Pais de motorista de caminhão morto em acidente de trabalho serão indenizados por danos morais e materiais

Turma reconheceu legitimidade do espólio para ajuizar ação

A Primeira Turma do TRT-MG, em decisão unânime, modificou sentença para reconhecer que o espólio de trabalhador falecido em acidente de trabalho tem legitimidade para ajuizar ação contra o ex-empregador, com pedido de reparação por danos morais em ricochete aos herdeiros ascendentes. Na visão dos julgadores da Turma, se é possível o ajuizamento de ação trabalhista pelo espólio do trabalhador para postular direitos trabalhistas clássicos, como aviso prévio, saldo salarial, horas extras, FGTS etc., o mesmo ocorre com a indenização a título de dano moral/material, que também integra a herança do trabalhador, não se tratando de direito personalíssimo intransferível.

Além de reconhecer a legitimidade do espólio, a Turma condenou a ex-empregadora a pagar aos pais do trabalhador indenização por danos morais de R$ 100 mil e, ainda, por danos materiais, na forma de pensão mensal. Esta última, no valor correspondente a dois terços do valor do último salário do trabalhador (R$ 2.911,57), com inclusão do 13º salário e o terço das férias anuais, até a data em que a vítima atingisse 75 anos de idade (expectativa média de vida do brasileiro segundo o IBGE).

Entenda o caso – O trabalhador foi vítima de acidente de trabalho fatal, enquanto trafegava na BR-101, em 2015. A carreta que ele dirigia tombou durante o transporte de cargas, provocando a morte do empregado. Um motorista, colega de trabalho do falecido, que trafegava atrás da carreta, contou que avistou o veículo e percebeu que a carga estava solta, pendendo o caminhão para um certo lado. Para o espólio do trabalhador, autor da ação ajuizada contra a ex-empregadora, isso demonstra que o caminhão não estava apoiado ao chão de forma segura, o que revela a culpa da empresa, já que a carga não foi amarrada com firmeza.  Na ação que ajuizou contra a ex-empregadora, o espólio pretendia o pagamento de indenização por danos morais e materiais aos pais do trabalhador, em razão dos prejuízos que a morte prematura do filho lhes causou.

A decisão de primeiro grau – A sentença declarou a ilegitimidade do espólio para pedir indenização por danos morais aos herdeiros ascendentes e julgou extinto o pedido, sem resolução do mérito. Quanto à indenização por danos materiais (pensão mensal), entendeu indevida a pretensão, por considerar não comprovada a dependência econômica dos pais em relação ao filho falecido.

O entendimento da Turma – Mas a Turma entendeu de forma diferente e julgou favoravelmente o recurso do espólio do trabalhador. Acolhendo o voto do relator, desembargador Luiz Otávio Linhares Renault, a Turma decidiu que o espólio tem sim legitimidade para interpor ação com pedido de indenização por danos morais em ricochete aos pais do trabalhador falecido em acidente de trabalho.  E mais: a Turma ainda condenou a empresa a pagar aos pais do trabalhador indenização de R$ 100 mil, pelos danos morais que a morte prematura do filho lhes causou. A empresa também foi condenada a pagar indenização por danos materiais aos pais do trabalhador, na forma de pensão mensal, correspondente a dois terços do valor do último salário do filho (R$ 2.911,57), com inclusão do 13º salário e o terço das férias anuais, até a data em que a vítima atingisse 75 anos de idade (expectativa média de vida do brasileiro, segundo o IBGE).

“Com o seu falecimento, todos os bens e direitos transferem-se para os seus herdeiros, nos quais se inclui o direito de ação, que pode ser exercido pelo espólio, visando ao eventual recebimento de todos os direitos de índole trabalhista, inclusive a indenização por dano moral ou dano material em face do ex-empregador. Nesse sentido, o art. 943 do Código Civil: ‘O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança.’”, registrou o relator em seu voto.

Negligência do trabalhador e culpa exclusiva da vítima afastadas – Ao negar os pedidos de indenização, a empresa sustentou culpa exclusiva da vítima para a ocorrência do acidente. Disse que a negligência do motorista na condução da carga foi o que causou a tragédia que lhe tirou a vida. Mas esses argumentos foram afastados na decisão.

Conforme pontuado, a apuração da culpa em matéria de acidente de trabalho deve adequar-se à especial proteção conferida pelo ordenamento jurídico ao empregado, parte hipossuficiente na relação trabalhista. Também foi ressaltado que cabe à empresa assumir os riscos da atividade econômica, o que não se restringe ao aspecto financeiro, mas estende-se ao risco acidentário, o qual exige técnica, aperfeiçoamento, cautela, informação e treinamento ao empregado, em procedimentos viabilizados pela empregadora que, afinal, é a detentora dos meios de produção.

“Constitui, por conseguinte, obrigação da empresa, não apenas implementar medidas que visem à redução dos riscos de acidentes, mas também ações concretas hábeis a ampliar a segurança do trabalhador no local de trabalho. Risco da atividade econômica significa também risco de acidente no ambiente de trabalho”, destacou o relator.  De acordo com o desembargador, na direção da prestação de serviços, cabe à empresa o poder/dever de organizar, fiscalizar e disciplinar. Nesse quadro, ela torna-se responsável pelas lesões sofridas pelo empregado que, afinal, submete-se aos seus comandos.

Para o desembargador, não seria razoável admitir que os riscos do acidente de trabalho sejam transferidos para o trabalhador, se, no momento do acidente, ele fornecia sua força de trabalho em benefício do empreendimento da empregadora. “É da natureza de qualquer atividade econômica a busca por resultados cada vez mais satisfatórios, o que, de certa forma, induz nos colaboradores da empresa uma pressão psicológica que os fazem sacrificar a própria segurança pessoal para dar cabo à execução da prestação de serviço”, frisou. Na conclusão de Linhares Renault, em qualquer circunstância, o trabalho foi a causa determinante para a ocorrência do acidente que tirou a vida do trabalhador.

Culpa da empresa e responsabilidade objetiva do empregador – A culpa da empresa sobressai da falta de adoção de normas ou de medidas que inviabilizassem a ocorrência do acidente, garantindo que o trabalhador agisse de modo a preservar sua segurança pessoal, pontuou o relator. Mas, conforme acrescentou, mesmo que a ré não tivesse contribuído direta ou indiretamente para o acidente, caberia a aplicação, no caso, da teoria da responsabilidade sem culpa do empregador.

Isso porque a empregadora, que tem o poder de direção na prestação de serviços, assume amplamente os riscos sociais de sua atividade econômica e se investe da obrigação de garantir a segurança, bem como a integridade física e psíquica dos seus empregados.

“Não é tolerável que o direito à cidadania, à dignidade, à integridade física e mental, à segurança do trabalhador, seja agredido de forma tão violenta, em razão de acidente fatal durante a execução do trabalho, sem que se impute responsabilidade a quem explora a atividade econômica. Garantir a segurança, a integridade física e mental do empregado é obrigação da empresa”, enfatizou o relator.

Segundo o desembargador, à difícil comprovação da culpa, em casos como esse, soma-se a teoria do risco, prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil. Ele também lembrou que a Constituição da República, no art. 7º, XXII, assegurou como direito dos empregados a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, com o objetivo de proteger a integridade física do trabalhador.

Dano moral – Conforme constou da decisão, o dano moral, no caso, está implícito na própria situação ocorrida, que acarretou consequências na esfera íntima dos familiares da vítima, em seu sentido mais amplo. E os sofrimentos psíquicos causados aos pais do trabalhador, subjetivos e intransferíveis, devem ser reparados, registrou o relator.

Sobre o valor da indenização por danos morais, registrou-se que se deve levar em conta duas finalidades: punir o infrator e compensar os danos causados. “A indenização deve ser fixada em valor suficiente para garantir a punição, cujo caráter é pedagógico, mas não elevado demais para justificar enriquecimento sem causa ou mesmo abuso no direito de (re)educar o infrator”, destacou-se. E, considerando a condição econômica da empregadora, o seu grau de culpa, a hipossuficiência da vítima, o fato de que o empregado faleceu em razão do acidente de trabalho, a indenização por dano moral foi fixada em R$ 100 mil.

Dano material – De acordo com a decisão, a morte do empregado trouxe grave prejuízo material aos familiares, porque, além de retirar do seio familiar o filho, ente querido, retirou a possibilidade de ele ajudar na subsistência da família, gerando desequilíbrio da renda familiar.

“O fundamento para que seja deferida indenização por danos materiais, nos moldes do art. 950 do Código Civil, é a ocorrência de fato pelo qual a vítima não possa mais exercer a sua profissão, para os casos de perda total ou parcial da capacidade laborativa ou morte do empregado, como se deu no presente caso”, pontuou o relator. Ele concluiu que, no caso, o dano material é evidente, motivo pelo qual é devida a reparação aos pais do trabalhador.

Para o cálculo desta indenização, tendo em vista a morte do empregado, foi adotado como parâmetro o valor correspondente a 2/3 do último salário dele, no valor de R$ 2.911,57. É consenso jurisprudencial que 1/3 do salário deve ser destacado para fins de subsistência (em vida) do próprio trabalhador. Os herdeiros, obviamente, não usufruíam integralmente deste valor.

Considerou-se, ainda, a idade do trabalhador à época do acidente fatal (38 anos) e o tempo entre a idade dele e a data em que atingiria 75 anos de idade (expectativa média de vida do brasileiro segundo o IBGE). Foram incluídos 13º salários anuais e 1/3 da remuneração mensal correspondente ao adicional de férias.

A Turma determinou que a indenização seja paga na forma de pensionamento mensal, mês a mês, primeiro por se tratar de parcela de natureza alimentar e também por considerar ser essa a melhor forma de cumprir o objetivo de suprir as necessidades básicas dos pais da vítima. Para garantia do cumprimento da obrigação, determinou-se a constituição de capital pela empresa, com amparo no artigo 533 do CPC.

PJe: 0012249-80.2016.5.03.0044 (RO) – Acórdão em 14/08/2019

 

Confira abaixo jurisprudência do TRT-MG em casos similares

 

Sobre a legitimidade do espólio para pedir indenização por danos morais e materiais aos familiares do trabalhador falecido em acidente de trabalho:

EMENTA: ACIDENTE DO TRABALHO. REPARAÇÕES POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ILEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO. O espólio não detém legitimidade para pleitear reparação em face dos danos morais e materiais sofridos pelos familiares e/ou dependentes econômicos do ex-empregado falecido em razão de acidente do trabalho. Tais pretensões deduzidas em juízo não constituem direito do espólio, assim definido como conjunto de bens, direitos e obrigações deixados pelo de cujus, mas, sim, de direito dos próprios herdeiros/familiares que, direta e pessoalmente, experimentaram a dor e o sofrimento da perda do ente querido e mantenedor do sustento da família. Logo, os herdeiros, e não o espólio, é que são titulares do direito de reclamar, em nome próprio, as indenizações que entendem cabíveis pelos danos advindos do sinistro que resultou no falecimento do trabalhador. (TRT da 3.ª Região; Processo: 00802-2007-053-03-00-3 RO; Data de Publicação: 09/03/2009; Disponibilização: 06/03/2009, DEJT, Página 162; Órgão Julgador: Oitava Turma; Redator: Denise Alves Horta).

EMENTA: ACIDENTE DO TRABALHO. ÓBITO DO TRABALHADOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS AOS HERDEIROS. ILEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO. O espólio não detém legitimidade para pleitear reparação em face do dano pessoal sofrido pelos herdeiros do “de cujus”, falecido em razão de acidente do trabalho, pois, nesse caso, não se trata de um direito do espólio – definido como o conjunto de bens, direitos e obrigações deixados pelo falecido -, mas de um direito dos próprios herdeiros, sendo esses, portanto, e não o espólio, os titulares da ação de indenização. Processo extinto, sem resolução do mérito, por ilegitimidade ativa ad causam (art. 267, VI do CPC). (TRT da 3.ª Região; Processo: 0162400-87.2007.5.03.0104 RO; Data de Publicação: 21/06/2008, DJMG , Página 27; Órgão Julgador: Oitava Turma; Relator: Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta; Revisor: Convocada Wilmeia da Costa Benevides).

Sobre os danos morais e materiais reconhecidos aos pais do trabalhador:

INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DO TRABALHO. Para que haja o dever de reparação, exige-se a presença concomitante dos seguintes requisitos: uma conduta ilícita (dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva), o dano e, finalmente, o nexo de causalidade entre este e aquela, nos termos dos artigos 186 e 927, caput, do Código Civil. Comprovado que o acidente do trabalho típico sofrido pelo empregado, que ocasionou sua morte, decorreu do descaso do empregador quanto às normas de segurança, procede o pedido de responsabilização da reclamada pelos danos morais experimentados pelos reclamantes, pais do trabalhador falecido. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0011040-78.2013.5.03.0142 (RO); Disponibilização: 22/05/2015, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 390; Órgão Julgador: Decima Turma; Relator: Paulo Mauricio R. Pires).

DANOS MORAIS. MÃE DE TRABALHADOR FALECIDO. ACIDENTE DE TRABALHO. A mãe do falecido, mesmo que não seja dependente economicamente, é parte legítima a pleitear danos morais, uma vez que é indiscutível o imenso sofrimento de uma mãe que perde seu filho, ainda mais na hipótese vertente, motivado pela ganância empresarial. Ademais, o dano que ela sofreu decorreu da relação de trabalho, sendo perfeitamente possível a discussão e o pleito nessa especializada. Ainda, temos que seu sofrimento é denominado como um dano em ricochete, ou então dano reflexo, diante da proximidade com o trabalhador que foi vitimado pelo ato ilícito patronal. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010006-59.2016.5.03.0111 (RO); Disponibilização: 14/06/2019, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 1161; Órgão Julgador: Setima Turma; Relator: Fernando Antonio Viegas Peixoto)

EMENTA: ACIDENTE DO TRABALHO FATAL. O falecimento do trabalhador provoca dano moral nos familiares, dado o sentimento de tristeza causado pela perda do ente querido. Azevedo Marques, citado por Carlos Roberto Gonçalves, afirma que a expressão “luto da família” contida no artigo 948, II, do Código Civil, deve ser entendida como o sentimento de tristeza causado pelo falecimento de pessoa querida (Comentário, RF, 78:548). No mesmo sentido Yussef Said Cahali ensina que este artigo tem a finalidade não só de ressarcir os danos materiais sofridos em razão do tratamento da vítima e seu funeral “mas, sim, de propiciar aos seus familiares ainda uma compensação pecuniária reparatória do dano moral, que lhes possibilite, para satisfação pessoal e conforto espiritual, tributar à memória do falecido o preito de saudade e a reverência póstuma” (Dano Moral, 2. ed, Revista dos Tribunais). O reconhecimento da ofensa moral, no caso resulta da gravidade da situação e da comprovada conduta ilícita atribuída ao empregador que concorreu com culpa para a ocorrência do infortúnio. A perda do entre querido configura dano moral (dano em ricochete). Por esse motivo, nem mesmo se exige dos familiares a comprovação do sofrimento, bastando, para tanto a demonstração do nexo de causalidade e da culpa da empregadora de modo a evidenciar o direito à indenização por danos morais nesse caso. A responsabilidade civil, no caso, conta com o respaldo do artigo 5º, X, da Constituição e artigos 186 e 948 do Código Civil. (TRT da 3.ª Região; Processo: 0002140-47.2013.5.03.0097 RO; Data de Publicação: 11/09/2018; Disponibilização: 10/09/2018, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 1960; Órgão Julgador: Setima Turma; Relator: Cristiana M.Valadares Fenelon; Revisor: Paulo Roberto de Castro).

ACIDENTE DO TRABALHO. FALECIMENTO DO TRABALHADOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AÇÃO MOVIDA PELO PAI. LEGITIMIDADE. Postulando o autor direito próprio, já que a causa de pedir da indenização é o sofrimento por ele experimentado pela perda do filho e não aquele que afligiu o de cujus, é irrelevante o fato de ele ser ou não herdeiro do falecido, pois o direito em questão não possui caráter sucessório. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010477-82.2016.5.03.0141 (RO); Disponibilização: 23/03/2017, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 336; Órgão Julgador: Nona Turma; Redator: Convocado Marcio Jose Zebende).

INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DO TRABALHO. Para que haja o dever de reparação, exige-se a presença concomitante dos seguintes requisitos: uma conduta ilícita (dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva), o dano e, finalmente, o nexo de causalidade entre este e aquela, nos termos dos artigos 186 e 927, caput, do Código Civil. Comprovado que o acidente do trabalho típico sofrido pelo empregado, que ocasionou sua morte, decorreu do descaso do empregador quanto às normas de segurança, procede o pedido de responsabilização da reclamada pelos danos morais experimentados pelos reclamantes, pais do trabalhador falecido. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0011040-78.2013.5.03.0142 (RO); Disponibilização: 22/05/2015, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 390; Órgão Julgador: Decima Turma; Relator: Paulo Mauricio R. Pires).

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