A 6ª Turma do Tribunal Regional da 1ª Região (TRF1) manteve a sentença que determinou o retorno à Irlanda de um menor trazido ao Brasil pela mãe, sem conhecimento do pai. O pedido de retorno havia sido feito pela União, pois cabe à jurisdição do país de residência da criança decidir questões relativas à guarda e à vida da criança.
DIREITO INTERNACIONAL. CONVENÇÃO DA HAIA SOBRE OS ASPECTOS CIVIS DO SEQUESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS. AÇÃO DE BUSCA, APREENSÃO E RESTITUIÇÃO DE MENOR. DECRETO N. 3.413/2000. CONVENÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA – ONU. DECRETO N. 99.710/90. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. TRANSFERÊNCIA E RETENÇÃO ILÍCITA CONFIGURADAS. ALIENAÇÃO PARENTAL ATESTADA POR LAUDO PERICIAL. LEI N. 12.318/2010. PEDIDO DE RETORNO FORMULADO ANTES DE 1 (UM) ANO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE FATOS IMPEDITIVOS. DETERMINADO O IMEDIATO RETORNO. SENTENÇA MANTIDA.
1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente pedido formulado pela União e determinou o retorno ao seu país de origem, a Irlanda, de criança trazida ao Brasil pela mãe à revelia do genitor.
2. Nos termos do art. 99 do CPC, presume-se como verdadeira a alegação de insuficiência de recursos por parte da pessoa natural, podendo o juiz indeferir o pedido somente se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade (§§ 2º e 3º). Na hipótese dos autos, não houve prova da renda auferida pela apelante, que se apresenta como professora de instituição de ensino superior. Benefício indeferido à míngua de comprovação.
3. A matéria objeto do litígio é tratada pela “Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças”, realizada na cidade de Haia, na Holanda, em 25/10/1980, e internalizada no nosso ordenamento jurídico por meio do Decreto n. 3.413, de 14/04/2000, que prevê a adoção de medidas judiciais visando à restituição ao país de residência habitual de menores ilicitamente transferidos para o território nacional.
4. A denominada “Convenção da Haia” tem por objetivo assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado ou nele retidas indevidamente e fazer respeitar de maneira efetiva “nos outros Estados Contratantes os direitos de guarda e de visita existentes num Estado Contratante” (art. 1º) e é tida, nos dias de hoje, como principal ferramenta internacional a proteger o exercício do direito de guarda a quem tem criança subtraída de um Estado para outro.
5. O julgamento das causas relativas ao tema deve ter como parâmetro, entre outros previstos na própria Convenção, o princípio do melhor interesse da criança, previsto na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pela ONU em 1989 e internalizada pelo Decreto n. 99.710/90. O Superior Tribunal de Justiça destaca que “De acordo com o artigo 3.1 da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (ONU/1989), ratificada no Brasil pelo Decreto 99.710/90, ‘Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança”. (Recurso Especial n 1.880.584/SP, relator Ministro SÉRGIO KUKINA, Primeira Turma, julgado em 13/10/2020, DJe 18/11/2020).
6. O art. 3º da Convenção estabelece os critérios para que a transferência ou retenção de um infante seja considerada ilícita. Os arts. 12, 13 e 20, por sua vez, estabelecem, respectivamente, critério temporal para a determinação de retorno imediato da criança ao país de origem e exceções à regra geral da devolução da criança ao seu lar originário. No que diz respeito a esse retorno imediato, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que “A Convenção acolhe a presunção de que o retorno imediato do ilicitamente subtraído ao país de residência habitual – juízo natural para eventuais controvérsias sobre guarda e Direito de Família – representa providência que melhor atende ao interesse da criança. Cumpre lembrar que, no plano ético-político dos valores amparados, a expressão ‘subtração internacional de criança’ encerra, simultaneamente, ataque ao menor envolvido, à paz internacional nas relações de família e à jurisdição natural do país de residência habitual.” (Recurso Especial n. 1.723.068/RS, relator Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, julgado em 08/09/2020, DJe 18/12/2020).
7. No caso dos autos, a criança nasceu na Irlanda em 20/01/2011, filha de pai irlandês e de mãe brasileira, e foi trazida entre os meses de maio e junho de 2016 para o Brasil à revelia de seu pai, que, ao saber da subtração em 05/06/2016, imediatamente acionou as autoridades irlandesas.
8. Em 14/06/2016 teve início o procedimento administrativo perante a Autoridade Central Brasileira (Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH), devendo ser aplicado à espécie o art. 12 da Convenção, que determina o retorno imediato do infante: “Quando uma criança tiver sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do Artigo 3 e tenha decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da transferência ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado Contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva deverá ordenar o retorno imediato da criança.”
9. As alegações de que a apelante teria sido vítima de violência doméstica não foram provadas, tampouco está caracterizado risco grave à saúde física ou psíquica da menor de modo a incidir nas exceções da regra do retorno da criança ao Estado de origem. As diversas tentativas de acordo entre os pais da menor se revelaram infrutíferas, conforme minuciosamente relatado pelo juízo a quo na sentença.
10. Os dois laudos periciais determinados pelo juízo de primeiro grau, sucessivamente, e produzidos por diferentes peritos (o segundo com o propósito de aferir a ocorrência de alienação parental) concluíram, em síntese: a) que não há indícios de que a menor tenha sofrido violência por parte de seu pai ou de sua família irlandesa com quem morou até os 4 (quatro) anos de idade; b) que a criança, embora mais apegada à mãe, gostaria de conviver com ambos os genitores e c) que houve a prática de alienação parental por parte de sua mãe, a apelante.
11. A Lei n. 12.318/2010 define a figura da alienação parental em seu art. 2º, in verbis: “ Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.”
12. Em que pesem as alegações da apelante, não há provas: a) de que o pai da criança a tratasse mal; b) de que o genitor pudesse ser preso em decorrência de ações judiciais que tramitam, na Irlanda, em seu desfavor, decorrentes de dívidas comerciais; c) de que a relação do genitor com a filha fosse ruim ou que houvesse descaso por parte dele e d) de que a criança repudie os contatos com seu pai.
13. Indubitável a prática de ato ilícito por parte da apelante, genitora da menor, ao retirá-la de seu país sem o consentimento de seu pai. Tendo presente a prova produzida nos autos, a legislação aplicável à espécie e o princípio do melhor interesse da criança, a menor deve ser devolvida imediatamente (“retorno imediato”) ao seu país de origem. Precedentes do STJ e desta Corte declinados no voto.
14. O retorno imediato da criança ao país de origem é medida imposta pela legislação em situações como a dos autos, na qual decorreu menos de um ano entre a data da transferência ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado Contratante.
15. O cumprimento da antecipação de tutela deve ser requerido ao juízo que a concedeu, podendo o juiz solicitar o auxílio da AGU e da Autoridade Central Brasileira (Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH) para os procedimentos concernentes à execução da decisão judicial, conforme disposto no art. 20 da Resolução n. 449, de 30/03/2022 do CNJ.
16. Arbitramento de honorários advocatícios recursais.
17. Apelação desprovida.