Mãe de filho com transtorno do espectro autista tem sua jornada de trabalho reduzida sem prejuízo de salário

A ausência de norma expressa que assegure horário especial ao trabalhador que tenha filho dependente com deficiência, sem a redução do seu salário e sem a compensação de horário, não impede que esse direito seja assegurado. Assim decidiu a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ), com a relatoria do desembargador Mário Sérgio M. Pinheiro, ao reformar a sentença que indeferiu a redução da jornada, sem prejuízo de salário, a uma funcionária da Caixa Econômica Federal cujo filho é autista.

A trabalhadora requereu, em sua petição inicial, a redução de sua jornada diária de seis para quatro horas, sem prejuízo de sua atual remuneração. Alegou a inadiável necessidade de se fazer presente no acompanhamento diário multidisciplinar a que deve se submeter seu filho, que nasceu com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Em sua defesa, a Caixa Econômica Federal alegou que inexiste previsão legal que a obrigue a reduzir a jornada da trabalhadora, que tem seu contrato regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

O pedido da bancária foi indeferido em primeiro grau. O juízo entendeu que inexiste no ordenamento jurídico lei em sentido estrito que imponha o direito postulado e que não verificou nenhuma ação ou omissão da ré que viole os direitos e a dignidade da trabalhadora ou do menor. Inconformada, a empregada recorreu da decisão.

No segundo grau, o caso foi analisado pelo desembargador Mário Sérgio M. Pinheiro. Inicialmente, o magistrado observou que ao contrário do disposto no Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei 8112/90) a CLT não dispõe sobre a redução de jornada para acompanhamento de familiares com deficiência. Entretanto, esse fato não deve ser um óbice ao deferimento do direito pleiteado pela trabalhadora.  “A ausência de legislação pátria expressa, que assegure horário especial ao trabalhador que tenha filho dependente com deficiência, sem redução de salário e independentemente de compensação de horário, não impede, no entanto, o direito vindicado”, assinalou o magistrado em seu voto.

O relator, diante da análise dos laudos médicos acostados nos autos, concluiu ser incontroverso que o filho da bancária é portador de TEA – Transtorno do Espectro Autista – CID 10 F84.0 (autismo) e que necessita de tratamento contínuo com fonoaudiólogo, psicólogo, psicopedagogo, terapeuta ocupacional, entre outros profissionais.

Assim, o desembargador  defendeu a aplicação analógica do  Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei 8112/90)  “para garantir a redução da jornada sem a proporcional diminuição dos vencimentos de trabalhadora que é mãe de criança com Transtorno do Espectro Autista (F84), com base na interpretação de normas constitucionais e internacionais que visam dar efetividade aos princípios fundamentais do nosso Estado Democrático de Direito, tendo por fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa e os valores sociais do trabalho (art. 1º, II, III e IV, da CF/88)”.

Entre as normas internacionais aplicáveis, citou a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário, que, segundo o magistrado, “realça a importância que deve ser dada para a efetiva integração da pessoa com deficiência à sociedade”, e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo.

Portanto, o colegiado deu provimento ao recurso da trabalhadora para condenar o banco a reduzir de imediato a carga horária da trabalhadora de seis para quatro horas diárias, enquanto houver a necessidade de acompanhamento do filho com deficiência, sem prejuízo salarial e sem necessidade de compensação de horário. A decisão dada pela 1ª Turma independe do trânsito em julgado, haja vista que aguardar pelo trânsito poderia inviabilizar o resultado útil do processo.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ORDINÁRIO DA AUTORA. REDUÇÃO DA JORNADA SEM REDUÇÃO DE SALÁRIO. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO ANALÓGICA DE HIPÓTESE PREVISTA NO ESTATUTO DO SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. TRABALHADORA MÃE DE CRIANÇA COM ESPECTRO AUTISTA. No caso, é incontroverso que o filho da Reclamante é portador de TEA – Transtorno do Espectro Autista – CID 10 F84.0 (autismo) e que necessita de tratamento contínuo com terapias – fonoaudiólogo, psicologia, psicopedagogia, terapia ocupacional e escola regular de mediação, conforme laudos médicos acostados. Ademais, a prova pericial elaborada por Perito designado pelo Juízo recomendou a “redução de carga horária da trabalhadora com o objetivo de dar melhor assistência ao seu filho e consequentemente melhor acompanhamento aos cuidados da vida diária e tratamentos, pois a criança autista necessita de atenção especial pelo tipo de comportamento que apresenta“. A ausência de legislação pátria expressa, que assegure horário especial ao trabalhador que tenha filho dependente com deficiência, sem redução de salário e independentemente de compensação de horário, não impede seja assegurado o direito vindicado. O Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União (Lei 8.112/90, art. 98, §§2º e 3º), deve ser aplicado de forma analógica ao presente caso, para garantir a redução da jornada sem a proporcional diminuição dos vencimentos de trabalhadora que é mãe de criança com Transtorno do Espectro Autista (F84), com base na interpretação de normas constitucionais e internacionais que visam dar efetividade aos princípios fundamentais do nosso Estado Democrático de Direito, tendo por fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa e os valores sociais do trabalho (art. 1º, II, III e IV, da CF/88). Além do Estatuto dos Servidores Civis da União (Lei 8.112/90), buscou-se fundamento também na Constituição, artigos 1º, 6º e 170 de valorização do trabalho e, evidentemente, do trabalhador, e a proteção à pessoa com deficiência (artigos 203 e 227); na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário, realçando a importância que deve ser dada para a efetiva integração da pessoa com deficiência à sociedade, na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, com equivalência de Emenda Constitucional (art. 5º, §3º da CF/88); e, ainda, no art. 8º da Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. BENEFICIÁRIO DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA. NÃO CABIMENTO. Na forma das ponderosas considerações do voto de Relatoria do E. Des. Gustavo Tadeu Alkmim nos autos do RO-0100112-56.2018.5.01.0207, julgado na sessão realizada em 02 de abril de 2019, “Seja por declaração da inconvencionalidade do art. 791-A da CLT, à luz do art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica, seja por violação direta a princípios norteadores do Direito do Trabalho, seja por violar direito fundamental de acesso à Justiça”, indevidos os honorários de sucumbência pelo beneficiário da gratuidade de justiça. Recurso a que se dá provimento.

Nas decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, são admissíveis os recursos enumerados no art. 893 da CLT.

PROCESSO nº 0100623-72.2019.5.01.0028

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