A nova regra sobre prescrição intercorrente, que dispensa a notificação do credor após o transcurso de um ano da suspensão da execução (por falta de bens), deve incidir apenas nas execuções propostas após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (CPC) e, nos processos em curso, a partir da suspensão da execução.
O entendimento é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que reconheceu a prescrição intercorrente e extinguiu o feito porque, após o deferimento do pedido de suspensão do processo pelo prazo de 180 dias, o exequente permaneceu inerte por quase 12 anos.
No recurso especial, o credor alegou que não foi responsável pela paralisação do processo, uma vez que, após a suspensão do feito, o juiz determinou a remessa dos autos ao arquivo provisório, onde permaneceu sem qualquer movimentação administrativa, intimação do advogado ou do credor.
O TJPR entendeu desnecessária a intimação do exequente sob o fundamento de que, por aplicação do artigo 219, parágrafo 5º, do CPC de 1973, a prescrição pode ser declarada de ofício pelo juízo.
Segurança jurídica
No STJ, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, reconheceu que a Terceira Turma do tribunal passou a aplicar recentemente o mesmo entendimento do TJPR, com a ressalva de o exequente ser ouvido apenas para demonstrar eventuais causas interruptivas ou suspensivas da prescrição.
Salomão, no entanto, entendeu que, além de o colegiado ter antecipado para situações pretéritas as disposições do novo CPC, acabou adotando, “talvez por analogia, a interpretação da prescrição intercorrente utilizada no âmbito do direito público em relação às execuções fiscais (artigo 40, parágrafo 4º, da Lei 6.830/80)”.
O ministro disse também considerar desarrazoado que a execução se mantenha suspensa por tempo indefinido, mas que a mudança abrupta de entendimento poderia mais prejudicar do que ajudar, sendo necessária a modulação dos efeitos do entendimento sob o enfoque da segurança jurídica.
Salomão, destacou, inclusive, que o novo CPC, no livro complementar, artigo 1.056, trouxe disposições finais e transitórias para reger questões de direito intertemporal com o objetivo de preservar, em determinadas situações, as normas já existentes.
“Acredito que eventual alteração de entendimento acabaria, além de surpreender a parte, por trazer-lhe evidente prejuízo por transgredir situações já consumadas, fragilizando a segurança jurídica, uma vez que o exequente, com respaldo na jurisprudência pacífica dos tribunais, ciente da necessidade de intimação pessoal, acabou acreditando que não estaria inerte para fins de extinção da execução pela ocorrência da prescrição intercorrente”, disse o ministro.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE BENS PASSÍVEIS DE PENHORA. SUSPENSÃO DO PROCESSO. INÉRCIA DO EXEQUENTE. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INOCORRÊNCIA. ATO PROCESSUAL ANTERIOR AO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MANUTENÇÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA. NECESSIDADE DE PRÉVIA INTIMAÇÃO DO EXEQUENTE PARA DAR ANDAMENTO AO FEITO PARA INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL.
1. A prescrição intercorrente ocorre no curso do processo e em razão da conduta do autor que, ao não prosseguir com o andamento regular ao feito, se queda inerte, deixando de atuar para que a demanda caminhe em direção ao fim colimado.
2. No tocante ao início da contagem desse prazo na execução, vigente o Código de Processo Civil de 1973, ambas as Turmas da Seção de Direito Privado sedimentaram a jurisprudência de que só seria possível o reconhecimento da prescrição intercorrente se, antes, o exequente fosse devidamente intimado para conferir andamento ao feito.
3. O Novo Código de Processo Civil previu regramento específico com relação à prescrição intercorrente, estabelecendo que haverá a suspensão da execução “quando o executado não possuir bens penhoráveis” (art. 921, III), sendo que, passado um ano desta, haverá o início (automático) do prazo prescricional, independentemente de intimação, podendo o magistrado decretar de ofício a prescrição, desde que, antes, ouça as partes envolvidas. A sua ocorrência incorrerá na extinção da execução (art. 924, V).
4. O novel estatuto trouxe, ainda, no “livro complementar” (arts. 1.045-1.072), disposições finais e transitórias a reger questões de direito intertemporal, com o fito de preservar, em determinadas situações, a disciplina normativa já existente, prevendo, com relação à prescrição intercorrente, regra transitória própria: “considerar-se-á como termo inicial do prazo da prescrição prevista no art. 924, inciso V [prescrição intercorrente], inclusive para as execuções em curso, a data de vigência deste Código” (art. 1.056).
5. A modificação de entendimento com relação à prescrição intercorrente acabaria por, além de surpreender a parte, trazer-lhe evidente prejuízo, por transgredir a regra transitória do NCPC e as situações já consolidadas, fragilizando a segurança jurídica, tendo em vista que o exequente, com respaldo na jurisprudência pacífica do STJ, estaria ciente da necessidade de sua intimação pessoal, para fins de início do prazo prescricional.
6. Assim, seja em razão da segurança jurídica, seja pelo fato de o novo estatuto processual estabelecer dispositivo específico regendo a matéria, é que, em interpretação lógico-sistemática, tem-se que o atual regramento sobre prescrição intercorrente deve incidir apenas para as execuções ajuizadas após a entrada em vigor do CPC⁄2015 e, nos feitos em curso, a partir da suspensão da execução, com base no art. 921.
7. Na hipótese, como o deferimento da suspensão da execução ocorreu sob a égide do CPC⁄1973 (ago⁄1998), há incidência do entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que não tem curso o prazo de prescrição intercorrente enquanto a execução estiver suspensa com base na ausência de bens penhoráveis (art. 791, III), exigindo-se, para o seu início, a intimação do exequente para dar andamento ao feito.
8. Recurso especial provido.
A turma, por unanimidade, afastou a prescrição intercorrente para que seja feita a intimação do exequente.