A concessão de reforma (passagem à inatividade) ao militar temporário acometido de moléstia incapacitante apenas para o serviço militar depende da comprovação de nexo de causalidade entre a doença e o serviço castrense. A tese foi estabelecida, por maioria de votos, pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento de embargos de divergência.
“Nos casos em que não há nexo de causalidade entre a moléstia sofrida e a prestação do serviço militar, e o militar temporário não estável é considerado incapaz somente para as atividades próprias do Exército, é cabível a desincorporação, nos termos do artigo 94 da Lei 6.880/80 combinado com o artigo 31 da Lei do Serviço Militar e o artigo 140 do seu regulamento, o Decreto 57.654/66”, apontou o ministro Mauro Campbell Marques no voto que foi seguido pela maioria do colegiado.
Na decisão submetida à análise da Corte Especial, a Quinta Turma concluiu que o militar temporário incapacitado apenas para o serviço militar tem direito à reforma independentemente da demonstração do nexo de causalidade entre a doença e a atividade.
Para a União, todavia, a conclusão divergiu do entendimento da Segunda Turma, que firmou tese no sentido da necessidade, nesses casos, da comprovação do nexo de causalidade entre a doença ou o acidente e o serviço militar.
Requisitos
Mauro Campbell Marques esclareceu que o militar temporário é aquele que permanece na ativa por prazo determinado e enquanto for da conveniência da administração, destinando-se a complementar os quadros de oficiais e de praças, conforme previsto pela Lei 6.391/76.
Segundo o ministro, tratando-se de militar temporário, o término do tempo de serviço implica o licenciamento quando não houver conveniência na permanência do servidor nos quadros das Forças Armadas. Entretanto, explicou, não é cabível o término do vínculo por iniciativa da administração quando o servidor se encontrar incapacitado para o exercício das atividades relacionadas ao serviço militar, impondo-se sua manutenção nos quadros até a recuperação ou, não sendo possível, a sua eventual reforma.
No caso de militar temporário que conte com mais de dez anos de efetivo serviço e preencha os demais requisitos autorizadores, Mauro Campbell Marques destacou que, conforme a jurisprudência do STJ, o servidor adquirirá estabilidade no serviço militar. Entretanto, antes de alcançada a estabilidade, o militar não estável poderá ser licenciado ex officio, sem direito a remuneração posterior.
Atividades civis
Em análise da Lei 6.880/80, o ministro ressaltou que a incapacidade definitiva para o serviço militar poderá ocorrer, entre outras causas, por “doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço”. Para os casos em que a enfermidade não tiver relação com o serviço, a lei faz distinção entre o militar com estabilidade assegurada e o militar temporário.
“Os militares com estabilidade assegurada terão direito à reforma ainda que o resultado do acidente ou moléstia seja meramente incapacitante. Já os militares temporários e sem estabilidade, apenas se forem considerados inválidos tanto para o serviço do Exército como para as demais atividades laborativas civis”, afirmou o ministro.
Nesse contexto, ele ressalvou que a reforma do militar temporário não estável é devida nos casos de incapacidade adquirida em função dos motivos relacionados nos incisos I a V do artigo 108 da Lei 6.880/80 (a exemplo de ferimento recebido em campanha ou acidente em serviço), em hipóteses incapacitantes apenas para o serviço militar e independentemente da comprovação do nexo de causalidade com o serviço militar.
Da mesma forma, apontou, a reforma é devida quando a incapacidade decorre de acidente ou doença sem relação de causa e efeito com o serviço militar, de forma total e permanente, de modo que o servidor fique impossibilitado de exercer qualquer trabalho, civil ou militar.
Sobre o caso em julgamento, o ministro – adotando a linha de entendimento da Segunda Turma – afirmou que “trata-se de militar temporário não estável, e a moléstia que o acomete é incapacitante apenas para o serviço militar, existindo a possibilidade do exercício de atividades na vida civil, de modo que o reconhecimento do direito à reforma ex officio exigiria a comprovação do nexo de causalidade entre a doença e o serviço militar, o que não restou evidenciado na espécie, conforme bem pontuou o acórdão regional”.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. MILITAR TEMPORÁRIO E SEM ESTABILIDADE ASSEGURADA. INCAPACIDADE APENAS PARA AS ATIVIDADES MILITARES E SEM RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO COM O SERVIÇO MILITAR. AUSÊNCIA DE INVALIDEZ. INEXISTÊNCIA DE DIREITO À REFORMA EX OFFICIO. CABIMENTO DA DESINCORPORAÇÃO. PRECEDENTES. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS.1. Cinge-se a controvérsia em debate acerca da necessidade ou não do militar temporário acometido de moléstia incapacitante apenas o serviço militar de comprovar a existência do nexo de causalidade entre a moléstia⁄doença e o serviço castrense a fim de fazer jus à reforma ex officio.2. O militar temporário é aquele que permanece na ativa por prazo determinado e enquanto for da conveniência do Administrador, destinando-se a completar as Armas e Quadros de Oficiais e as diversas Qualificações Militares de Praças, nos moldes do art. 3º, II, da Lei 6.391⁄1976, de sorte que, o término do tempo de serviço implica no seu licenciamento quando, a critério da Administração, não houver conveniência na permanência daquele servidor nos quadros das Forças Armadas (ex vi do art. 121, II e § 3º, da Lei 6.880⁄1980), a evidenciar um ato discricionário da Administração Militar, que, contudo, encontra-se adstrito a determinados limites, entre eles a existência de higidez física do militar a ser desligado, não sendo cabível o término do vínculo, por iniciativa da Administração, quando o militar se encontrar incapacitado para o exercício das atividades relacionadas ao serviço militar, hipótese em que deve ser mantido nas fileiras castrenses até sua recuperação ou, não sendo possível, eventual reforma.3. No caso do militar temporário contar com mais de 10 (dez) anos de efetivo serviço e preencher os demais requisitos legais autorizadores, ele adquirirá a estabilidade no serviço militar (art. 50, IV, “a”, da Lei 6.880⁄1980), não podendo ser livremente licenciado ex offício. No entanto, antes de alcançada a estabilidade, o militar não estável poderá ser licenciado ex officio, sem direito a qualquer remuneração posterior.4. A reforma e o licenciamento são duas formas de exclusão do serviço ativo das Forças Armadas que constam do art. 94 da Lei 6.880⁄1980, podendo ambos ocorrer a pedido ou ex officio (arts. 104 e 121 da Lei 6.880⁄1980). O licenciamento ex officio é ato que se inclui no âmbito do poder discricionário da Administração Militar e pode ocorrer por conclusão de tempo de serviço, por conveniência do serviço ou a bem da disciplina, nos termos do art. 121, § 3º, da Lei 6.880⁄1980. A reforma, por sua vez, será concedida ex officio se o militar alcançar a idade prevista em lei ou se enquadrar em uma daquelas hipóteses consignadas no art. 106 da Lei 6.880⁄1980, entre as quais, for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas (inciso II), entre as seguintes causas possíveis previstas nos incisos do art. 108 da Lei 6.880⁄1980 (“I – ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública; II – enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações; III – acidente em serviço; IV – doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, COM RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO A CONDIÇÕES INERENTES AO SERVIÇO; V – tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada; e VI – acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, SEM RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO COM O SERVIÇO”).5. Desse modo, a incapacidade definitiva para o serviço militar pode sobrevir, entre outras causas, de doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço, conforme inciso IV do art. 108 da Lei 6.880⁄1980. Outrossim, quando o acidente ou doença, moléstia ou enfermidade não tiver relação de causa e efeito com o serviço (art. 108, IV, da Lei 6.880⁄1980), a Lei faz distinção entre o militar com estabilidade assegurada e o militar temporário, sem estabilidade.6. Portanto, os militares com estabilidade assegurada terão direito à reforma ex officio ainda que o resultado do acidente ou moléstia seja meramente incapacitante. Já os militares temporários e sem estabilidade, apenas se forem considerados INVÁLIDOS tanto para o serviço do Exército como para as demais atividades laborativas civis.7. Assim, a legislação de regência faz distinção entre incapacidade definitiva para o serviço ativo do Exército (conceito que não abrange incapacidade para todas as demais atividades laborais civis) e invalidez (conceito que abrange a incapacidade para o serviço ativo do Exército e para todas as demais atividades laborais civis). É o que se extrai da interpretação conjunta dos arts. 108, VI, 109, 110 e 111, I e II, da Lei 6.880⁄1980.8. A reforma do militar temporário não estável é devida nos casos de incapacidade adquirida em função dos motivos constantes dos incisos I a V do art. 108 da Lei 6.880⁄1980, que o incapacite apenas para o serviço militar e independentemente da comprovação do nexo de causalidade com o serviço militar, bem como quando a incapacidade decorre de acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço militar, que impossibilite o militar, total e permanentemente, de exercer qualquer trabalho (invalidez total).9. Precedentes: AgRg no AREsp 833.930⁄PE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01⁄03⁄2016, DJe 08⁄03⁄2016; AgRg no REsp 1331404⁄RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01⁄09⁄2015, DJe 14⁄09⁄2015; AgRg no REsp 1.384.817⁄RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07⁄10⁄2014, DJe 14⁄10⁄2014; AgRg no AREsp 608.427⁄RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20⁄11⁄2014, DJe 25⁄11⁄2014; AgRg no Ag 1300497⁄RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24⁄08⁄2010, DJe 14⁄09⁄2010.10. Haverá nexo de causalidade nos casos de ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública (inc. I do art. 108, da Lei 6.880⁄1980); b) enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações (inciso II do art. 108, da Lei 6.880⁄1980 ); c) acidente em serviço (inciso III do art. 108, da Lei 6.880⁄1980 ), e; d) doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço (inciso IV, do art. 108, da Lei 6.880⁄1980).11. Portanto, nos casos em que não há nexo de causalidade entre a moléstia sofrida e a prestação do serviço militar e o militar temporário não estável é considerado incapaz somente para as atividades próprias do Exército, é cabível a desincorporação, nos termos do art. 94 da Lei 6.880⁄1980 c⁄c o art. 31 da Lei de Serviço Militar e o art. 140 do seu Regulamento – Decreto n.º 57.654⁄1966.12. Embargos de Divergência providos.