A mera retratação da testemunha, contudo, não é suficiente para provar, de forma cabal, a falsidade do conteúdo do depoimento prestado na instrução do processo matriz. Trata-se, na verdade, de dois elementos de prova que se contradizem formando o que se chama de prova dividida, porque é impossível afirmar em que momento a testemunha está faltando com a verdade, se na reclamatória ou na ação rescisória. A prova dividida, por sua vez, não milita em favor daquele sobre o qual recai o ônus probatório, que nesse caso são os autores da ação rescisória. Precedentes. Assim, conclui-se não haver comprovação categórica da falsidade da prova, o que impede a desconstituição da coisa julgada baseada no fundamento contido no art. 485, VI, do CPC/73. Destaque-se que o alegado falso testemunho não é o único elemento de prova sob o qual se funda a sentença. Na verdade, as informações prestadas pela testemunha foram objeto de intensa atividade valorativa dentro do contexto de toda a prova oral colhida na instrução, e ainda, frente à prova documental (cheques emitidos pela empresa em favor da então reclamante, que comprovaria o caráter oneroso do trabalho). Com efeito, a disposição do art. 485, VI, do CPC/73 não assegura a irrestrita revaloração de todo o conjunto probatório, principalmente na hipótese em que a alegada falsidade recai sob prova não conclusiva, porque considerada em conjunto com outras evidências colhidas na instrução do processo matriz. Logo, sob qualquer óptica não resta caracterizada a hipótese de rescindibilidade, de modo que a ação rescisória não alcança procedência com suporte no art. 485, VI, do CPC de 1973. Recurso ordinário a que se dá provimento para julgar improcedente a ação rescisória.

A decisão foi unânime.

Processo: RO-5752-23.2014.5.15.0000

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