Mantida indenização a cobradora de ônibus por problemas psicológicos após morte de passageira em assalto

Para a 3ª Turma, a empresa é responsável objetivamente pelo dano, em razão do risco da atividade.

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame do recurso da Central S.A. Transportes Rodoviários e Turismo, de Novo Hamburgo (RS), contra condenação ao pagamento de indenização a uma cobradora de ônibus que desenvolveu estresse pós-traumático após assalto a um ônibus que vitimou uma passageira com um tiro na cabeça. Para o colegiado, o caso se enquadra na hipótese de responsabilidade objetiva (que dispensa a comprovação de culpa), em razão do risco da atividade.

Roleta-russa

Na reclamação trabalhista, a cobradora afirmou que os assaltos eram frequentes, e o pior episódio aconteceu em fevereiro de 2008. Os assaltantes entraram, de madrugada, no ônibus, que fazia a linha Feitoria-Porto Alegre, e, como havia somente R$ 40 no caixa, por ser a primeira viagem do dia, pegaram uma passageira e, ao ameaçá-la com uma roleta-russa, houve um disparo que levou a cobradora a desmaiar. Ao retomar a consciência, estava sendo atendida por uma unidade médica e coberta com pedaços do cérebro da passageira.

Após o ocorrido, ela ficou afastada do trabalho por dois ou três dias mas, ao voltar, passou a sofrer episódios de pânico e ansiedade, pesadelos, insônia e depressão que a tornaram incapacitada para o trabalho. Por conta disso, usufruiu do benefício previdenciário durante 11 anos e, dias depois de retornar, foi dispensada.

Evento previsível

O juízo de primeiro grau deferiu a indenização, e o valor inicial de R$ 20 mil foi majorado para R$ 30 mil pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), afastando o argumento de que se trataria de caso fortuito, fato de terceiro ou de responsabilidade do Estado. Segundo o TRT, assaltos a coletivos são eventos previsíveis que podem causar abalos de natureza física e psíquica, diante da extrema violência com que são muitas vezes executados, como no caso.

Alto risco

O ministro Mauricio Godinho Delgado, relator do agravo pelo qual a Central pretendia rediscutir a condenação no TST, assinalou que, de acordo com a jurisprudência do TST, a empresa tem responsabilidade objetiva pelos danos morais decorrentes de assaltos e suas consequências relativamente a empregados que exerçam atividade de alto risco, como bancários, motoristas de carga e de transporte coletivo.

STF

O ministro lembrou, ainda, que o Supremo Tribunal Federal tem tese de repercussão geral no sentido da constitucionalidade da responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva, e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade.

No caso em julgamento, o relator destacou que, segundo o TRT, ficou comprovado o adoecimento psiquiátrico da cobradora, e, para que se pudesse entender de forma contrária, como pretendia a empresa, seria necessário o reexame de fatos e provas, procedimento vedado pela Súmula 126 do TST.

O recurso ficou assim ementado:

AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017 . INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COBRADORA DE ÔNIBUS – ASSALTOS SOFRIDOS DURANTE O TRABALHO. ATIVIDADE DE RISCO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. A indenização por dano moral é devida quando presentes os requisitos essenciais para a responsabilização empresarial. É necessária, de maneira geral, a configuração da culpa do empregador ou de suas chefias pelo ato ou situação que provocou o dano no empregado. É que a responsabilidade civil de particulares, no Direito Brasileiro, ainda se funda, predominantemente, no critério da culpa (negligência, imprudência ou imperícia), nos moldes do art. 186 do CCB, que dispõe: ” Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito “. Contudo, por exceção, o art. 927 do CCB, em seu parágrafo único, trata da responsabilidade objetiva independentemente de culpa – ” quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem “. Nessa hipótese excepcional, a regra objetivadora do Código Civil também se aplica ao Direito do Trabalho, uma vez que a Constituição da República manifestamente adota, no mesmo cenário normativo, o princípio da norma mais favorável (art. 7º, caput : “… além de outros que visem à melhoria de sua condição social “), permitindo a incidência de regras infraconstitucionais que aperfeiçoem a condição social dos trabalhadores. Releva salientar a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em 12/03/2020, com repercussão geral reconhecida, de Relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, no julgamento do Recurso Extraordinário nº RE 828.040, no sentido de reconhecer a constitucionalidade (art. 7º, XXVIII, da Lei Maior) da responsabilização civil objetiva do empregador, no caso de acidente de trabalho, nos moldes previstos no art. 927, parágrafo único, do Código Civil – pontuando-se que a respectiva ata de julgamento foi publicada no DJE em 20/03/2020. Faz-se pertinente transcrever a seguinte tese extraída do site do Supremo Tribunal Federal (em 16/04/2020): ” O Tribunal, por maioria, fixou a seguinte tese de repercussão geral: “O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade” , nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes (Relator). A jurisprudência do TST é nesse sentido e considera objetiva a responsabilidade por danos morais resultantes do evento “assalto” e seus consectários, relativamente a empregados que exerçam atividade de alto risco, tais como bancários, motoristas de carga, motoristas de transporte coletivo e outros (art. 927, parágrafo único, CCB). No caso concreto, consta na decisão recorrida que o ônibus no qual a Autora trabalhava como cobradora foi assaltado e que a atuação violenta dos assaltantes – ameaças verbais e desferimento de tiro na cabeça de uma passageira, cujos pedaços do cérebro voaram sobre a Autora – implicou o adoecimento psiquiátrico da Obreira, que foi afastada das atividades laborais para o gozo de benefício previdenciário de fevereiro de 2008 até 2019. Anote-se que, em relação ao dano moral, não há necessidade de prova de prejuízo concreto, até porque a tutela jurídica, neste caso, incide sobre um interesse imaterial (art. 1º, III, da CF). Os danos foram patentes, pois o TRT descreve a extrema violência física e psíquica empregada pelos assaltantes no assalto e o adoecimento psíquico da Autora em decorrência de tal evento. Assim, enquadrando-se a situação dos autos nessa hipótese extensiva de responsabilização, deve ser mantida a condenação da Reclamada no pagamento de indenização por danos morais, em conformidade com os arts. 1º, III, 5º, V e X, da CF; e 927, parágrafo único, do Código Civil . De outra face, decidida a matéria com base no conjunto probatório produzido nos autos, o processamento do recurso de revista fica obstado, por depender do reexame de fatos e provas (Súmula 126 do TST). Assim sendo, a decisão agravada foi proferida em estrita observância às normas processuais (art. 557, caput , do CPC/1973; arts. 14 e 932, IV, “a “, do CPC/2015), razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração . Agravo desprovido.

Processo: Ag-AIRR-20732-79.2019.5.04.0331

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