Integrantes da carreira de professor de magistério superior não podem transitar entre as Instituições Federais de Ensino (IFEs) e manter os benefícios e as progressões conquistados no cargo anterior, mesmo que dele se tenham afastado mediante pedido de declaração de vacância – o qual preserva o vínculo entre a administração federal e o servidor aprovado em novo concurso.
A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, firmou esse entendimento ao julgar recurso da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) contra decisão judicial que reconheceu a um professor de seus quadros o direito de manter a progressão funcional e as vantagens adquiridos em outras IFEs.
No caso dos autos, ao entrar na UFRGS, o professor solicitou a manutenção do enquadramento funcional que havia alcançado depois de exercer o cargo em outras três IFEs. Oito meses após o deferimento do pedido, a universidade tornou a decisão sem efeito e enquadrou o professor na classe inicial da carreira, o que o levou a ajuizar a ação.
O juízo de primeiro grau negou os pedidos sob o fundamento de que a posse em novo cargo, em outra universidade, inaugura novo vínculo específico do servidor. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) reformou a sentença, por considerar que a unicidade da carreira permite que o vínculo iniciado perante uma instituição tenha continuidade na seguinte, ainda que o servidor esteja em estágio probatório.
Lei não previu continuidade de vínculo
Com base na interpretação sistemática dos artigos 1º, 6º, 8º, 12 e 13 da Lei 12.772/2012, o ministro Sérgio Kukina, relator do caso no STJ, afirmou que a existência de uma carreira de magistério superior não significa que os docentes possam transitar entre diversas IFEs mantendo as vantagens adquiridas na instituição anterior.
Ele destacou que o artigo 6º da Lei 12.772/2012 não autoriza tal continuidade em cargos distintos, pois o dispositivo se limitou a regular a passagem inicial dos servidores para a carreira de magistério superior então estruturada.
Segundo o magistrado, essa regra “não pretendeu normatizar posteriores e itinerantes trocas de cargos de professor de magistério superior, notadamente em decorrência de pedidos de vacância, sucedidos por novas nomeações em virtude de sucessivas aprovações em concursos públicos”.
Universidades têm autonomia administrativa e financeira
Na visão do ministro, a passagem do professor por quatro universidades sem a interrupção do vínculo com a administração pública não autoriza, por si só, que ele possa levar ao seu cargo atual os enquadramentos funcionais anteriormente obtidos.
Esse raciocínio, segundo o relator, também é corroborado pelo fato de que as universidades federais nas quais o docente trabalhou, por serem autarquias, gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, nos termos do artigo 207 da Constituição Federal.
Sérgio Kukina ainda acrescentou que o entendimento de que as vantagens adquiridas anteriormente não são pessoais, mas vinculadas ao cargo exercido, está em harmonia com a jurisprudência do STJ, que considera que a unicidade da carreira de magistério público superior deve ser admitida de forma mitigada, como nos casos de remoção entre IFEs (AgInt no REsp 1.351.140 e AgInt no REsp 1.563.661).
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. PROFESSOR DE MAGISTÉRIO SUPERIOR. PROGRESSÃO NA CARREIRA OBTIDA EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR DIVERSA DA ATUAL. PRETENSÃO DE MANUTENÇÃO DO NÍVEL ANTERIOR MAIS ELEVADO. INVIABILIDADE. PEDIDO SUBSIDIÁRIO DO RECONHECIMENTO DO DIREITO À “PROMOÇÃO ACELERADA” PREVISTA NO ART. 13 DA LEI 12.772⁄2012. IMPOSSIBILIDADE. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM PARA APRECIAÇÃO DE PLEITO NÃO ENFRENTADO.1. Cuida-se, na origem, de ação ordinária ajuizada em desfavor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, em que a parte autora objetiva a manutenção do seu anterior enquadramento na Classe C, Nível 1 (Adjunto), alcançado após prévio exercício em cargos de Professor de Magistério Superior – na Universidade Federal da Bahia (UFBA), de 2⁄2⁄2009 a março de 2010; na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), de março de 2010 a outubro 2010; na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), de outubro de 2010 a maio de 2013; e, por fim, a partir de maio de 2013, na UFRGS. Subsidiariamente, pleiteia o reconhecimento do seu direito à promoção acelerada prevista no art. 13, parágrafo único, da Lei 12.772⁄2012, a contar do seu ingresso na UFRGS. Em sede sucessiva, também reivindica sua desoneração da obrigação de restituir valores oriundos do enquadramento administrativamente concedido, o qual foi posteriormente revisto.2. O Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões jurídicas travadas nos autos, não se podendo, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional (AgInt no AREsp 1.678.312⁄PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJe 13⁄4⁄2021).3. Por meio da interpretação sistemática dos arts. 1º, 6º, 8º, 12 e 13 da Lei 12.772⁄2012, tem-se que, a despeito de efetivamente existir uma carreira de Professor de Magistério Superior, tal fato não significa que os docentes que a ela pertençam possam transitar entre entidades de ensino superior diversas, mantendo, indistintamente, todos os benefícios e progressões conquistados no cargo de origem em outra instituição, apesar de terem se desvinculado em virtude de exoneração⁄pedido de vacância.4. A circunstância de que o trânsito da parte autora por quatro diversas universidades (UFBA, FURG, UFSC e UFRGS) se operou sem solução de continuidade de seu vínculo com a Administração Pública – porquanto cada nomeação subsequente teria sido precedida de correspondente pedido de vacância no cargo anterior – não autoriza, só por si, que possa o ora recorrido levar para o cargo que atualmente ocupa, junto à UFRGS, os enquadramentos funcionais anteriormente obtidos no exercício da docência em universidades anteriores.5. Tal conclusão é, ainda, corroborada pelo fato de que as Universidades Federais pelas quais transitou a parte autora, por se tratar de Autarquias, gozam, dentre outras garantias, de autonomia administrativa.6. Na forma da jurisprudência desta Corte, a unicidade da carreira de Magistério Público Superior deve ser admitida de forma mitigada, como, por exemplo, para o fim de remoção entre Instituições Federais de Ensino, na forma do art. 36, § 2º, da Lei 8.112⁄1990. Nesse sentido: AgInt no REsp 1.351.140⁄PR, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe 16⁄4⁄2019; AgInt no REsp 1.563.661⁄SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 23⁄4⁄2018.7. Recurso especial conhecido e provido em parte, com a determinação de retorno dos autos ao Tribunal de origem para que prossiga no julgamento do recurso de apelação da UFRGS, que impugna a dispensa da parte autora de restituir ao erário os valores por ela recebidos a maior.
Leia o acórdão no REsp 1.733.150.