A morte de uma segurada em acidente de trânsito ocasionado pelo seu estado de embriaguez não afasta a obrigação da seguradora de pagar o capital segurado aos beneficiários.
A decisão unânime foi da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso de seguradora, que não queria pagar à família da falecida indenização decorrente de seu seguro de vida.
O juízo de primeiro grau entendeu que houve a perda do direito à indenização em razão de o acidente ter ocorrido pelo uso de álcool por parte da segurada, e considerou legítima a cláusula contratual do seguro nesse sentido.
O entendimento foi reformado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que condenou a seguradora a pagar indenização aos beneficiários da segurada no valor de R$ 9.178,80. Tal entendimento foi mantido no STJ.
O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, explicou que as diferentes espécies de seguros são reguladas pelas cláusulas das respectivas apólices – que, para serem idôneas, não devem contrariar disposições legais nem a finalidade do contrato.
Ele reconheceu que o segurador não pode ser obrigado a incluir na cobertura todos os riscos de uma mesma natureza, “já que deve possuir liberdade para oferecer diversos produtos oriundos de estudos técnicos, pois, quanto maior a periculosidade do risco, maior será o valor do prêmio”.
Seguro de automóvel x seguro de vida
O ministro observou que, no contrato de seguro de automóvel, é lícita a cláusula que prevê a exclusão de cobertura para acidente de trânsito decorrente da embriaguez do segurado que assumiu a direção do veículo alcoolizado, pois há o indevido agravamento do risco.
Por outro lado, no contrato de seguro de vida, cuja cobertura é naturalmente ampla, é vedada a exclusão de cobertura de acidentes decorrentes de atos do segurado em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas, conforme a carta circular editada pela Superintendência de Seguros Privados Susep/Detec/GAB 08/2007, explicou o relator.
“As cláusulas restritivas do dever de indenizar no contrato de seguro de vida são mais raras, visto que não podem esvaziar a finalidade do contrato, sendo da essência do seguro de vida um permanente e contínuo agravamento do risco segurado”, afirmou o ministro.
Para Villas Bôas Cueva, apesar de a segurada ter falecido em razão de acidente que ela mesma provocou pelo seu estado de embriaguez, permanece a obrigação da seguradora de pagar o capital aos beneficiários, sendo abusiva a previsão contratual em sentido contrário, conforme estabelecem os artigos 3º, parágrafo 2º, e 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. SEGURO DE VIDA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CAUSA DO SINISTRO. EMBRIAGUEZ DO SEGURADO. MORTE ACIDENTAL. AGRAVAMENTO DO RISCO. DESCARACTERIZAÇÃO. DEVER DE INDENIZAR DA SEGURADORA. ESPÉCIE SECURITÁRIA. COBERTURA AMPLA. CLÁUSULA DE EXCLUSÃO. ABUSIVIDADE. SEGURO DE AUTOMÓVEL. TRATAMENTO DIVERSO.1. Cinge-se a controvérsia a definir se é devida indenização securitária decorrente de contrato de seguro de vida quando o acidente que vitimou o segurado decorreu de seu estado de embriaguez.2. No contrato de seguro, em geral, conforme a sua modalidade, é feita a enumeração dos riscos excluídos no lugar da enumeração dos riscos garantidos, o que delimita o dever de indenizar da seguradora.3. As diferentes espécies de seguros são reguladas pelas cláusulas das respectivas apólices, que, para serem idôneas, não devem contrariar disposições legais nem a finalidade do contrato.4. O ente segurador não pode ser obrigado a incluir na cobertura securitária todos os riscos de uma mesma natureza, já que deve possuir liberdade para oferecer diversos produtos oriundos de estudos técnicos, pois quanto maior a periculosidade do risco, maior será o valor do prêmio.5. É lícita, no contrato de seguro de automóvel, a cláusula que prevê a exclusão de cobertura securitária para o acidente de trânsito (sinistro) advindo da embriaguez do segurado que, alcoolizado, assumiu a direção do veículo. Configuração do agravamento essencial do risco contratado, a afastar a indenização securitária. Precedente da Terceira Turma.6. No contrato de seguro de vida, ocorrendo o sinistro morte do segurado e inexistente a má-fé dele (a exemplo da sonegação de informações sobre eventual estado de saúde precário – doenças preexistentes – quando do preenchimento do questionário de risco) ou o suicídio no prazo de carência, a indenização securitária deve ser paga ao beneficiário, visto que a cobertura neste ramo é ampla.7. No seguro de vida, é vedada a exclusão de cobertura na hipótese de sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas (Carta Circular SUSEP⁄DETEC⁄GAB n° 08⁄2007).8. As cláusulas restritivas do dever de indenizar no contrato de seguro de vida são mais raras, visto que não podem esvaziar a finalidade do contrato, sendo da essência do seguro de vida um permanente e contínuo agravamento do risco segurado.9. Recurso especial não provido.