Realização de audiência por vídeo durante a pandemia não configura cerceamento de defesa

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, no âmbito de processos penais e de execução penal, a realização de sessões de julgamento, audiências e perícias por sistema audiovisual durante a pandemia de Covid-19 não configura cerceamento de defesa. Para o colegiado, o contexto atual de crise sanitária autoriza a adoção da medida excepcional.

A decisão veio no julgamento de habeas corpus impetrado em favor de réu acusado de roubo e que cumpre prisão preventiva desde dezembro de 2019. A defesa alegou constrangimento ilegal em razão da designação de audiência de instrução e julgamento por videoconferência.

Com o início da pandemia, o juízo de primeiro grau designou audiência por vídeo, mas a defesa, alegando razões técnicas, manifestou-se pela realização de audiência presencial, o que foi indeferido. Ao negar o pleito, o juiz afirmou que a audiência por videoconferência tem previsão no ordenamento jurídico e, por isso, não configuraria prejuízo ao réu.

Isolamento social

Em habeas corpus no segundo grau, foi concedida liminar para suspender a audiência virtual marcada, porém, no julgamento de mérito, a ordem foi denegada.

No STJ, a defesa sustentou que o procedimento de videoconferência não garante a paridade de armas nem o contato do acusado com seu advogado durante o depoimento das testemunhas de acusação. Asseverou ainda que a audiência presencial propicia maior efetividade da defesa em seu esforço para garantir o contraditório e coibir a contaminação da produção de provas na origem.

O ministro relator do habeas corpus, Sebastião Reis Júnior – que havia concedido liminar para suspender a nova audiência designada na segunda instância –, destacou que, embora a regra geral seja a realização de audiências presenciais, com o réu sendo interrogado pessoalmente pelo juiz, o contexto de pandemia e a exigência de isolamento social justificam a prática desses atos por videoconferência.

“É preciso viabilizar a continuidade da prestação jurisdicional e, ao mesmo tempo, garantir a preservação da saúde de magistrados, agentes públicos, advogados, além de usuários do sistema de Justiça em geral”, afirmou.

Máxima equivalência

Para o ministro, não há cerceamento de defesa se a audiência ocorre em tempo real, permitindo a interação entre o magistrado, as partes e os demais participantes. O juiz – acrescentou – precisa observar os parâmetros fixados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na Resolução 329/2020.

“A conjuntura atual é excepcionalíssima e não há perspectiva de alteração do quadro, tanto que o CNJ até deixou à disposição dos magistrados brasileiros uma plataforma emergencial para realização de atos processuais por meio de videoconferência”, afirmou Sebastião Reis Júnior.

O relator lembrou que, ao editar a resolução, o então presidente do CNJ, ministro Dias Toffoli, mencionou que as audiências virtuais devem buscar a máxima equivalência com os atos realizados presencialmente, respeitando a garantia da ampla defesa e o contraditório, a igualdade na relação processual, a efetiva participação do réu na integralidade do procedimento e a segurança da informação e da conexão.

O recurso ficou assim ementado:

HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO POR VIDEOCONFERÊNCIA. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. EXCEPCIONALIDADE DA SITUAÇÃO. CALAMIDADE PÚBLICA. PANDEMIA DE COVID-19. RESOLUÇÃO N. 329⁄2020 DO CNJ. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA.
1. A conjuntura atual de crise sanitária mundial é excepcionalíssima e autoriza, no âmbito de processos penais e de execução penal, a realização de atos (por exemplo, sessões de julgamento, audiências e perícias) por sistema áudio visual sem que isso configure cerceamento de defesa.
2. O Conselho Nacional de Justiça e os órgãos judiciais nas diversas unidades da Federação e comarcas do País colocaram em ação inúmeras boas práticas no segmento tecnológico, que têm assegurado a milhões de brasileiros o acesso aos serviços prestados pelo Judiciário, entre as quais, uma plataforma emergencial para realização de atos processuais por meio de videoconferência.
3. Para evitar que haja máculas aos princípios constitucionais relacionados à garantia de ampla defesa, Magistrados e Tribunais devem observar os parâmetros dados pelo Conselho Nacional de Justiça na Resolução n. 329, de 30⁄7⁄2020.
4. No caso, embora a regra geral – que deve sempre prevalecer – seja de que as audiências devem ser presenciais e o réu deve ser interrogado pessoalmente pelo Juiz, o contexto atual justifica a realização desses atos por videoconferência. A audiência de instrução e julgamento virtual deve ocorrer em tempo real, permitindo a interação entre o magistrado, as partes e os demais participantes, bem como devem ser adotadas todas as providências para buscar a máxima equivalência com o ato realizado presencialmente, respeitando a garantia da ampla defesa e o contraditório, a igualdade na relação processual, a efetiva participação do réu na integralidade da audiência e a segurança da informação e da conexão.
5. Ordem denegada. Liminar sem efeito. Recomendação ao Juízo expedida, em atenção ao parecer do Ministério Público Federal, para que, na impossibilidade de retomada das audiências presenciais pela situação epidemiológica da comarca, redesigne audiência por videoconferência, com observância das medidas previstas na Resolução n. 329⁄2020, do CNJ (fl. 413).

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 590140

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar