A ação de oposição, prevista no artigo 682 do Código de Processo Civil, não é cabível quando o objetivo é substituir o autor originário no polo ativo da demanda principal, porém, em respeito ao princípio da instrumentalidade das formas, pode ser aproveitada como ação conexa.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso especial que pedia a declaração de nulidade do processo, depois que as instâncias ordinárias acolheram a oposição e substituíram a parte no polo ativo de uma ação que discute indenização do seguro habitacional por vícios na construção de imóvel financiado.
O imóvel foi objeto de cessão de direitos. O cedente (vendedor) ajuizou ação contra a seguradora reclamando indenização pelos erros construtivos, e a cessionária (compradora) entrou com oposição contra ele, a seguradora e o banco financiador, alegando ser a titular do direito de indenização, já que adquiriu os direitos sobre o imóvel.
Ao negar provimento ao recurso especial do vendedor do imóvel, o colegiado entendeu que, na situação dos autos, a ação de oposição ajuizada pela cessionária não era mesmo cabível, mas poderia ser aproveitada em razão da existência de conexão entre ela e a demanda principal.
Pretensão do opoente é incompatível com os pedidos das partes da ação principal
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) manteve a sentença que acolheu a oposição para substituir o cedente pela cessionária no polo ativo da ação indenizatória. De acordo com a corte local, a comprovação do exercício da posse sobre o imóvel financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH) legitima o possuidor a reclamar o pagamento do seguro.
O relator do recurso no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, observou que a oposição é o procedimento por meio do qual alguém apresenta sua pretensão contra ambas as partes de outro processo pendente, ou seja, é necessária a existência de relação de prejudicialidade entre a pretensão do opoente e as dos demais.
“Uma das características essenciais da oposição é a incompatibilidade entre a pretensão do opoente e as pretensões dos opostos, de modo que a procedência da oposição implica necessariamente a improcedência da demanda principal”, comentou o ministro.
Ele destacou que essa relação de prejudicialidade não se verifica no caso, pois a controvérsia da oposição, sobre quem seria o titular do direito à indenização, não determina o julgamento do pedido formulado na ação principal. “Seja quem for o titular do direito, cedente ou cessionário, esse fato não determinaria a condenação da seguradora ao pagamento da indenização”, disse.
Instrumentalidade das formas permite aproveitar o ato processual
De acordo com o magistrado, o STJ tem precedente que considerou incabível o uso da ação de oposição com o objetivo de substituir as partes da demanda principal.
Apesar do descabimento da oposição, Sanseverino afirmou que princípio da instrumentalidade das formas permite que um juiz considere válido o ato quando, realizado de outro modo, alcance a finalidade a que se propõe. Com base nisso, o ministro deixou de declarar a nulidade do processo, por reconhecer a existência de conexão – pelo pedido e pela causa de pedir (artigo 55 do Código de Processo Civil) – entre a demanda principal e a outra, indevidamente chamada de oposição, de modo que possam ser julgadas simultaneamente.
O relator argumentou, ainda, não ser possível discutir se houve, ou não, a transferência da titularidade do direito à indenização, nem se o ajuizamento da demanda indenizatória teria ocorrido antes da quitação do preço referente à cessão de direitos sobre o imóvel, como afirmou o recorrente.
“O acolhimento dessas alegações demandaria, necessariamente, uma exegese das cláusulas do acordo de cessão de direitos celebrado entre as partes, para verificar se a transferência de direitos foi ou não condicionada à quitação do preço, providência que encontra óbice na Súmula 5/STJ“, concluiu o ministro ao negar provimento ao recurso.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL . SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR VÍCIO CONSTRUTIVO. CESSÃO DE DIREITOS SOBRE IMÓVEL FINANCIADO. OPOSIÇÃO DA CESSIONÁRIA EM FACE DO CEDENTE. DESCABIMENTO DO PROCEDIMENTO DA OPOSIÇÃO PARA VEICULAR PRETENSÃO DE MERA SUBSTITUIÇÃO DE UM DOS POLOS DA DEMANDA. DOUTRINA E JULGADO DESTA CORTE SUPERIOR. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. APROVEITAMENTO DA OPOSIÇÃO COMO AÇÃO CONEXA À PRINCIPAL. DESCABIMENTO DA ANULAÇÃO DO PROCESSO. CONTROVÉRSIA ACERCA DA TITULARIDADE DA INDENIZAÇÃO. NECESSIDADE DE EXEGESE DAS CLÁUSULAS DO ACORDO DE CESSÃO DE DIREITOS SOBRE O IMÓVEL. ÓBICE DA SÚMULA 5/STJ.
1. Controvérsia de fundo pertinente à titularidade do direito a indenização do seguro habitacional por vícios construtivos, na hipótese em que o imóvel foi cedido a terceiro, tendo havido ação indenizatória ajuizada pelo cedente, e oposição ajuizada pela cessionária.
2. Nos termos do art. 682 do CPC/2015, “quem pretender, no todo ou em parte, a coisa ou o direito sobre que controvertem autor e réu poderá, até ser proferida a sentença, oferecer oposição contra ambos”.
3. Descab imento do procedimento da oposição na hipótese em que a opoente deduz pretensão não prejudicial à demanda principal, pretendendo, em verdade, suceder o opoente no polo ativo desta demanda. Doutrina e julgado desta Corte Superior.
4. Caso concreto em que a oposição não seria cabível, pois não se verifica a mencionada relação de prejudicialidade, tendo havido apenas sucessão no polo ativo da lide principal.
5. Possibilidade de aproveitamento da oposição como ação conexa à principal, aplicando-se ao caso o princípio da instrumentalidade das formas. Doutrina sobre o tema.
6. Inviabilidade de se conhecer da alegação de nulidade do processo por suposta falta de citação dos litisconsortes necessários, pois, tratando-se de litisconsórcio simples, eventual falta de citação implicaria tão somente a ineficácia da sentença contra os litisconsortes não citados (cf. art. 115, inciso II, do CPC/2015).
7. Inviabilidade de se conhecer da controvérsia pertinente à titularidade do direito à indenização no âmbito desta Corte Superior, pois tal providência demandaria exegese de cláusulas contratuais, especificamente das cláusulas do acordo de cessão de direitos sobre imóvel, providência que encontra óbice na Súmula 5/STJ.
8. Inaplicabilidade ao caso das teses definidas nos Temas 520 a 523/STJ, pertinentes à legitimidade ativa do adquirente de imóvel por meio de “contrato de gaveta”, pois a seguradora não suscitou essa questão preliminar nos autos.
9. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
Leia o acórdão no REsp 1.889.164.