Qualificadora de deformidade permanente no crime de lesão corporal não abrange dano psicológico

Prevista no artigo 129, parágrafo 2º, inciso IV, do Código Penal, a qualificadora de deformidade permanente no crime de lesão corporal exige que o delito tenha causado danos estéticos à vítima – não abrangendo, portanto, eventuais danos psicológicos.

O entendimento foi estabelecido pela Sexta Turma do Tribunal de Justiça (STJ) ao conceder habeas corpus

Ação, prevista constitucionalmente, cabível sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

para reduzir a pena imposta pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) a um réu condenado sob a acusação de lesão corporal com resultado de deformidade permanente.

De acordo com o processo, o réu era aluno de uma universidade, mas estava suspenso por problema disciplinar. Um dia, ele procurou o coordenador do curso e o agrediu na portaria da instituição. Por causa da agressão, o coordenador sofreu quadro de estresse pós-traumático e alteração permanente de personalidade.

Possibilidade de concessão do habeas corpus de ofício

Em primeiro grau, o réu foi condenado a cinco anos de reclusão

Tipo de pena ou atitude privativa de liberdade.

. O TJSP manteve a qualificadora da deformidade, mas reduziu a pena para quatro anos, em regime inicial semiaberto.

A ministra Laurita Vaz, relatora do caso no STJ, afirmou que a condenação transitou em julgado e, nesse contexto, o habeas corpus não poderia ser conhecido, pois significaria aceitá-lo como substitutivo de revisão criminal

é um instrumento de uso exclusivo da defesa, para o benefício do réu, e nunca para agravar ou piorar a sua situação (artigo 623 do CPP).

. Entretanto, por entender que a tese da defesa tinha parcial fundamento, a magistrada decidiu pela concessão do habeas corpus de ofício.

Deformidade permanente está relacionada a danos estéticos

Com base em posições da doutrina, a relatora observou que a lesão corporal pode ter relação com dano físico ou à saúde mental da vítima.

Entretanto, especificamente sobre a qualificadora prevista no artigo 129, parágrafo 2º, inciso IV, do Código Penal (deformidade permanente), Laurita Vaz apontou que ela está relacionada à estética, devendo ser verificada com base em critérios objetivos e subjetivos.

A ministra também comentou que ambas as turmas de direito penal do STJ firmaram o entendimento de que a deformidade permanente deve representar lesão estética de certa expressão, capaz de causar desconforto a quem a vê ou ao seu portador – abrangendo, necessariamente, danos de natureza física.

Dano psicológico poderia justificar outra qualificadora

No caso dos autos, a magistrada concluiu que, como pedido pela defesa, a qualificadora deve ser afastada, tendo em vista que a vítima sofreu transtorno de estresse pós-traumático que lhe causou alteração permanente da personalidade.

“A lesão causadora de danos psicológicos pode, a depender do caso concreto, ensejar o reconhecimento de outra qualificadora ou ser considerada como circunstância judicial desfavorável (como ocorreu no caso em exame). Na hipótese, contudo, o enquadramento em qualificadora diversa é vedado, em razão da natureza jurídica do habeas corpus e da impossibilidade da reformatio in pejus

Reforma em prejuízo. Ocorre quando resultado de um recurso coloca a parte em situação pior do que se não tivesse recorrido.”, concluiu a ministra.

Ao retirar a qualificadora do crime de lesão corporal e reconhecer a atenuante da confissão espontânea, ela redimensionou a pena para cinco meses de detenção, mantendo o regime inicial semiaberto devido à existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis.

O recurso ficou assim ementado:

HABEAS CORPUS. INSURGÊNCIA CONTRA CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. WRIT SUBSTITUTIVO DE AÇÃO REVISIONAL. DESCABIMENTO. ART. 105, INCISO I, ALÍNEA E, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. CONCESSÃO DE OFÍCIO, TODAVIA, QUE SE IMPÕE. PENAL. LESÃO CORPORAL. ART, 129, § 2º, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL. DOSIMETRIA. QUALIFICADORA. DEFORMIDADE PERMANENTE. RESTRIÇÃO ÀS LESÕES FÍSICAS. DANO ESTÉTICO. PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA. CONDUTA SOCIAL, MOTIVOS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. SEGUNDA ETAPA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA PARCIAL E QUALIFICADA. CABÍVEL O RECONHECIMENTO DA ATENUANTE. PEDIDO NÃO CONHECIDO. ORDEM DE HABEAS CORPUS, TODAVIA, CONCEDIDA EX OFFICIO.
1. É incongnoscível o writ manejado como substitutivo de revisão criminal, em hipótese na qual não houve inauguração da competência desta Corte. Nos termos do art. 105, inciso I, alínea e, da Constituição da República, compete ao Superior Tribunal de Justiça decidir, originariamente, “as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados”. A hipótese, todavia, comporta concessão de habeas corpus de ofício.
2. Pratica o tipo penal fundamental da lesão corporal aquele que ofende a integridade corporal ou a saúde física ou mental de outrem. Contudo, conforme entendimento firmado por ambas as turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça, a qualificadora prevista no art. 129, § 2º, inciso IV, do Código Penal  (deformidade permanente), deve representar lesão estética de certa monta, capaz de causar desconforto a quem a vê ou ao seu portador, abrangendo, portanto, somente as condutas que resultam em lesão física.
3. No caso, a vítima, após o evento danoso, fora acometida de transtorno de estresse pós-traumático e alteração permanente da personalidade, circunstância que não se enquadra no inciso IV do § 2.º do art. 129 do Código Penal.
4. A pena-base foi adequadamente majorada. A agressão ao professor⁄coordenador da universidade e a anterior suspensão do Agente do curso de engenharia devido à transgressão disciplinar é motivação idônea para exasperar a reprimenda no tocante à conduta social. O motivo do crime, consistente em agressão à vítima tão somente por ter sido impedido de ingressar no campus da universidade, também justifica o incremento da sanção. No mais, as consequências da infração transbordaram, em muito, aquelas inerentes ao tipo penal, tendo em vista que a lesão causou transtorno de estresse pós-traumático e alteração permanente da personalidade.
5. A atenuante da confissão espontânea deve ser reconhecida mesmo se for parcial ou qualificada. Precedentes.
6. Pedido não conhecido. Ordem de habeas corpus, todavia, concedida ex officio, para afastar a qualificadora prevista no art. 129, § 2º, inciso IV, do Código Penal, e reconhecer a atenuante da confissão espontânea, redimensionando-se a sanção penal.

Leia o acordão no HC 689.921.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 689921

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