A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, XXIX, assegura a proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país.
De acordo com a Lei 9.279/96, ou Lei da Propriedade Industrial (LPI), a marca tem como objetivo distinguir um produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), são frequentes as disputas entre empresas tanto de mesmo segmento, quanto de segmentos diferentes, pela exclusividade do uso de determinada marca. O entendimento nas turmas de direito privado do STJ é de que o direito marcário deve, ao mesmo tempo, garantir o interesse dos titulares das marcas e proteger o consumidor de eventuais confusões quanto ao produto que compra ou ao serviço que lhe é prestado.
Registro
No Brasil, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), autarquia federal vinculada ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, é o responsável pelo registro de marcas.
O registro garante ao seu proprietário o direito de uso exclusivo da marca no território nacional em seu ramo de atividade econômica, além de agregar valor aos produtos ou serviços da empresa perante o consumidor.
Entre os principais temas abordados nos julgamentos do STJ sobre direito marcário estão o direito de exclusividade de marca para produtos ou serviços de mesmo segmento mercadológico; o direito de exclusividade de marca para produtos ou serviços de segmentos distintos; o direito de propriedade do conjunto-imagem (trade dress); e o direito de danos morais pela importação ou comercialização de produtos contrafeitos de marca registrada.
Mesmo segmento
Ao julgar o REsp 1.741.348, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma do STJ deu provimento ao apelo das proprietárias das marcas Cavalera e K2 contra a Zara Brasil, para reconhecer a violação da marca figurativa das recorrentes pela empresa recorrida.
No caso analisado, a Cavalera e a K2 alegaram que o uso indevido pela Zara do sinal gráfico por elas já registado (uma águia de duas cabeças com asas abertas) poderia confundir o público consumidor, já que as empresas atuam no segmento de comércio de peças de vestuário. Disseram que a atitude da Zara configurava ato de concorrência desleal, visto que se trata de marca notoriamente conhecida e desejada por seus consumidores.
Ao proferir seu voto, a ministra relatora destacou que o elemento figurativo da águia bicéfala representada com as asas abertas é um símbolo de uso disseminado no mundo inteiro desde, no mínimo, a Idade Média, sendo assim impossível constituir exclusividade dos recorrentes para uso em qualquer contexto.
A ministra ressaltou, porém, que isso “não enseja o reconhecimento de que terceiros, que atuam no mesmo segmento mercadológico do titular de marca registrada, possam adotar representação figurativa igual ou semelhante para identificar produtos pertencentes à mesma classe, sob risco evidente de se propiciar confusão ou associação indevida junto ao público consumidor”.
Recentemente, ao julgar o REsp 1.688.243, a Quarta Turma negou provimento ao recurso especial interposto pela empresa IGB Eletrônica, dona da marca Gradiente, e pelo INPI, que pretendia obter a exclusividade de uso da marca Iphone no Brasil. Com a decisão, a IGB (em recuperação judicial) pode continuar a utilizar a marca G Gradiente Iphone, registrada por ela, porém sem exclusividade sobre a palavra “iphone” isoladamente.
Em seu voto, o ministro relator, Luis Felipe Salomão, destacou que o direito de uso exclusivo da marca não é absoluto, prevendo o ordenamento jurídico limites tanto na especificidade, quanto na territorialidade.
Salomão ressaltou que também é preciso levar em consideração as hipóteses em que o sinal sugestivo, em função do uso ostensivo e continuado, vincula os consumidores aos produtos e serviços oferecidos por determinada empresa, como é o caso da Apple, produtora do iPhone.
“No que diz respeito às marcas, reitere-se que sua proteção não tem apenas a finalidade de assegurar direitos ou interesses meramente individuais do seu titular, mas objetiva, acima de tudo, proteger os adquirentes de produtos ou serviços, conferindo-lhes subsídios para aferir a origem e a qualidade do produto ou serviço, tendo por escopo, ainda, evitar o desvio ilegal do cliente e a prática do proveito econômico parasitário”, afirmou o magistrado.
Segmentos distintos
No REsp 1.209.919, a Quarta Turma, por unanimidade, rejeitou o pedido da empresa francesa Champagne Moët & Chandon que visava a impedir que uma danceteria localizada em Florianópolis continuasse a usar o nome Chandon.
A empresa francesa alegou que o uso do nome Chandon pela danceteria poderia causar confusão aos consumidores, sobretudo pelo fato de a danceteria oferecer aos clientes bebidas da sua marca. Segundo a Moët & Chandon, a casa de dança utilizou o nome por ela registrado na França sem sua autorização.
A produtora de espumantes alegou ainda que o artigo 126 da LPI confere proteção especial à marca notoriamente conhecida, independentemente de formalização de registro no Brasil. A empresa destacou que o dispositivo legal tem respaldo na Convenção de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, da qual o Brasil é signatário.
Em seu voto, o relator do recurso, desembargador convocado Lázaro Guimarães, reconheceu que a empresa goza da proteção prevista no artigo 126 da Lei 9.279/96. Entretanto, ressaltou que essa proteção se restringe ao mesmo ramo de atividade, diferentemente do que ocorre com as marcas de alto renome, cuja proteção é estendida para todos os ramos de atividade, conforme o artigo artigo 125 da LPI.
O magistrado também explicou que, no caso analisado, é aplicável o princípio da especialidade, o qual autoriza a coexistência de marcas idênticas, desde que os respectivos produtos ou serviços pertençam a ramos de atividades diferentes.
“No caso dos autos, o uso das duas marcas não é capaz de gerar confusão aos consumidores, assim considerando o homem médio, mormente em razão da clara distinção entre as atividades realizadas por cada uma delas. Não há risco, de fato, de que o consumidor possa ser levado a pensar que a danceteria seria de propriedade (ou franqueada) da Moët & Chandon francesa, proprietária do famoso champanhe”, concluiu o relator.
Trade dress
Outro conceito importante relacionado ao tema de proteção à propriedade das marcas é o de trade dress – elementos visuais e sensitivos vinculados a determinada identidade visual do produto ou serviço.
No REsp 1.527.232, julgado pela Segunda Seção sob o rito os repetitivos, ficou definido que as questões acerca de trade dress (conjunto-imagem), concorrência desleal e outras demandas afins, por não envolverem registro no INPI e cuidando-se de ação judicial entre particulares, é de competência da Justiça estadual, já que não afeta interesse institucional da autarquia federal.
No entanto, compete à Justiça Federal, em ação de nulidade de registro de marca, com a participação do INPI, impor ao titular a abstenção do uso, inclusive no tocante à tutela provisória. As teses foram cadastradas sob o Tema 950.
No caso analisado pela seção, o grupo Natura questionou a utilização indevida do conjunto-imagem de seus produtos pelo grupo Jequiti. De acordo com a Natura, além do uso indevido de sua logomarca, os produtos Jequiti reproduziam a identificação de uma linha completa de cosméticos em roupagem (trade dress) extremamente semelhante à dos seus produtos.
O relator do processo, ministro Luis Felipe Salomão, destacou que a proteção ao trade dress decorre de expresso mandamento constitucional, que se constata na leitura do artigo 5º, XXIX, da Constituição.
Salomão explicou ainda que o ordenamento jurídico brasileiro não reconhece a proteção exclusiva do conjunto-imagem integral, com todos os seus elementos característicos, e que a proteção jurídica do conjunto-imagem está situada no âmbito da concorrência desleal, por isso não envolve interesse institucional do INPI.
“De fato, normalmente o que se efetiva é o registro da marca perante o INPI em sua apresentação nominativa (ou seja, somente o nome do produto, sem qualquer estilização), inexistindo especial atenção no sentido de se protegerem os demais elementos do trade dress”, afirmou o relator.
Produtos contrafeitos
Em 2016, a Terceira Turma, no julgamento do REsp 1.535.668, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, decidiu que é prescindível a exposição ao mercado ou a comercialização do produto contrafeito para que fique caracterizada a existência de dano moral ao titular da marca ilicitamente reproduzida.
No caso analisado, o grupo Nike ajuizou ação de danos morais contra a empresa Imadco Comércio de Brinquedos Eletrônicos após notificação de que 3.636 pares de meias adotando reprodução de marca de sua titularidade haviam sido retidas pela autoridade alfandegária diante da suspeita de contrafação, posteriormente confirmada por laudo técnico de constatação. A Nike também requereu a apreensão e destruição dos produtos contrafeitos.
“O prejuízo suportado, no particular, prescinde de comprovação, pois se consubstancia na própria violação de um direito autônomo, derivando da própria natureza da conduta perpetrada. A demonstração do dano, assim, se confunde com a demonstração da existência do fato – contrafação –, cuja ocorrência é premissa assentada pelas instâncias de origem”, afirmou a relatora em seu voto.
No mesmo sentido, no REsp 1.674.370, também de relatoria da ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma condenou uma empresa que, sem autorização, produzia carteiras e mochilas com emblemas de quatro times de futebol a pagar R$ 5 mil por danos morais a cada um dos clubes.
Em seu voto, a relatora ressaltou que a jurisprudência do tribunal é firme no entendimento de que, “para além da questão da vulgarização, deve-se reconhecer que a contrafação também pode lesar a honra objetiva do titular da marca, na medida em que os produtos contrafeitos revelem qualidade precária”.
Ainda sobre o tema, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, no julgamento do REsp 1.432.219, explicou que “a proteção à marca garantida pelo ordenamento jurídico apresenta dupla finalidade: proteger o seu titular contra a concorrência desleal e resguardar o consumidor, que, ao optar por uma determinada marca, espera um certo padrão de qualidade já pessoalmente experimentado ou conhecido de outra forma”.
Para o ministro, “a contrafação compromete essas duas finalidades da proteção à marca, uma vez que, de um lado, representa comportamento parasitário caracterizador de concorrência desleal e, de outro, pode levar à confusão no consumidor, a culminar na vulgarização da marca”.
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