Restituição da quantia paga por produto com defeito deve compreender o valor atualizado da compra

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o direito do consumidor à restituição da quantia paga por produto com vício de qualidade (artigo 18, parágrafo 1º, II, do Código de Defesa do Consumidor – CDC) compreende o valor do momento da compra, devidamente atualizado, sem nenhum abatimento a título de desvalorização pelo tempo de uso.

“O abatimento da quantia correspondente à desvalorização do bem, haja vista a sua utilização pelo adquirente, não encontra respaldo na legislação consumerista”, afirmou a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi.

No caso analisado pelo colegiado, uma consumidora adquiriu um carro zero quilômetro em maio de 2015. Já nos primeiros meses, o veículo apresentou problemas que, mesmo após três retornos à concessionária e sete revisões, entre 2015 e 2017, não foram resolvidos, o que levou a cliente a exigir judicialmente o conserto definitivo ou a devolução integral do valor pago.

A fabricante do veículo alegou que a restituição integral do valor, após todo o tempo de uso, caracterizaria enriquecimento ilícito da consumidora.

CDC não prevê exceção caso o consumidor permaneça na posse do bem com defeito

Em seu voto, Nancy Andrighi destacou que o CDC, ao dar ao consumidor a opção de pedir a restituição do valor pago por produtos com vício de qualidade, não prevê nenhuma exceção para a hipótese em que ele permanece na posse do bem.

“A opção pela restituição da quantia paga nada mais é do que o exercício do direito de resolver o contrato em razão do inadimplemento”, disse a magistrada.

A relatora lembrou que um dos efeitos da resolução do contrato é o retorno das partes ao estado anterior, o que efetivamente se verifica com a devolução, pelo fornecedor, do valor pago pelo consumidor no momento da aquisição do produto viciado.

“Autorizar apenas a devolução do valor atual de mercado do bem, e não do montante efetivamente despendido pelo consumidor quando da sua aquisição, significaria transferir para o comprador os ônus, desgastes e inconvenientes da aquisição de um produto defeituoso”, concluiu.

Consumidor não pode suportar prejuízo pela ineficiência no conserto do produto

No caso julgado, a ministra salientou que, conforme se extrai dos autos, a consumidora só permaneceu com o produto porque ele não foi reparado de forma definitiva nem substituído.

“Não se pode admitir que o consumidor, que foi obrigado a conviver, durante considerável lapso temporal, com um produto viciado – na hipótese, um veículo zero quilômetro –, e que, portanto, ficou privado de usufruir dele plenamente, suporte o ônus da ineficiência dos meios empregados para a correção do problema”, declarou a relatora.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C⁄C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO CONFIGURAÇÃO. VEÍCULO ZERO QUILÔMETRO. VÍCIO DE QUALIDADE. RESTITUIÇÃO DO VALOR ATUAL DE MERCADO DO VEÍCULO. NÃO CABIMENTO.
1. Ação de obrigação de fazer c⁄c pedido de indenização por danos materiais e morais ajuizada em 08⁄05⁄2017, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 18⁄10⁄2021 e concluso ao gabinete em 13⁄05⁄2022.
2. O propósito recursal consiste em definir se a) está configurada a negativa de prestação jurisdicional, b) o julgamento é extra petita e c) reconhecido o vício do veículo, mas tendo o consumidor dele usufruído por certo período, o fornecedor deve restituir a integralidade da quantia paga ou o valor atual de mercado.
3. É de ser afastada a existência de omissão no acórdão recorrido, pois a matéria impugnada foi enfrentada de forma objetiva e fundamentada no julgamento do recurso, naquilo que o Tribunal a quo entendeu pertinente à solução da controvérsia.
4. Não há que se falar em julgamento extra petita quando o provimento jurisdicional é decorrência lógica do pedido, compreendido como corolário da interpretação lógico-sistemática das alegações constantes da petição inicial. Precedentes. Na espécie, embora a recorrida não tenha formulado, entre os pedidos finais, requerimento de condenação das fornecedoras à restituição da quantia paga para aquisição do veículo, esse pedido é facilmente extraído dos argumentos suscitados ao longo da petição inicial, razão pela qual o juiz decidiu a causa dentro dos contornos da lide.
5. Salvo nas hipóteses específicas elencadas no § 3º do art. 18 do CDC, somente após o transcurso do prazo de 30 (trinta) dias sem que haja a efetiva correção do vício é que exsurge para o consumidor o direito potestativo de exigir, segundo a sua conveniência, alguma das seguintes providências: (i) a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; (ii) a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; ou (iii) o abatimento proporcional do preço.
6. A opção pela restituição da quantia paga nada mais é do que o exercício do direito de resolver o contrato em razão do inadimplemento, sendo que um dos efeitos da resolução da avença consiste no retorno dos contraentes ao status quo ante. Para que o regresso ao estado anterior efetivamente se verifique, o fornecedor deve restituir ao consumidor o valor despendido por este no momento da aquisição do produto viciado. O abatimento da quantia correspondente à desvalorização do bem, haja vista a sua utilização pelo adquirente, não encontra respaldo na legislação consumerista, a qual consagra o direito do consumidor de optar pela “restituição imediata da quantia paga”. Ademais, não se pode admitir que o consumidor, que foi obrigado a conviver, durante considerável lapso temporal, com um produto viciado – na hipótese, um veículo zero quilômetro –, e que, portanto, ficou privado de usufruir dele plenamente, suporte o ônus da ineficiência dos meios empregados para a correção do problema.
7. Recurso especial conhecido e não provido.

Leia o acórdão no REsp 2.000.701.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2000701

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