Primeira Seção veda retenção de honorários em verba do Fundeb liberada judicialmente

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou tese no sentido da impossibilidade de retenção de honorários advocatícios em crédito do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) concedido por via judicial. A decisão, tomada por maioria de votos, teve como fundamento a previsão constitucional de vinculação dos recursos do Fundeb às hipóteses exclusivas de manutenção e desenvolvimento da educação básica no Brasil.

As verbas do Fundeb – antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) – têm destinação prevista pelo artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, além do artigo 23 da Lei 11.494/07. Por isso, o colegiado entendeu não ser possível a reserva de honorários prevista pela Lei 8.906/94, cabendo ao advogado buscar seu crédito por outros meios.

“Constatada a vinculação constitucional e legal específica dos recursos do Fundef/Fundeb, bem como a manutenção dessa característica mesmo quando referidos valores constarem de título executivo judicial, inexiste possibilidade jurídica de aplicação do artigo 22, parágrafo 4º, da Lei 8.906/94, sob pena de caracterizar verdadeira desvinculação que, a toda evidência, é expressamente proibida por lei e não encontra previsão constitucional”, apontou o relator do recurso especial da União, ministro Og Fernandes.

Título executivo

No âmbito de execução proposta pelo município de Livramento (PB), o juiz da 11ª Vara Federal da Paraíba deferiu o pedido de retenção, em relação a valores devidos pela União a título de complementação ao Fundef, do montante de honorários advocatícios devidos ao advogado do ente municipal. A complementação dizia respeito especificamente ao Valor Mínimo Anual por Aluno.

A retenção foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), que concluiu ser direito do advogado o destaque dos honorários contratuais nas hipóteses em que não tiver sido realizada a expedição do alvará ou precatório. Além disso, o tribunal considerou que o Estatuto da OAB, em seu artigo 24, atribui caráter de título executivo ao contrato escrito que estipular o pagamento de honorários.

O ministro Og Fernandes destacou que, de fato, como regra geral, é possível a requisição pelo advogado de reserva equivalente à obrigação estabelecida contratualmente entre ele e a parte para a prestação de seus serviços. A condição para a retenção é que o pedido seja realizado antes da expedição do precatório ou do mandado de levantamento, mediante a juntada do contrato.

O relator também lembrou que, de acordo com a Súmula Vinculante 47, os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal consubstanciam verba de natureza alimentar, cuja satisfação deve ocorrer com o precatório ou a requisição de pequeno valor.

Natureza constitucional

Todavia, ponderou Og Fernandes, caso efetivada a separação dos valores, seu efeito recairia sobre os recursos do fundo, já que a ação judicial tinha como objetivo o pagamento de diferenças não repassadas ao município pela União. Segundo o ministro, o fato de determinada obrigação pecuniária não ter sido cumprida espontaneamente, mas somente após decisão judicial, não descaracteriza a sua natureza nem a sua destinação.

Em virtude da previsão legal e constitucional de vinculação específica dos recursos do Fundef, o relator também destacou que somente norma constitucional de igual envergadura autorizaria a utilização de dinheiro atrelado ao fundo para outras finalidades que não a manutenção e o desenvolvimento do ensino fundamental e a valorização do magistério.

“Desse modo, com suporte nos fundamentos supramencionados, tem-se que a satisfação dos honorários contratuais ora em questão não deve se realizar nos termos do artigo 22, parágrafo 4º, da Lei 8.906/94, pois o título executivo judicial se refere a verbas que possuem destinação constitucional e legal específica”, concluiu o ministro ao prover o recurso da União.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. RETENÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. CRÉDITO RELATIVO A DIFERENÇAS DO FUNDO DE MANUTENÇÃO E DE DESENVOLVIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL E DE VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO – FUNDEF. IMPOSSIBILIDADE. AMICUS CURIAE. INTEMPESTIVIDADE. INTERVENÇÃO COMO ASSISTENTE. AUSÊNCIA DE INTERESSE JURÍDICO OU VIOLAÇÃO DE PRERROGATIVA INERENTE À CARREIRA DA ADVOCACIA.
1. Sobre o requerimento de intervenção como amicus curiae formulado pelo CFOAB, a jurisprudência do STF sobre a matéria, especialmente por ocasião do julgamento da ADI 4.071 e da ACO 779⁄RJ, autoriza tal ingresso até a inclusão do feito em pauta.
2. No julgamento do AgRg na ACO 779, Rel. Min. Dias Toffoli, entretanto, admitiu-se a possibilidade, em tese, do ingresso na lide de amicus curiae mesmo após a inclusão do feito em pauta, desde que demonstrada a excepcionalidade do caso concreto.
3. Na espécie, ao requerer sua intervenção como amicus curiae após a inclusão deste feito em pauta, o CFOAB afirmou, tão somente, haver tomado conhecimento do tema de fundo a ser julgado no presente feito apenas recentemente (e-STJ, fl. 261), não alegando qualquer outra razão, eminentemente de caráter jurídico, a configurar excepcionalidade do caso apta a permitir seu ingresso de forma extemporânea, isto é, o próprio requerente sequer se fundou em tal premissa, limitando-se a salientar recente conhecimento da existência do processo. Tal circunstância, a propósito, até revela que o debate dos autos não está intrinsecamente ligado às atribuições essenciais da entidade requerente. Oportuno, ainda, referir que a motivação trazida com o requerimento de intervenção – genericamente apresentada – em nada revela circunstâncias específicas a justificar o acolhimento requestado, até porque, neste processo, não se está a deliberar exclusivamente sobre honorários advocatícios, mas acerca da vinculação de verbas federais ao custeio da educação básica e à valorização do seu magistério e as consequências jurídicas de tal vinculação. Esse vem a ser o tema central do processo.
4. Como é possível verificar dos autos, o presente feito foi incluído em pauta em 27⁄4⁄2018, com publicação no Diário de Justiça Eletrônico em 30⁄4⁄2018. O requerimento de ingresso no feito como amicus curiae somente foi apresentado em 8⁄5⁄2018.
5. Com base nessas considerações, é de se indeferir o requerimento em tela, sob pena de se permitir o ingresso de todo e qualquer terceiro que se declare interessado em processo já pautado para julgamento, o que deflagraria quadros de instabilidade e imprevisibilidade na efetivação do julgamento dos recursos confiados a este Superior Tribunal. Precedente: EDcl no REsp 1.338.942⁄SP, de minha relatoria, Primeira Seção, julgado em 25⁄4⁄2018, DJe 4⁄5⁄2018).
6. Por outro lado, a ausência de interesse jurídico e de violação de prerrogativa inerente à carreira da advocacia não autoriza o ingresso do CFOAB, na hipótese, como assistente do recorrido.
7. Na execução, regra geral, é possível a requisição pelo patrono de reserva da quantia equivalente à obrigação estabelecida, entre si e o constituinte, para a prestação dos serviços advocatícios. A condição para isso é que o pleito seja realizado antes da expedição do precatório ou do mandado de levantamento, mediante a juntada do contrato. Orientação do STJ e do STF.
8. Esse entendimento, todavia, não é aplicável quando os valores a que tem direito o constituinte se referem a verbas decorrentes de diferenças do FUNDEF que a União deixou de repassar aos Municípios a tempo e modo.
9. O fato de determinada obrigação pecuniária não ter sido cumprida espontaneamente, mas somente após decisão judicial com trânsito em julgado, não descaracteriza a sua natureza nem a da prestação correspondente. Assim, uma vez que os valores relacionados ao FUNDEF, hoje FUNDEB, encontram-se constitucional e legalmente vinculados ao custeio da educação básica e à valorização do seu magistério, é vedada a sua utilização em despesa diversa, tais como os honorários advocatícios contratuais.
10. Reconhecida a impossibilidade de aplicação da medida descrita no art. 22, § 4º, da Lei n. 8.906⁄1994 nas execuções contra a União em que se persigam quantias devidas ao FUNDEF⁄FUNDEB, deve o advogado credor, apesar de reconhecido o seu mérito profissional, buscar o seu crédito por outro meio.
11. Recurso especial a que se dá provimento para negar o direito à retenção dos honorários advocatícios contratuais do crédito devido pela União.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1703697

1 comentário em “Primeira Seção veda retenção de honorários em verba do Fundeb liberada judicialmente”

  1. Pingback: Presidente do STJ suspende pagamento de honorários advocatícios em condenação relacionada ao Fundef - Costa Monteiro

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar