Primeira Turma afasta competência originária de governador para aplicar sanção a servidor de autarquia

Com base na legislação local e na autonomia das entidades descentralizadas da administração pública, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que o governador de Mato Grosso do Sul e os secretários estaduais não têm competência para, de forma originária, aplicar sanção disciplinar a servidor de autarquia estadual. Para o colegiado, a competência originária é do chefe da entidade integrante da administração indireta.

No mandado de segurança, um fiscal da Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal de Mato Grosso do Sul (Iagro) alegou ter sido demitido após a instauração de processo administrativo disciplinar que foi submetido à apreciação originária do governador e do secretário de Administração. Para o fiscal, houve atribuição errônea de competência a essas autoridades, motivo pelo qual o processo deveria ser anulado.

O pedido foi rejeitado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS). De acordo com o tribunal, a legislação estadual não impediria que o governador avocasse a competência para o exercício de função que originalmente lhe competia e que fora atribuída aos subordinados, sendo desnecessário ato normativo para regular essa avocação.

Ainda segundo o TJMS, a instauração do processo no âmbito da administração direta se deu em virtude da complexidade dos fatos apurados, de repercussão nacional e com possível envolvimento dos investigados em atividades criminosas.

Autarquia não tem relação hierárquica com a pessoa política

Relatora do recurso em mandado de segurança, a ministra Regina Helena Costa apontou que, conforme especificado na Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul e na Lei Estadual 1.102/1990 (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Poder Executivo, das Autarquias e das Fundações Públicas do Estado de Mato Grosso do Sul), cabe ao chefe do Executivo estadual aplicar sanções aos servidores vinculados à administração direta, ficando a cargo da chefia superior das autarquias e fundações punir integrantes de seus quadros.

Para a magistrada, portanto, esse desenho normativo indica a competência do presidente da Iagro para a instauração e o julgamento do processo administrativo disciplinar.

De acordo com Regina Helena Costa, a autarquia está sujeita ao princípio da tutela administrativa e, como tal, não pode, em regra, ser submetida ao poder disciplinar da pessoa política, exatamente por não haver relação hierárquica entre elas.

“Exsurge a incompetência originária do governador do Estado de Mato Grosso do Sul para aplicar sanção aos servidores vinculados aos entes descentralizados daquela unidade federativa, não constituindo a apontada complexidade do caso fundamento legal idôneo a legitimar a avocação de competência promovida na espécie”, afirmou.

Na avaliação da relatora, foi usurpada uma incumbência privativa do presidente da entidade. Em consequência, a Primeira Turma anulou o processo administrativo e determinou a reintegração do servidor ao cargo, com o pagamento dos valores que ele deixou de receber a partir da impetração do mandado de segurança.

O recurso ficou assim ementado:

DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AUTONOMIA DAS ENTIDADES DESCENTRALIZADAS PARA GERIR SEUS QUADROS DE PESSOAL. AUSÊNCIA DE VÍNCULO HIERÁRQUICO COM A PESSOA POLÍTICA. INCOMPETÊNCIA DO SR. GOVERNADOR PARA APLICAR SANÇÃO FUNCIONAL A SERVIDOR DE AUTARQUIA. RECURSO PROVIDO.
I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte, na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o CPC⁄1973.
II – Caso em que o servidor, ora Recorrente, foi demitido do cargo de Fiscal Estadual Agropecuário da Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal do Mato Grosso do Sul – IAGRO, em razão da prática de incontinência pública e escandalosa, bem como por desídia no cumprimento do dever legal, incurso no art. 235, III e XII, da Lei Estadual n. 1.102⁄1990, após ter sido preso em flagrante transportando diversas armas e munições, prisão que ocorreu no âmbito da “Operação Recarga” da Polícia Federal, a qual investigava tráfico internacional de armas.
III – Denegação da segurança na origem, por ausência de direito líquido e certo. Interposição do presente recurso sustentando, em síntese, que o Sr. Secretário de Administração e o Sr. Governador são autoridades incompetentes para atuar no Processo Administrativo Disciplinar contra servidor da IAGRO, porquanto a autonomia administrativa da Autarquia inclui a competência para gerir seu quadro próprio de servidores.
IV – A Lei Estadual n. 1.102⁄1990 – Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Poder Executivo, das Autarquias e das Fundações Públicas do Estado de Mato Grosso do Sul – estabelece competir, privativamente, ao Governador do Estado ou dirigente superior de autarquia ou fundação, a aplicação da penalidade de demissão e cassação de disponibilidade.
V – Cabe, portanto, ao Chefe do Executivo Estadual aplicar sanções aos servidores vinculados à Administração Direta, ficando a cargo da chefia superior das autarquias e das fundações punir os servidores a elas subordinados.
VI – Salvo disposição constitucional ou legal em contrário, a autonomia da entidade autárquica inviabiliza o exercício do poder disciplinar pela pessoa política à qual se encontra vinculada, porquanto, estando sujeita ao princípio da tutela administrativa – o qual lhe impõe um controle apenas finalístico por parte da Administração Direta –, não pode ser submetida ao poder disciplinar da entidade central, exatamente por não existir relação hierárquica entre elas. Precedente.
VII – Incompetência originária do Sr. Governador do Estado do Mato Grosso do Sul para aplicar penalidades aos servidores vinculados aos entes descentralizados daquela unidade federativa, não constituindo a apontada complexidade do caso fundamento legal idôneo a legitimar a avocação de competência promovida na espécie, deliberação que usurpou incumbência reservada, privativamente, ao Sr. Diretor-Presidente da Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal do Mato Grosso do Sul. Arts. 239, I, e 256 da Lei Estadual n. 1.102⁄1990.
VIII – Recurso provido para reformar o acórdão recorrido e conceder a segurança, a fim de anular o PAD a partir do seu encaminhamento ao Sr. Secretário de Administração, determinando-se a reintegração do Impetrante ao cargo anteriormente ocupado e o pagamento dos valores que deixou de auferir desde a impetração.

Leia o acórdão no RMS 43.529.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): RMS 43529

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