Infrações trabalhistas de caráter administrativo não são elemento suficiente para caracterizar trabalho em condição análoga à de escravo

Quando não há nos autos provas suficientes para caracterizar a condição degradante, o trabalho forçado ou a jornada exaustiva que, em conjunto ou isoladamente, podem reduzir uma pessoa à condição análoga à de escravo, as infrações trabalhistas, de caráter administrativo, sujeitam o infrator às sanções aplicáveis no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) sem necessariamente repercutirem na esfera penal. Assim decidiu a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) em recurso criminal sob a relatoria da desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso.

No processo, o Juízo Federal da Subseção Judiciária de Castanhal (PA) condenou um acusado do crime do art. 149, caput, do Código Penal (CP) de “reduzir alguém à condição análoga à de escravo”. Ao apelar da sentença, o réu sustentou que sua função era apenas a de receber ordens e argumentou que no dispositivo do CP “entende-se que a vítima está sujeita e impossibilitada de sair daquela situação a que lhe é imposta, o que de fato, não ocorre no caso concreto”, e que foi condenado com base apenas na confissão de supostas vítimas no âmbito da fiscalização trabalhista.

Ao examinar a apelação, a relatora explicou que não ficou demonstrado que trabalhadores foram forçados a trabalhar ou a cumprir jornadas extenuantes a contragosto, em condições degradantes de trabalho, ou que lhes tenha sido restringida a liberdade de locomoção.

Observou-se no caso concreto, prosseguiu a magistrada, a ocorrência de infrações trabalhistas que sujeitam o infrator às sanções aplicáveis no âmbito administrativo e que algumas das supostas vítimas foram ouvidas apenas na realização da operação do Ministério do Trabalho. Não houve inquérito policial para apurar o suposto crime nem foram ouvidas as vítimas em Juízo.

Verificou a desembargadora federal que a condenação penal exige certeza da responsabilidade, porquanto está em risco, nesse momento, bem jurídico por demais precioso para o indivíduo, qual seja, a liberdade.

Uma vez que o processo penal se baseia na verdade real, concluiu a relatora, o princípio constitucional da presunção de inocência impõe a absolvição do réu quando a acusação não demonstrar, de maneira clara e convincente, a prática do delito imputado.

O recurso ficou assim ementado:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. TRABALHO EM CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CONFIGURADORES DE CONDIÇÕES DEGRADANTES, TRABALHO FORÇADO OU JORNADA EXAUSTIVA SUPORTADAS PELOS TRABALHADORES. INOCORRÊNCIA. IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO

  1. O artigo 149 do Código Penal define como crime a conduta de reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
  2. Não há nos autos elementos de prova suficientes para demonstrar, com a segurança necessária para fundamentar uma condenação, que os réus tenham praticado ou concorrido, consciente e voluntariamente, para a prática do delito.
  3. Infrações trabalhistas, de caráter administrativo, sujeitam o infrator às sanções aplicáveis no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, sem necessidade de repercussão da conduta na esfera criminal, quando tais infrações não forem suficientes para configurar a condição degradante, o trabalho forçado ou a jornada exaustiva, circunstâncias elementares do tipo penal, e que, caracterizadas, em conjunto ou isoladamente, podem reduzir uma pessoa a condição análoga à de escravo.
  4. Há de se ter em conta que, no exercício interpretativo do conceito moderno de  escravidão, caracterizador do tipo penal do art. 149 do CP, não se pode esquecer que, diante das realidades regionais e geográficas do nosso país, da conhecida vida dura do trabalhador do meio rural — e muitas vezes do meio urbano também —, a forma de alojamento retratada nos autos é comum, e ainda tolerada sob a ótica penal, embora não desejada em qualquer circunstância, mas só por isso não conduz à conclusão de que tais pessoas estavam sendo submetidas a condição análoga à de escravos.
  5. O direito penal, como última ratio, somente deve ser aplicado quando as demais áreas do ordenamento jurídico não forem suficientes para punir as condutas ilegais praticadas. E, no caso, o direito trabalhista já atuou para combater as irregularidades na relação de trabalho e para ressarcir os trabalhadores dos prejuízos sofridos.
  6. O in dubio pro reo, corolário do princípio constitucional da presunção de inocência, também impõe a absolvição do réu quando a acusação não lograr demonstrar, de maneira clara e convincente, a prática do delito imputado. A certeza se faz necessária porque a responsabilização penal do indivíduo põe em risco precioso bem jurídico, que é a liberdade.
  7. Apelação do réu a que se dá provimento, para absolvê-lo da prática do crime previsto no art. 149, caput, do Código Penal.

A decisão do Colegiado foi unânime.

Processo: 0007941-12.2010.4.01.3904

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar