Quinta Turma anula audiências de instrução realizadas sem gravação audiovisual

Por unanimidade de votos, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou audiências de instrução que não foram registradas por meios de gravação audiovisual. Para o colegiado, a utilização do sistema de gravação não é uma opção do magistrado, mas uma obrigação legal.

De acordo com o processo, o juiz de primeiro grau, mesmo tendo acesso ao sistema audiovisual, preferiu não utilizá-lo, alegando que a gravação é uma disponibilidade posta ao alcance do magistrado que preside a audiência, não uma obrigação, cabendo apenas a ele decidir como deve conduzir os trabalhos.

Para a defesa, no entanto, houve flagrante violação ao artigo 405, parágrafo 1º, do Código de Processo Penal (incluído pela Lei 11.719/08). O dispositivo estabelece que, “sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações”.

Sempre que possível

No STJ, o relator, ministro Ribeiro Dantas, acolheu o argumento da defesa. Segundo ele, a expressão “sempre que possível” do dispositivo significa que o registro de depoimento por meio do método tradicional, sem gravação audiovisual, só pode ser admitido nas hipóteses em que o recurso não esteja disponível.

“A partir da entrada em vigor da Lei 11.719/08, a melhor exegese da disposição legal que regula a matéria não comporta outra interpretação, senão a de que o juiz que disponha de meio ou recurso para gravação deverá, obrigatoriamente, utilizá-lo para o registro dos depoimentos de investigado, indiciado, ofendido, testemunha e, inclusive, de réu”, disse o ministro.

Ribeiro Dantas ressalvou que, “excepcionalmente, ante impedimento fático, poderá o magistrado proceder à colheita dos depoimentos por meio da sistemática tradicional, desde que motivadamente justifique a impossibilidade, sem que isso inquina de ilegalidade o ato”.

No caso apreciado, como o juiz, embora tivesse à sua disposição o sistema de gravação, deixou de usá-lo, foi reconhecida a ilegalidade da colheita dos depoimentos no âmbito da instrução processual penal.

A decisão da Quinta Turma anulou as audiências de instrução realizadas sem a gravação audiovisual, assim como os demais atos subsequentes.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ROUBO MAJORADO. INSTRUÇÃO PROCESSUAL. COLHEITA DE DEPOIMENTOS. SISTEMA DE REGISTRO AUDIOVISUAL. DISPONIBILIDADE. UTILIZAÇÃO. OBRIGATORIEDADE. ART. 405, § 1º, DO CPP. NULIDADE. OCORRÊNCIA. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. O legislador federal, por meio da Lei n. 11.719⁄2008, promoveu, entre outras, alteração no Código de Processo Penal consistente na inserção do atual § 1º do artigo 405, o qual determina que os depoimentos de investigados, indiciados, ofendidos e testemunhas serão registrados, “sempre que possível”, por “meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual”.
3. Não há motivo para que o registro de interrogatório do réu deixe de observar a mesma sistemática exigida para a colheita dos depoimentos de investigado, indiciado, ofendido e testemunha, apesar da omissão do legislador.
4. Verifica-se, a partir da leitura da parte final do aludido § 1º do art. 405, que as alterações promovidas pela Lei n. 11.719⁄2008 objetivaram a implementação não só dos princípios da razoável duração do processo e da celeridade processual (art. 5º, LXXVIII, da CF), mas, também, do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LX, da CF), na medida em que a utilização de meios ou recursos de gravação audiovisual, para o registro de depoimentos, é “destinada a obter maior fidelidade das informações”.
5. A expressão legal “sempre que possível” apenas ressalta a manutenção do registro de depoimento por meio do método tradicional, sem gravação audiovisual, na hipótese em que não exista, faticamente, sistema disponível para tanto.
6. A partir da entrada em vigor da Lei n. 11.719⁄2008, a melhor exegese da disposição legal que regula a matéria não comporta outra interpretação, senão a de que o juiz que disponha de meio ou recurso para gravação deverá, obrigatoriamente, utilizá-lo para o registro dos depoimentos de investigado, indiciado, ofendido, testemunha e, inclusive, de réu. Excepcionalmente, ante impedimento fático, poderá o magistrado proceder à colheita dos depoimentos por meio da sistemática tradicional, desde que motivadamente justifique a impossibilidade, sem que isso inquina de ilegalidade o ato.
7. No caso em exame, o Juízo de primeiro grau, conquanto tivesse à sua disposição sistema para gravação audiovisual de depoimentos, deixou de utilizá-lo para a colheita dos depoimentos no âmbito da instrução processual penal, o que configura ilegalidade.
8. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para anular as audiências de instrução realizadas, sem a utilização de meios ou recursos de gravação audiovisual, assim como os demais atos subsequentes ocorridos no âmbito da Ação Penal n. 0030229-37.2016.8.19.0014. Ordem de imediato relaxamento da prisão imposta ao paciente, salvo, evidentemente, se por outro motivo estiver preso, autorizando a fixação de outras medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, a critério do Juiz de primeiro grau. Ressalva quanto à possibilidade de nova decretação da custódia cautelar, desde que apresentados motivos concretos para tanto.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 428511

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