Previsão contratual de coparticipação sobre valor de próteses cirúrgicas não é abusiva

Respeitados o direito à informação e a necessidade de previsão clara no contrato de plano de saúde, não configura abuso a exigência de coparticipação financeira do usuário na aquisição de próteses, órteses e materiais especiais utilizados em procedimentos cirúrgicos.

Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou decisão da Justiça do Rio Grande do Sul que havia declarado nula cláusula contratual de coparticipação e determinado o reembolso, em benefício da paciente, de valores relativos a prótese e materiais utilizados em cirurgia para tratamento de estenose aórtica reumática.

“Ao contrário do consignado pelo acórdão recorrido, não há abusividade na cobrança de coparticipação em procedimentos médico-hospitalares, quando há expressa e clara previsão contratual, com financiamento parcial pelo usuário e sem restrição de acesso ao serviço de saúde”, apontou a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi.

De acordo com a paciente, a operadora de saúde emitiu autorização para a realização de procedimento de troca de válvula, instalação de marca-passo e circuito de circulação extracorpóreo. Amparada em cláusula do contrato, a operadora cobrou coparticipação de 20% sobre os valores dos materiais utilizados, além da quantia referente à válvula indicada pelo médico assistente, de marca distinta e de valor superior à indicada pelo plano de saúde.

Financiamento integral proibido

Em primeira instância, o magistrado declarou a nulidade da cláusula contratual e condenou o plano a restituir à paciente os valores relativos aos materiais cirúrgicos. A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que, à luz da legislação de proteção ao consumidor, também considerou abusiva a cláusula que prevê a coparticipação do usuário sobre as despesas de procedimentos cirúrgicos.

A ministra Nancy Andrighi, ao analisar o recurso da operadora, destacou que, com base na competência conferida pela Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/98), o Conselho de Saúde Suplementar editou a Resolução Consu 8/98, que estabelece que as operadoras de planos privados poderão utilizar mecanismos de regulação financeira (franquia e coparticipação) que não impliquem o desvirtuamento da livre escolha do segurado.

Também de acordo com a resolução, explicou a ministra, é expressamente vedado às operadoras estabelecer coparticipação ou franquia que caracterize financiamento integral do procedimento por parte do usuário ou fator de restrição severo ao acesso aos serviços.

“O controle desta prática ocorre por meio da exigência em informar clara e previamente ao consumidor, no material publicitário do plano, no instrumento de contrato e no livro ou indicador de serviços da rede, os mecanismos de regulação adotados, especialmente os relativos a fatores moderadores ou de coparticipação e de todas as condições para sua utilização (artigo 4º, I, ‘a’)”, afirmou a relatora.

Informação e equilíbrio

No âmbito do STJ, a ministra também lembrou que já houve pronunciamentos sobre a validade da cobrança de coparticipação financeira do usuário nas despesas do plano de saúde, desde que atendido o direito à informação, bem como mantido o equilíbrio das prestações e contraprestações.

Em relação, especificamente, à coparticipação para o fornecimento de próteses, a ministra apontou que o TJRS entendeu haver incompatibilidade entre o artigo 10, inciso VII, e o artigo 16, inciso VIII, ambos da Lei dos Planos de Saúde, concluindo que seria obrigatória a cobertura pelo plano dos itens utilizados na cirurgia.

“Ocorre que não se verifica a suposta antinomia normativa, pois a operadora está obrigada ao fornecimento de próteses, órteses e seus acessórios ligados ao ato cirúrgico (artigo 10, VII). Todavia, esta obrigação de fornecimento não implica dizer que o respectivo pagamento seja suportado exclusivamente pela operadora, pois é da própria essência da coparticipação servir como fator moderador na utilização dos serviços de assistência médica e hospitalar”, conclui a ministra ao julgar improcedente os pedidos da paciente.

O recurso ficou assim ementado:

DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C⁄C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE COLETIVO. COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO. FATOR MODERADOR. ÓRTESES, PRÓTESES E MATERIAIS CIRÚRGICOS. POSSIBILIDADE. CRITÉRIOS. OBSERVÂNCIA NECESSÁRIA.
1. Ação ajuizada em 21⁄09⁄15. Recursos especiais conclusos ao gabinete em 25⁄05⁄17. Julgamento: CPC⁄15.
2. O propósito recursal consiste em definir a legalidade ou abusividade de cláusula contratual de plano de saúde coletivo que estabelece a cobrança de coparticipação do usuário para órteses, próteses e materiais especiais indispensáveis a procedimento cirúrgico, inclusive em relação a marca específica de produto prescrito por profissional habilitado.
3. A Lei 9.656⁄98 estabeceleu exigências para a celebração de contratos de plano de saúde, determinando que em suas cláusulas sejam indicados, com clareza, a franquia, os limites financeiros ou o percentual de coparticipação do beneficiário, contratualmente previstos nas despesas com assistência médica, hospitalar e odontológica (art. 16, VIII).
4. Por meio da Resolução CONSU 8⁄98, foi estabelecido que as operadoras de planos privados somente poderão utilizar mecanismos de regulação financeira (franquia e coparticipação) que não impliquem o desvirtuamento da livre escolha do segurado.
5. A declaração de abusividade⁄validade da cláusula contratual de coparticipação dependerá da análise das circunstâncias concretas da avença, a depender da expressa e clara previsão no contrato, se o financiamento do procedimento por parte do usuário é parcial ou integral, se seu pagamento implica severa restrição ao acesso aos serviços.
6. A operadora está obrigada ao fornecimento de próteses, órteses e seus acessórios ligados ao ato cirúrgico (art. 10, VII, da Lei 9.656⁄98). Todavia, esta obrigação de fornecimento não implica dizer que o respectivo pagamento seja suportado exclusivamente pela operadora, pois é da própria essência da coparticipação servir como fator moderador na utilização dos serviços de assistência médica e hospitalar.
7. A conduta da operadora, na hipótese dos autos, de cobrar 20% dos materiais cirúrgicos tem respaldo no art. 16, VII, da LPS e não implica em restrição exagerada ao consumidor.
8. Em relação à válvula utilizada no procedimento hospitalar, o acórdão recorrido registrou que apesar da disponibilização do produto de menor custo pela operadora, o médico-assistente e a usuária escolheram uma marca específica, de custo elevado. Assim, deve a usuária arcar com o valor adicional decorrente de sua opção, pois a prudência figura como importante instrumento de regulação do seu comportamento.
9. Recurso especial da operadora de plano de saúde conhecido e provido. Recurso especial da usuária prejudicado.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1671827

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