Passageira que teve mala de mão extraviada deve ser indenizada

Em decisão unânime, a 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal manteve sentença que condenou a Gol Linhas Aéreas a indenizar passageira que teve a mala de mão extraviada pela companhia, após permitir que a bagagem fosse despachada a pedido da ré.

Conforme o processo, a autora viajou de João Pessoa (PB) a Brasília (DF), em julho de 2021. Afirma que, em virtude da lotação da aeronave, a companhia ofertou o despacho da mala, que, por sua vez, não chegou ao destino final. Relata que preencheu relatório de extravio de bagagem e que, dias depois, foi informada de que a mala não tinha sido encontrada. De acordo com a vítima, a empresa ofertou uma indenização de R$ 320,60, com a qual ela não concordou.

No recurso, a ré alega que não houve comprovação dos bens extraviados, portanto não haveria que se falar em danos morais. Afirma que, diante da ausência de prova contundente dos bens extraviados, seria necessária a limitação da reparação material como é previsto na Convenção de Montreal e no Código Brasileiro de Aeronáutica. Por fim, acrescenta que é dever do passageiro a declaração dos bens no momento do embarque, razão pela qual solicitou a reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos da passageira.

Ao avaliar o processo, o magistrado observou que, para os casos de extravio de bagagem em transporte aéreo nacional, deve prevalecer a legislação brasileira, isto é, o Código de Defesa do Consumidor – CDC, que prevê a reparação do dano. “Conquanto a matéria em exame seja regulada pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, também o é pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor e pelo Código Civil, de sorte que não se há de escolher, ao talante de uma das partes, a norma que melhor lhe favorece”, informou.

O julgador explicou, ainda, que a responsabilidade do prestador de serviço, conforme a legislação consumerista, só pode ser afastada quando comprovado que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste ou há culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. “A alegada inexistência de comprovação dos bens extraviados não representa óbice à reparação do dano material. De fato, não é possível aferir quais os bens estavam acondicionados na mala, mas o consumidor não pode suportar o prejuízo, por não possuir todas as notas fiscais de compras de pertences pessoais abrangidos pelo extravio de bagagem”.

Além disso, o relator ressaltou que o transportador pode exigir a declaração do valor da bagagem, a fim de fixar o limite da indenização. No entanto, caso não o faça, traz para si o ônus de suportar eventual indenização no valor indicado pelo passageiro. Por último, destacou que o momento de embarque dos passageiros é realizado em conjunto pelas equipes de terra e aeronave. Assim, “não é de se esperar que o passageiro adote todas as cautelas que lhe são próprias para entrega de sua bagagem ao preposto da companhia aérea como é realizado no balcão de check-in, ainda mais no caso em que a bagagem seria transportada a priori junto com a autora, mas, em razão da lotação da aeronave, foi imposto o despacho no compartimento de cargas”.

Diante dos fatos expostos, o colegiado concluiu que se deve admitir a verossimilhança do rol dos pertences apresentado pela consumidora, bem como sua compatibilidade com o que ordinariamente é embarcado em viagens dessa natureza (pertences próprios de viagens para o litoral e valores compatíveis com produtos usados).

Quanto aos danos morais, na visão dos magistrados, a situação vivenciada pela autora extrapolou os meros dissabores da vida e gerou transtornos capazes de atingir atributos da sua personalidade e perda de tempo útil na tentativa de ter a mala de volta. Assim, a companhia aérea deverá indenizar a passageira em R$ 2 mil e pagar R$ 4.610, a título de danos materiais pelos bens extraviados junto com a mala.

O recurso ficou assim ementado:

CONSUMIDOR. TRANSPORTE AÉREO NACIONAL, EXTRAVIO DEFINITIVO DE BAGAGEM – RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANOS MATERIAIS – TEORIA DA REDUÇÃO DO MÓDULO DA PROVA. DANO MORAL CARACTERIZADO. VALOR – RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO; 1. A responsabilidade do prestador de serviço, nos termos do art. 14, § 3º, do CDC, é objetiva e só poderá ser afastada quando restar demonstrado que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste ou há culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro; 2. Narra a autora que, em 20/07/2021, realizou viagem saindo de João Pessoa com destino a Brasília, portando bagagem de mão. Segundo ela, em virtude da lotação da aeronave, foi ofertado o despacho da referida bagagem, a qual não chegou ao seu destino. Relata que preencheu o relatório de extravio de bagagem e que, dias depois, foi informada de que a mala não tinha sido encontrada, sendo-lhe ofertada a indenização de R$ 320,60, a qual não foi aceita. Requer a condenação do réu no pagamento de R$ 4.610,00 a título de indenização por danos materiais, bem como no pagamento por danos morais. A sentença julgou procedente o pedido para condenar a ré no pagamento de R$ 4.610,00, referentes ao dano material, e R$ 2.000,00 a título de indenização por danos morais, o que ensejou a interposição do presente recurso; 3. Em seu recurso, a ré alega, em síntese, inexistência de comprovação dos bens extraviados e a inexistência de danos morais. Discorre que, diante da ausência de prova contundente dos bens extraviados, necessária a limitação à reparação material tal qual previstos na Convenção de Montreal e no Código Brasileiro de Aeronáutica. Acrescenta ser de responsabilidade do passageiro a declaração dos bens no momento do embarque. Pede a reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos elencados na inicial; 4. Trata-se de extravio de bagagem em transporte aéreo nacional, e nesse caso deve prevalecer a legislação brasileira, o CDC, que prevê a reparação do dano. Portanto, não se cogita a incidência da recente orientação jurisprudencial do STF, que deu ensejo à Tese de Repercussão Geral nº 210, no sentido de que, nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. Conquanto a matéria em exame seja regulada pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, também o é pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, e pelo Código Civil, de sorte que não se há de escolher, ao talante de uma das partes, a norma que melhor lhe favorece. E, para o caso deextraviodebagagem de voo nacional, com danos ao consumidor, a controvérsia há de ser resolvida sob a luz das normas protetivas do CDC; 5. A alegada inexistência de comprovação dos bens extraviados não representa óbice à reparação do dano material. De fato, não é possível aferir quais os bens estavam acondicionados na mala, mas o consumidor não pode suportar o prejuízo, por não possuir todas as notas fiscais de compras de pertences pessoais abrangidos pelo extravio de bagagem; 6. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização (art. 734 CC), não o fazendo, traz para si o ônus de suportar eventual indenização no valor indicado pelo passageiro. Há de se considerar que o momento de embarque dos passageiros é realizado em conjunto pelas equipes de terra e aeronave da companhia aérea. Nesse momento, não é de se esperar que o passageiro adote todas as cautelas que lhe são próprias para entrega de suabagagemao preposto da companhia aérea como é realizado no balcão de check-in, ainda mais no caso em que a bagagem seria transportada a priori junto com a autora, mas, em razão da lotação da aeronave, foi imposto o seu despacho no compartimento de cargas na parte inferior da aeronave; 7. Nestas circunstâncias, impõe-se admitir a verossimilhança do rol dos pertences apresentado pelo consumidor, bem como sua compatibilidade com o que ordinariamente é embarcado em viagens dessa natureza. Dessa forma, considerando que a autora listou os pertences próprios de viagens para o litoral e indicou valores compatíveis com produtos usados, irretocável a sentença vergastada quanto aos danos materiais.; 8. Na lição de Sérgio Cavalieri Filho, “dano moral é a lesão de bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima” (in Programa de Responsabilidade Civil, 2ª Edição, Malheiros Editores, p. 78); 9. A situação vivenciada pela autora, por óbvio, extrapolou os meros dissabores da vida, gerando transtornos que acarretaram na ofensa aos atributos da sua personalidade e perda de tempo útil na tentativa de ter sua bagagemde volta, restando configurado o dano moral; 10. Atento às diretrizes acima, bem como os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, tenho como justo e suficiente o valor de indenização por danos morais já arbitrada na sentença no valor de R$ 2.000,00, quantia capaz de compensar os danos sofridos pela parte autora, sem, contudo, implicar em enriquecimento sem causa; 11. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO; 12. Sentença mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, com súmula de julgamento servindo de acórdão, na forma do artigo 46 da Lei nº 9.099/95; 13. Diante da sucumbência, nos termos do artigo 55 da Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95), condeno o recorrente ao pagamento das custas processuais. Sem condenação em honorários advocatícios, ante a ausência de contrarrazões.

Acesse o PJe2 e confira a íntegra do processo: 0704217-11.2021.8.07.0011

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