A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, quando cessado o comodato de imóvel comum, por meio de notificação judicial ou extrajudicial, o condômino privado da sua posse tem o direito de receber aluguéis, proporcionais a seu quinhão, dos proprietários que permaneceram na posse exclusiva do bem. Para o colegiado, tal medida é necessária para evitar o enriquecimento sem causa da parte que usufrui da coisa.
A decisão teve origem em ação ajuizada por alguns condôminos para receber aluguéis dos imóveis em condomínio onde estavam instaladas empresas das quais eles tinham sido sócios. Os autores alegaram que havia sido acertado com os demais condôminos, sócios das empresas, o valor de aluguéis pelo uso dos imóveis, mas o acordo não chegou a ser formalizado e os pagamentos não foram feitos.
As empresas e os seus sócios, por sua vez, alegaram que os imóveis lhes foram cedidos em comodato e que, não tendo havido denúncia do contrato de comodato, não seria cabível o arbitramento de aluguéis. Segundo eles, a cessão em comodato foi decidida pela maioria dos proprietários, o que afastaria a obrigação de indenizar os demais pelo uso exclusivo.
Na primeira instância, as empresas foram condenadas a pagar os aluguéis vencidos, com juros e correção, a partir do valor de R$ 50,3 mil fixado para o ano de 2003 – decisão mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
Vedação ao enriquecimento sem causa é princípio geral do direito
Em seu voto, o relator do processo no STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira, destacou que a jurisprudência do tribunal orienta que, quando não há ajuste a respeito do prazo do comodato, o comodante, após o decurso de tempo razoável para a utilização da coisa, poderá promover a resilição unilateral do contrato e requerer a restituição do bem, cabendo ao comodatário, até restituí-lo, pagar aluguel pela posse injusta.
Segundo o ministro, a jurisprudência também estabelece que a utilização da coisa comum com exclusividade por um dos coproprietários, impedindo o exercício dos atributos da propriedade pelos demais, enseja o pagamento de indenização.
O magistrado ressaltou que as instâncias de origem chegaram à mesma conclusão, tendo o TJSP, inclusive, fundamentado sua decisão no princípio geral de direito que veda o enriquecimento sem causa (Código Civil de 2002, artigo 884). “Nesses termos, é de rigor manter a referida verba indenizatória”, afirmou Antonio Carlos Ferreira.
Não houve notificação extrajudicial válida
Outros dois pontos salientados pelo relator foram a forma de constituição em mora dos comodatários e o termo inicial de apuração do pagamento, pois, conforme os autos, não houve notificação extrajudicial válida aos condôminos que usufruíam com exclusividade do imóvel comum.
“Conforme orientação dominante do STJ, inexistindo notificação extrajudicial dos condôminos que usufruem com exclusividade do imóvel comum, a constituição em mora poderá ocorrer pela citação nos autos da ação de arbitramento de aluguéis, momento a partir do qual o referido encargo é devido”, destacou o ministro.
O recurso ficou assim ementado:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. APRECIAÇÃO DE TODAS AS QUESTÕES RELEVANTES DA LIDE PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE AFRONTA AOS ARTS. 128 e 535 DO CPC⁄1973. DIREITO DE RETENÇÃO, NÃO INDICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS VIOLADOS. SÚMULA N. 284⁄STF. REPETIÇÃO DA PROVA PERICIAL. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA N. 7⁄STJ. COMODATO. EXTINÇÃO. OCUPAÇÃO EXCLUSIVA DE PARCELA DOS CONDÔMINOS. INDENIZAÇÃO. ALUGUÉIS. POSSIBILIDADE. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. MORA. CITAÇÃO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. SÚMULA N. 7⁄STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. DECISÃO MANTIDA.1. Inexiste afronta aos art. 128 e 535 do CPC⁄1973 quando o acórdão recorrido pronuncia-se, de forma clara e suficiente, acerca das questões suscitadas nos autos, manifestando-se sobre todos os argumentos que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo.2. A falta de indicação dos dispositivos legais supostamente violados impede o conhecimento do recurso especial (Súmula n. 284⁄STF). De tal ônus os recorrentes não se desincubiram em relação ao alegado de direito de retenção por benfeitorias realizadas nos imóveis.3. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmula n. 7⁄STJ).3.1. No caso concreto, para alterar a conclusão do Tribunal de origem, acolhendo a pretensão de declarar a nulidade da prova pericial e, por consequência, repetir o ato, seria imprescindível nova análise da matéria fática, inviável em recurso especial.4. Cessado o comodato, por meio de notificação judicial ou extrajudicial, o condômino privado da posse do imóvel tem direito ao recebimento de aluguéis proporcionais a seu quinhão dos proprietários que permaneceram na posse exclusiva do bem, medida necessária para evitar o enriquecimento sem causa da parte que usufrui da coisa. Precedentes.5. A subsistência de fundamento jurídico inatacado obsta o conhecimento do recurso especial a teor do que orienta a nota n. 283 da Súmula do STF.5.1. Na espécie, a conclusão da Corte local encontra fundamento, também, no princípio geral de direito que veda o enriquecimento sem causa (CC⁄2002, art. 884), motivação não expressamente impugnada nas razões recursais.6. Conforme orientação dominante do STJ, inexistindo notificação extrajudicial dos condôminos que usufruem com exclusividade o imóvel comum, a constituição em mora poderá ocorrer pela citação nos autos da ação de arbitramento de aluguéis, momento a partir do qual o referido encargo é devido, como é a situação dos autos.7. Sem incorrer na vedação da Súmula n. 7⁄STJ, não há como averiguar, em recurso especial, se os recorridos teriam praticado condutas merecedoras de multa por litigância de má-fé.8. “A aferição do percentual em que cada litigante foi vencedor ou vencido ou a conclusão pela existência de sucumbência mínima ou recíproca das partes encontra óbice na Súmula 7⁄STJ” (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.274.020⁄DF, Relator Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 31⁄8⁄2020, DJe 9⁄9⁄2020).9. “A interposição de recursos cabíveis não implica litigância de má-fé nem ato atentatório à dignidade da justiça, ainda que com argumentos reiteradamente refutados pelo Tribunal de origem ou sem alegação de fundamento novo” (AgRg nos EDcl no REsp n. 1.333.425⁄SP, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe 4⁄12⁄2012), o que ocorreu.10. O conhecimento do recurso pela alínea “c” do permissivo constitucional exige a indicação do dispositivo legal ao qual foi atribuída interpretação dissonante e a demonstração da divergência, mediante o cotejo analítico do acórdão recorrido e dos arestos paradigmas, de modo a se verificarem as circunstâncias que assemelhem ou identifiquem os casos confrontados (arts. 255, § 1, do RISTJ e 1.029, § 1º, do CPC⁄2015). Ausentes tais requisitos, incide a Súmula n. 284⁄STF.11. Recurso especial a que se nega provimento.
Leia o acórdão no REsp 1.953.347.