Lei de Direitos Autorais não se aplica à criação de formato gráfico para buscas na internet

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a idealização de um formato gráfico para apresentação de resultados de buscas na internet não se insere no conceito de obra autoral para fins de aplicação da Lei de Direitos Autorais e caracterização de plágio, com a consequente possibilidade de indenização por danos materiais e morais.

A decisão foi tomada no julgamento de recurso interposto pela Google Brasil contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que condenou a empresa a pagar danos morais e materiais por suposto plágio do site de buscas e propaganda denominado “Roda Viva”. O modelo em discussão apresenta os resultados da busca em um disco central, que gera outros resultados em círculos à sua volta.

A Google Brasil, criadora do “Roda Mágica”, afirmou que o projeto da outra empresa não poderia receber a proteção da Lei 9.610/1998, por não apresentar inovação que mereça o reconhecimento como criação intelectual – visto que um buscador em formato de círculo não é algo inédito –, além de não ter sido registrado nos órgãos competentes.

O TJRS, ao fundamentar sua decisão, consignou que o caráter inovador não está na forma circular, mas no modo de apresentação dos resultados da busca na internet, com um aspecto gráfico novo e original.

Diferentes formas de proteção: direito do autor e direito de propriedade industrial

Em seu voto, o ministro Raul Araújo, relator, destacou que as obras decorrentes da atuação intelectual podem atender a interesses estéticos, atraindo as regras do direito do autor, ou a interesses utilitários, situação em que se aplica a proteção do direito de propriedade industrial (patente, modelo de utilidade, desenho industrial e marca).

De acordo com o magistrado, o fundamento central adotado para reconhecer o plágio indica “uma confusão conceitual entre a proteção de obras autorais e obras utilitárias”.

O ministro lembrou que o artigo 7º da Lei 9.610/1998, com a finalidade de proteger a atividade criativa, definiu como obras intelectuais quaisquer criações do espírito, o que inclui os projetos. Entretanto, ele ressaltou que o artigo 8º da mesma lei excepcionou alguns tipos de ideias e projetos que não são objeto de proteção pelos direitos autorais tratados na norma.

“Nos termos da lei, são objeto de sua proteção exclusivamente os projetos que se destinem a dar forma a elementos referentes à geografia, engenharia, arquitetura, topografia, cenografia, paisagismo e ciência, alcançando apenas as representações plásticas de um fenômeno ou material de uso ou pesquisa”, afirmou.

O relator ponderou que, embora o legislador se refira a projetos tanto no artigo 7º, X, como no artigo 8º, I, da Lei de Direitos Autorais, esses projetos não se confundem. “O caso dos autos não se refere a projeto para os fins da Lei de Direitos Autorais”, disse ele, ao salientar o caráter puramente de ideia do “Roda Viva”.

Ideias não são cobertas pela proteção legal

Raul Araújo recordou que a proteção das ideias subjacentes a obras autorais já foi objeto de apreciação pela Quarta Turma, que entendeu pela ausência da proteção legal, podendo a ideia ser, inclusive, utilizada para a produção de novas obras autorais ou utilitárias.

Para o ministro, no caso do “Roda Viva”, a proteção conferida pelo tribunal de origem ficou apoiada exclusivamente no reconhecimento de inovação restrita a uma forma gráfica, a um formato de apresentação e aplicação comercial utilizado pela empresa que reivindicou a indenização.

“Evidencia-se que o fundamento do acórdão recorrido utilizado para reconhecer a reprodução de obra autoral no caso concreto não encontra amparo na legislação específica”, declarou.

Tutela jurídica dos desenhos industriais deve ser requerida ao INPI

Quanto ao registro da ideia, o magistrado destacou que apenas foram registrados em cartório de títulos e documentos o esboço e a descrição de um site idealizado, não havendo nos autos nenhuma referência à sua utilização concreta e sendo a atividade da empresa originada em sua ferramenta de busca disponibilizada na internet – atividade realizada há muito tempo por várias outras empresas.

“A obra dos autos não atende o conceito de obra autoral, seja porque descreve o funcionamento de um site em tese, compreendendo mera ideia não protegida pelo direito de autor, seja porque seu valor – reconhecido pelas instâncias ordinárias – vincula-se à forma gráfica, o que implica a necessidade de registro perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) para alcançar a tutela jurídica dos desenhos industriais”, entendeu o relator.

O recurso ficou assim ementado:

DIREITO AUTORAL E PROPRIEDADE INDUSTRIAL. RECURSO ESPECIAL AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS POR UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE OBRA. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA.  VIOLAÇÃO DE NORMA REGIMENTAL. NÃO CABIMENTO. IDEIA MATERIALIZADA EM ESBOÇO. DIREITO AUTORAL. AUSÊNCIA DE PROTEÇÃO. FORMATO NOVO. UTILIZAÇÃO COMERCIAL ADMITIDA. PLÁGIO AFASTADO. RECURSO PROVIDO.
1. Não se verifica a alegada violação do art. 535 do CPC⁄73, porque a eg. Corte de origem dirimiu, fundamentadamente, todas as questões que lhe foram submetidas, declinando, de forma expressa e coerente, todos os fundamentos utilizados como razões de decidir. Não se confunde julgamento desfavorável, como no caso, com negativa de prestação jurisdicional ou ausência de fundamentação.
2. “O recurso especial é via inadequada para análise de portarias, resoluções, regimentos ou qualquer outro tipo de norma que não se enquadre no conceito de lei federal” (AgInt no AREsp 325.019⁄SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 03⁄12⁄2018, DJe de 13⁄12⁄2018).
3. No caso dos autos, debate-se a utilização não autorizada, pela promovida, de formato gráfico concebido pelos promoventes, inicialmente apresentado em esboço de site idealizado para criar plataforma de conexão ágil e facilitada entre internautas, fornecedores, anunciantes e consumidores. Esse esboço fora levado pelos autores a prévio registro perante Cartório de Títulos e Documentos e, após apresentado à ré, teria sido por esta incorporado às suas ferramentas de busca, em formato gráfico semelhante, denominado “RODA MÁGICA”, consistindo nisso o alegado plágio.
4. O ordenamento jurídico brasileiro protege as obras intelectuais, em regra, pela via dos Direitos de Autor, quando prevalece o interesse estético da obra; ou pela via dos Direitos de Propriedade Industrial, quando o interesse prevalente é utilitário (comercial ou industrial).
5. Os projetos e as ideias subjacentes não são objeto de proteção pelas regras de direito autoral, podendo ser reutilizados tanto para novas obras autorais como para fins industriais e comerciais (Lei 9.610⁄98, art. 8º).
6. Os formatos gráficos, resultado do “[…] conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa […]” (Lei 9.279⁄96, art. 95), configuram desenho industrial, cuja proteção legal depende de registro perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial.
7. No caso dos autos, não se cogita de registro de desenho industrial, razão pela qual a obra intelectual sub judice não goza de proteção legal, impondo-se o afastamento da alegação de plágio.
8. Recurso especial provido.

Leia o acórdão no REsp 1.561.033.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1561033

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