Por considerar que eventual lucro decorrente da comercialização de empreendimento imobiliário configura mera expectativa de direito, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a condenação dos proprietários de um imóvel a indenizar, por lucros cessantes, a empresa que eles haviam contratado para lotear o terreno e vender as frações.
A empreendedora alegou que não cumpriu o contrato porque, após iniciar os trabalhos, constatou que o terreno era menor do que o indicado pelos proprietários, de modo que o loteamento teria menos unidades do que o projetado. Por essa razão, ajuizou ação indenizatória contra os contratantes, pleiteando o valor correspondente a 50% dos lotes – que receberia pela implantação do loteamento.
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) anulou a sentença que negou o pedido indenizatório, considerando que ela analisou matéria diversa da contida no pedido inicial (extra petita). Na sequência, analisando o mérito da ação, condenou os proprietários a indenizarem a empreendedora no valor pleiteado. Para a corte estadual, apesar de ter iniciado a implantação do projeto, a empreendedora foi impossibilitada de prosseguir em decorrência da inércia dos proprietários em providenciar a adequação do imóvel.
Aplicação da teoria da causa madura
Em recurso ao STJ, os proprietários alegaram que seria inaplicável ao caso a teoria da causa madura – que permite a um tribunal julgar o processo que não tenha sido devidamente solucionado na instância anterior –, porque a sentença foi anulada em decorrência de erro do juiz. Também sustentaram que os autos deveriam ser devolvidos para novo julgamento em primeiro grau, o que permitiria a contestação de eventual condenação por meio da apelação.
O relator, ministro Raul Araújo, observou que o STJ admite a aplicação da teoria da causa madura mesmo em situações nas quais a sentença é anulada por erro de procedimento (AgInt no REsp 1.392.183), de modo que não se configurou o alegado cerceamento de defesa.
O magistrado lembrou que, sendo a questão de fato e de direito, e concluindo a corte de segundo grau pela suficiência da instrução probatória, ela pode prosseguir no julgamento do mérito da demanda – como no caso dos autos.
Indenização excessiva por valores que não podem ser calculados
Raul Araújo registrou que, para modificar os entendimentos do TJPR relativos à comprovação do descumprimento do contrato pelos donos do terreno e à comprovação dos prejuízos efetivos e lucros cessantes, seria necessário reexaminar as provas dos autos, o que é inviável mediante recurso especial, de acordo com a Súmula 7 do STJ.
Contudo, apontou o ministro, a fixação dos valores devidos a título de lucros cessantes foi excessiva, porque não há como garantir que a empresa, mesmo se finalizasse o empreendimento, teria sucesso em sua comercialização, assim como não é possível prever em que situação estaria o mercado imobiliário no momento da venda – o que não permite estabelecer com exatidão os valores que poderiam ser auferidos com o negócio.
Diante dessas peculiaridades, o relator deu parcial provimento ao recurso para afastar a condenação por lucros cessantes, os quais somente seriam auferidos na hipótese de conclusão do empreendimento.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. TEORIA DA CAUSA MADURA. FALECIMENTO DO PATRONO DA PARTE APÓS INÍCIO DA SESSÃO DE JULGAMENTO. SUSPENSÃO DO PROCESSO APÓS A PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PELOS PREJUÍZOS SOFRIDOS EM DECORRÊNCIA DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL. LEGITIMIDADE PASSIVA CONFIGURADA. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. ALTERAÇÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. LUCROS CESSANTES. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO. AGRAVO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que, ainda que tenha sido anulada a sentença meritória por error in procedendo, concluindo a Corte de origem pela suficiência da instrução probatória, pode prosseguir no julgamento do mérito da demanda.2. “A suspensão do processo pela morte de uma das partes, comunicada posteriormente à sessão de julgamento do recurso especial, ocorre a partir da publicação do acórdão por esta Corte (art. 265, I e § 1º, letra “b”, do CPC). Eventual inobservância da regra do artigo 265, I, do CPC, ao determinar a suspensão do processo a partir da morte da parte, enseja apenas nulidade relativa, sendo válidos os atos praticados, desde que não haja prejuízo aos interessados” (EDcl no REsp 1.204.647⁄PR, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 27⁄08⁄2013, DJe de 30⁄08⁄2013).3. Reconhecida pela Corte de origem a legitimidade dos recorrentes para responder pelos prejuízos decorrentes da inexecução do contrato não só por serem coproprietários do imóvel em questão, mas também por terem outorgado mandato com totais e amplos poderes para representá-los na venda ou negociação total da parte que lhes pertence no imóvel, a modificação de tal entendimento encontra óbice nas Súmulas 5 e 7⁄STJ.4. A Corte de origem, analisando o acervo fático-probatório dos autos, concluiu ser irrelevante a discussão sobre a ausência de notificação, tendo em vista o não cumprimento de obrigação prévia pelos recorrentes, relativa à regularização da metragem da área do empreendimento. Incidência, no tópico, das Súmulas 5 e 7 deste Pretório.5. Não havendo como garantir que, se finalizado, o empreendimento planejado pelo recorrido teria sucesso em sua comercialização, tampouco prever a situação do mercado imobiliário no momento da venda, eventual lucro decorrente da comercialização final do empreendimento configura mera expectativa de direito, insuficiente para estabelecer o dever de indenizar lucros cessantes.6. Agravo interno provido para reconsiderar, em parte, a decisão agravada e, em novo exame, dar parcial provimento ao recurso especial.
Leia o acórdão no REsp 1.560.183.