Por unanimidade, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou o julgamento do processo administrativo no qual o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) condenou a siderúrgica Gerdau S/A ao pagamento de multa por suposta formação de cartel. O colegiado decidiu, ainda, que o julgamento deverá ser reiniciado após a produção da prova pericial de natureza econômica requerida pela empresa.
Segundo os autos, ao fim de uma investigação na Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, a Gerdau – juntamente com as siderúrgicas Belgo Mineira e Barra Mansa – foi acusada de prática de cartel na comercialização de vergalhões de aço para a construção civil.
Em 2005, o Cade condenou as três empresas, por formação de cartel, a pagarem multa equivalente a 7% do seu faturamento bruto em 1999, ano anterior ao início da investigação. A Gerdau entrou na Justiça contra a decisão, mas não teve êxito nas instâncias ordinárias.
Processo deve respeitar garantias fundamentais do acusado
No recurso especial apresentado ao STJ, a empresa pleiteou a anulação do processo administrativo e da pena que lhe foi imposta, em razão do indeferimento de seu pedido para a produção de prova pericial, bem como da falta de exame integral e imparcial do conjunto das provas – o que teria violado o devido processo legal.
Segundo o relator, ministro Benedito Gonçalves, no contexto do direito sancionador – “por meio do qual a administração pública exerce a sua prerrogativa de punir atos que repute contrários às normas jurídicas prescritivas de comportamentos” –, devem incidir as limitações próprias das garantias asseguradas a todos aqueles que se encontram no polo passivo da relação jurídica.
O ministro considerou que o indeferimento da perícia requerida pela empresa, pelo fato de o pedido ter sido feito supostamente fora do prazo, não se amolda ao devido processo administrativo, pois a punição deve ser baseada em prova efetiva, observadas as garantias que o direito assegura aos acusados em geral.
“Essa conclusão não é uma incursão no mérito administrativo, ou nas conclusões a que chegou o julgador administrativo, mas sim uma exigência de observância das garantias fundamentais que devem ser asseguradas ao acusado, no contexto de um devido e regular processo administrativo”, afirmou o magistrado.
Empresa insistiu na necessidade da prova pericial
O relator frisou que o artigo 2º, X, da Lei 9.784/1999 assegura a produção da prova ao acusado, no contexto de um processo do qual possam resultar sanções. No caso sob análise – acrescentou –, em que o processo administrativo tem o objetivo de apurar a prática de infração à ordem econômica, podendo resultar na aplicação de penalidade, “o livre convencimento motivado, aplicável aos juízos de natureza cível, cede espaço à garantia legal de efetiva produção probatória ao acusado”.
Benedito Gonçalves ressaltou que a necessidade da prova pericial foi sustentada e reiterada em dois momentos pela Gerdau, que, inclusive, juntou oportunamente um parecer técnico para justificar a sua produção.
Para o ministro, nesse contexto, deve ser afastada a extemporaneidade da prova requerida, conforme preceituam os artigos 2º e 50 da Lei 9.784/1999, os quais impõem a necessidade de efetiva produção da prova pericial.
“Consequentemente, no caso, o título executivo deve ser desconstituído, ante a nulidade do julgamento do processo administrativo pelo Cade, o qual deverá ser reiniciado a partir da produção da prova pericial de natureza econômica requerida”, afirmou o relator, ao dar provimento ao recurso da empresa.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. REGULAR PROCESSO ADMINISTRATIVO. DIREITO SANCIONADOR. INDEFERIMENTO DE REQUERIMENTO PARA A PRODUÇÃO DE PROVA TÉCNICA. IMPOSSIBILIDADE. NULIDADE.
1. O recurso especial foi interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015, devendo ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele previsto, conforme Enunciado Administrativo n. 3/2016/STJ.
2. No caso dos autos, o recurso especial discute temática processual, relativa à nulidade do acórdão originário da Turma ampliada, nulidade do acórdão proferido em embargos de declaração e ilegalidade do desmembramento de ações conexas, e tem como ponto central de mérito a violação aos artigos 131 e 458, II, do CPC/73, artigos 2º, caput e parágrafo único, VII e X, e 50, caput e inciso I, da Lei n. 9.784/99. No ponto, sustenta nulidade do procedimento administrativo que tramitou perante o CADE, em face de negativa de requerimento feito para a produção de prova pericial de natureza econômica, bem como pelo não cumprimento do dever de exame integral e imparcial do conjunto probatório, violando o devido processo legal.
3. As instâncias de origem compreenderam (fl. 1318) que é cabível ao Conselheiro Relator rejeitar sem fundamentação a produção de outras provas, mesmo requeridas pelo acusado, quando julgar satisfatório o acervo apresentado pela Secretaria de Direito Econômico-SDE.
4. No que diz respeito as teses que compreenderam pela ocorrência de preclusão e de extemporaneidade, observo de início que a postulação da produção probatória perante a Secretaria de Defesa Econômica – SDE, com base na Lei n. 8.884/1994, não implica em momento exclusivo para o acusado fazê-lo, diante da previsão expressa do art. 43, que dispõe que o Conselheiro Relator do CADE analise requerimento de prova. Assim, ausente a preclusão administrativa, na hipótese.
5. Ademais, no caso dos autos, a indicação efetiva da necessidade da prova pericial de natureza econômica foi reiterada duas vezes, inclusive havendo a juntada oportuna de parecer técnico com a finalidade de justificar sua produção. Nesse contexto, também afasta-se a extemporaneidade da prova requerida, aplicando-se a inteligência dos artigos 2º, caput e parágrafo único, VII e X, e 50, caput e inciso I, da Lei n. 9.784/99, os quais impõem à hipótese dos autos a necessidade de efetiva produção da prova pericial.
6. Assim, em se tratando de exercício de direito sancionador, a negativa da prova técnica requerida pelo acusado afronta o devido processo administrativo, por violação aos artigos 2º, X, e 50, caput e inciso I, da Lei n. 9784/99. Consequentemente, no caso, o título executivo deve ser desconstituído, ante a nulidade do julgamento do processo administrativo pelo CADE, o qual deverá ser reiniciado a partir da produção da prova pericial de natureza econômica requerida.
7. Prejudicada as demais questões processuais, de menor amplitude, relativas à nulidade do acórdão originário da Turma ampliada, nulidade do acórdão proferido em embargos de declaração e ilegalidade do desmembramento de ações conexas.
8. Recurso especial provido.
Leia o acórdão no REsp 1.979.138.