PUIL 2.101-MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 10/11/2021.
DIREITO ADMINISTRATIVO
Fornecimento de medicamentos pelo Poder Público. Uso off label. Vedação.
O Estado não é obrigado a fornecer medicamento para utilização off label, salvo autorização da ANVISA.
No caso, a Turma Recursal manteve incólume a sentença de procedência do pedido, afastando a tese de impossibilidade de utilização off label de medicamento, sob o fundamento de que seria ele o único capaz de manter a saúde e a vida do autor.
Quanto ao tema em análise, dispõe a Lei n. 8.080/1990 o seguinte: “Art. 19-T. São vedados, em todas as esferas de gestão do SUS: I – o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA; II – a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Anvisa.”
Por seu turno, a Primeira Seção deste Superior Tribunal, no julgamento dos EDcl no REsp 1.657.156/RJ, submetido ao rito dos recursos representativos de controvérsia repetitiva, ao interpretar o mencionado dispositivo legal, firmou a compreensão no sentido de que o requisito do registro na ANVISA afasta a possibilidade de fornecimento de medicamento para uso off label, salvo se assim autorizado pela referida agência reguladora.
Nessa toada, o referido julgado fixou a seguinte tese: “a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.” (EDcl no REsp 1.657.156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 21/9/2018).
Saiba mais:
- Informativo de Jurisprudência n. 221
- Informativo de Jurisprudência n. 251
- Informativo de Jurisprudência n. 281
- Informativo de Jurisprudência n. 292
- Informativo de Jurisprudência n. 294
- Informativo de Jurisprudência n. 384
- Informativo de Jurisprudência n. 397
- Informativo de Jurisprudência n. 433
- Informativo de Jurisprudência n. 601
- Informativo de Jurisprudência n. 638
- Informativo de Jurisprudência n. 67
- Informativo de Jurisprudência n. 686
- Jurisprudência em Teses / DIREITO ADMINISTRATIVO – EDIÇÃO N. 168: FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PELO PODER PÚBLICO – I
- Jurisprudência em Teses / DIREITO ADMINISTRATIVO – EDIÇÃO N. 61: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
- Recursos Repetitivos / DIREITO PROCESSUAL CIVIL – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS
REsp 1.536.035-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 26/10/2021.
DIREITO CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL
Protesto irregular de título de crédito. Registro após a prescrição. Impossibilidade.
Não é possível o protesto de cheques endossados após o prazo de apresentação.
A questão controvertida consiste em saber se é possível o protesto de cheques endossados após o prazo de apresentação.
Sobre o tema, o cheque endossado – meio cambiário próprio para transferência dos direitos do título de crédito -, que se desvincula da sua causa, conferindo ao endossatário as sensíveis vantagens advindas dos princípios inerentes aos títulos de crédito, notadamente o da autonomia das obrigações cambiais – confere, em benefício do endossatário, ainda em caso de endosso póstumo (art. 27 da Lei do Cheque), os efeitos de cessão de crédito.
Por isso, em se tratando de cheque “à ordem”, como o art. 903 do Código Civil, textualmente, prescreve que, em caso de conflito aparente com as normas albergadas pelo Diploma civilista, devem ser observadas as normas especiais relativas aos títulos de crédito, fica límpido que não é necessária nenhuma outra formalidade para que exsurjam os mesmos efeitos de cessão de crédito.
Em suma, embora o título de crédito, com a sua emissão, liberte-se da relação fundamental, em vista do princípio da incorporação, o adimplemento da obrigação cambial tem por consequência extinguir a obrigação subjacente que ensejou a sua emissão, sendo, em regra, pro solvendo; de modo que, salvo pactuação em contrário, só extingue a dívida, isto é, a obrigação que o título visa satisfazer consubstanciada em pagamento de importância em dinheiro, com o seu efetivo pagamento.
Com efeito, a menos que o emitente do cheque tenha aposto no título a cláusula “não à ordem” – hipótese em que o título somente se transfere pela forma de cessão de crédito -, o endosso, no interesse do endossatário, tem efeito de cessão de crédito, não havendo cogitar, por exemplo, de observância da forma necessária à cessão ordinária civil de crédito.
Nessa linha, cumpre verificar que o cheque é ordem de pagamento à vista, sendo de 6 (seis) meses o lapso prescricional para a execução após o prazo de apresentação, que é de 30 (trinta) dias a contar da emissão, se da mesma praça, ou de 60 (sessenta) dias, também a contar da emissão, se consta no título como sacado em praça diversa, isto é, em município distinto daquele em que se situa a agência pagadora, nos termos da norma especial de regência (Lei do Cheque).
Assim, se ocorre a prescrição para execução do cheque, o artigo 61 da Lei do Cheque prevê, no prazo de 2 (dois) anos, a possibilidade de ajuizamento de ação de locupletamento ilícito que, por ostentar natureza cambial, prescinde da descrição do negócio jurídico subjacente.
Expirado o prazo para ajuizamento da ação por enriquecimento sem causa, o artigo 62 do mesmo Diploma legal ressalva a possibilidade de ajuizamento de ação fundada na relação causal, in verbis: “salvo prova de novação, a emissão ou a transferência do cheque não exclui a ação fundada na relação causal, feita a prova do não-pagamento”.
No entanto, o protesto do cheque, com apontamento do nome do devedor principal, é facultativo e, como o título tem por característica intrínseca a inafastável relação entre o emitente e a instituição financeira sacada, é indispensável a prévia apresentação da cártula; não só para que se possa proceder à execução do título, mas também para se cogitar do protesto.
Evidentemente, é também vedado o apontamento de cheques quando tiverem sido devolvidos pelo banco sacado por motivo de furto, roubo ou extravio das folhas ou talonários, contanto que não tenham circulado por meio de endosso nem estejam garantidos por aval, pois, nessas hipóteses, desde que não esgotado o prazo para a ação cambial de execução, far-se-á o protesto sem fazer constar os dados do emitente da cártula.
Com efeito, o protesto de cheques endossados após o prazo de apresentação é irregular, pois, de fato, o art. 1º, da Lei n. 9.492/1997, estabelece que protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida, portanto, a interpretação mais adequada, inclusive tendo em vista os efeitos do protesto, é o de que o termo “dívida” exprime débito, consistente em obrigação pecuniária, líquida, certa e que é/se tornou exigível.
REsp 1.599.065-DF, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 09/11/2021.
DIREITO TRIBUTÁRIO
PIS e Cofins. Regime cumulativo. Base de cálculo. Faturamento. Serviços de telecomunicações. Inclusão de valores a título de interconexão e roaming. Ilegalidade.
Configura ilegalidade exigir das empresas prestadoras de serviços de telefonia a base de cálculo da Contribuição ao PIS e da Cofins integrada com os montantes concernentes ao uso da estrutura de terceiros – interconexão e roaming.
In casu, sobreleva frisar o contexto no qual se inserem os eventos conhecidos como a interconexão e o roaming, mormente o quanto dispõe a Lei n. 9.472/1997 – a denominada “Lei Geral da Telecomunicação”: Art. 146. As redes serão organizadas como vias integradas de livre circulação, nos termos seguintes: I – é obrigatória a interconexão entre as redes, na forma da regulamentação.
Por sua vez, a Resolução n. 693/2018, da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel – Regulamento Geral de Interconexão -, define tal ocorrência em seu art. 3º, III, verbis: “ligação de redes de telecomunicações funcionalmente compatíveis, de modo que os usuários de serviços de uma das redes possam comunicar-se com usuários de serviços de outra ou acessar serviços nela disponíveis”.
Quanto ao roaming (itinerância), pode-se consignar que se trata de vocábulo empregado em telefonia móvel, e aplicável, igualmente, a outras tecnologias de rede sem fio, sendo termo relativo à capacidade de um usuário de obter conectividade em áreas fora da localidade geográfica de registro, é dizer, conseguindo acesso por meio de outra rede onde é visitante, a qual possa pertencer a diferente operadora.
Dessa forma, a atuação empresarial, no ambiente da política regulatória nacional dos serviços de telecomunicações, com inevitável compartilhamento de estrutura, implica a segregação da receita entre as empresas, bem como do custo de entrega do tráfego advindo da rede, demonstrado, em verdade, que se está diante de um autêntico repasse, valor estranho ao faturamento das operadoras.
Logo, as cifras em tela ingressam, tão somente, de maneira transitória pelo resultado das empresas, porquanto há imposição legal, de caráter regulatório no sentido do repasse aos terceiros que cedem suas redes, justamente para viabilizar a integral prestação do serviço.
Tal especificidade da presente discussão atrai, induvidosamente, a compreensão assentada pelo STF, ao julgar, o Tema n. 69 de repercussão geral (RE n. 574.706/PR), que declarou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da Contribuição ao PIS e da Cofins, por compreender que o valor de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, constituindo mero ingresso de caixa, cujo destino final são os cofres públicos.
Axiologia da ratio decidendi que afasta a pretensão de caracterização, como faturamento, de cifras relativas à interconexão e ao roaming, as quais obedecem a sistemática própria do serviço público prestado pelas empresas do setor.
Daí porque equivocada a afirmação segundo a qual seria necessária expressa previsão legal para “excluir” os valores em discussão da base de cálculo de tais contribuições. O apontado montante, como salientado, não pertence ao universo do faturamento, mostra-se alheio a ele e, desse modo, como decorrência lógica, desbordando de sua materialidade, dele não precisa ser “excluído”, pois se cuida de não incidência das exações.
Em consequência, a interpretação do Fisco que qualifica as quantias de interconexão e roaming como receita financeira revela-se inidônea para efeito de inseri-las no conceito de faturamento e, assim, integrá-las à base de cálculo da Contribuição ao PIS e da Cofins, porquanto inafastável caber somente a lei a disciplina da base de cálculo de tributos.
REsp 1.671.357-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 09/11/2021.
DIREITO TRIBUTÁRIO
Operação simbólica de câmbio. Conferência internacional de ações de sociedade estrangeira no aumento de capital social de empresa brasileira. IOF. Incidência.
O IOF incide nas movimentações decorrentes das operações de “conferência internacional de ações” de sociedade estrangeira no aumento do capital social de empresa brasileira.
No caso analisado, por exigência do BACEN o contribuinte realizou contrato de câmbio, nos termos do item 10, da Circular n. 3.491/2010 (antigo art. 9º do Regulamento Anexo à Circular BACEN n. 2.997/2000), para viabilizar transformações empresariais realizadas por si e por suas acionistas. Tais contratos permitem ao BACEN controlar as ações nominativas que entraram e saíram do país exclusivamente para integralizar capital de empresa estrangeira.
Sendo assim, resta evidente que o contribuinte realizou oferta de ações no exterior a fim de captar determinada quantia em moeda estrangeira. É o que basta para caracterizar a operação de câmbio que se sujeita tanto ao IOF quanto à CPMF, consoante a jurisprudência desta Casa, nesse sentido: REsp. n. 1.316.221/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 15/12/2015.
As razões de decidir do precedente citado, muito embora referentes à incidência da CPMF e não especificamente ao IOF, em tudo se aplicam ao presente caso, mormente porque construídas a partir do art. 9º do Regulamento Anexo à Circular BACEN n. 2.997/2000, o qual foi substituído justamente pelo item 10, da Circular BACEN n. 3.491/2010, que trata do mesmo tema de idêntica forma. Sendo assim, ambos os casos tratam de operações simbólicas de câmbio realizadas por exigência do BACEN (“operação simbólica de câmbio”), implicando integralização de ações de empresa brasileira com novas ações de companhias estrangeiras.
Assim, perfeitamente aplicáveis o precedente julgado em sede de recurso representativo da controvérsia REsp. n. 1.129.335/SP (Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 9/6/2010) relativo ao tema 338: A Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF, enquanto vigente, incidia sobre a conversão de crédito decorrente de empréstimo em investimento externo direto (contrato de câmbio simbólico), uma vez que a tributação aperfeiçoava-se mesmo diante de operação unicamente escritural.
Com efeito, dá-se a efetivação da operação de câmbio, fato gerador do IOF, “pela entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este” (art. 63, II, do CTN).
EREsp 1.770.495-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 10/11/2021.
DIREITO TRIBUTÁRIO
Mandado de segurança. Direito à compensação. Declaração. Súmula 213 do STJ. Valores recolhidos anteriormente à impetração não atingidos pela prescrição. Aproveitamento. Possibilidade.
A pretensão em mandado de segurança que visa exclusivamente a declaração do direito à compensação de eventuais indébitos recolhidos anteriormente à impetração, ainda não atingidos pela prescrição, não importa em produção de efeito patrimonial pretérito, aproveitando apenas o valor referente a indébitos recolhidos nos cinco anos anteriores ao manejo da ação mandamental.
No acórdão embargado, a Segunda Turma, ponderando o entendimento sedimentado na Súmula 271 do STF, que veda a concessão de efeitos patrimoniais pretéritos ao mandado de segurança, manteve o acórdão recorrido que indeferira o pedido de declaração do direito de compensação dos indébitos recolhidos nos cinco anos anteriores à data da impetração, limitando a declaração do direito à compensação apenas para o aproveitamento dos pagamentos ocorridos posteriormente à impetração do writ.
Já o aresto paradigma, da Primeira Turma, também analisando mandado de segurança de que trata a Súmula 213 do STJ, expressamente declarou o direito à compensação de indébitos anteriores à impetração, desde que ainda não atingidos pela prescrição.
Quanto ao objeto do dissenso jurisprudencial ora apresentado, deve prevalecer a conclusão estampada no aresto apontado como paradigma.
Isso porque o provimento alcançado em mandado de segurança, que visa exclusivamente a declaração do direito à compensação tributária, nos termos da Súmula 213 do STJ (“O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária”), tem efeitos exclusivamente prospectivos, os quais somente serão sentidos posteriormente ao trânsito em julgado (art. 170-A do CTN), quando da realização do efetivo encontro de contas, o qual está sujeito à fiscalização pela Administração Tributária.
Para essa espécie de pretensão mandamental, o reconhecimento do direito à compensação de eventuais indébitos recolhidos anteriormente à impetração ainda não atingidos pela prescrição não importa em produção de efeito patrimonial pretérito, vedado pela Súmula 271 do STF, visto que não há quantificação dos créditos a compensar e, por conseguinte, provimento condenatório em desfavor da Fazenda Pública à devolução de determinado valor, o qual deverá ser calculado posteriormente pelo contribuinte e pelo fisco no âmbito administrativo segundo o direito declarado judicialmente ao impetrante.
Frise-se que da tese explicitada no julgamento do Recurso Especial Repetitivo REsp 1.365.095/SP é possível depreender que o pedido de declaração do direito à compensação tributária está normalmente atrelado ao “reconhecimento da ilegalidade ou da inconstitucionalidade da anterior exigência da exação”, ou seja, aos tributos indevidamente cobrados antes da impetração, não havendo razão jurídica para que, respeitada a prescrição, esses créditos não constem do provimento declaratório.
Aliás, como cediço, a decisão de natureza declaratória não constitui, mas apenas reconhece um direito pré-existente.
Acrescenta-se, por oportuno, que esta Corte Superior orienta que a impetração de mandado de segurança interrompe o prazo prescricional para o ajuizamento da ação de repetição de indébito, entendimento esse que, pela mesma ratio decidendi, permite concluir que tal interrupção também se opera para fins do exercício do direito à compensação declarado a ser exercido na esfera administrativa, de sorte que, quando do encontro de contas, o contribuinte poderá aproveitar o valor referente a indébitos recolhidos nos cinco anos anteriores à data da impetração.
REsp 1.803.803-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 09/11/2021.
DIREITO CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL
Contrato de patrocínio. Rescisão antecipada. Adimplemento parcial. Cláusula penal. Finalidade coercitiva. Redução equitativa do valor. Art. 413 do Código Civil. Inaplicabilidade. Assimetria entre os contratantes. Inexistência. Manutenção do valor pactuado.
Quando na estipulação da cláusula penal prepondera a finalidade coercitiva, a diferença entre o valor do prejuízo efetivo e o montante da pena não pode ser novamente considerada para fins de redução da multa convencional com fundamento na segunda parte do art. 413 do Código Civil.
Prevalece nesta Corte o entendimento de que a cláusula penal possui natureza mista, ou híbrida, agregando, a um só tempo, as funções de estimular o devedor ao cumprimento do contrato e de liquidar antecipadamente o dano.
Sobre o tema, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido o controle judicial do valor da multa compensatória pactuada, sobretudo quando esta se mostrar abusiva, para evitar o enriquecimento sem causa de uma das partes, sendo impositiva a sua redução quando houver adimplemento parcial da obrigação.
No entanto, não é necessário que a redução da multa, na hipótese de adimplemento parcial da obrigação, guarde correspondência matemática exata com a proporção da obrigação cumprida, sobretudo quando o resultado final ensejar o desvirtuamento da função coercitiva da cláusula penal.
Isso porque a preponderância de uma ou outra finalidade da cláusula penal implica a adoção de regimes jurídicos distintos no momento da sua redução.
Com efeito, a preponderância da função coercitiva da cláusula penal justifica a fixação de uma pena elevada para a hipótese de rescisão antecipada, especialmente para o contrato de patrocínio, em que o tempo de exposição da marca do patrocinador e o prestígio a ela atribuído acompanham o grau de desempenho da equipe patrocinada.
Em tese, não se mostra excessiva a fixação da multa convencional no patamar de 20% (vinte por cento) sobre o valor total do contrato de patrocínio, de modo a evitar que, em situações que lhe pareçam menos favoráveis, o patrocinador opte por rescindir antecipadamente o contrato.
No caso concreto, a cláusula penal está inserida em contrato empresarial firmado entre empresas de grande porte, tendo por objeto valores milionários, inexistindo assimetria entre os contratantes que justifique a intervenção em seus termos, devendo prevalecer a autonomia da vontade e a força obrigatória dos contratos.
REsp 1.885.691-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, jugado em 26/10/2021.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Ação popular. Especificidades. Caso concreto. Mensuração do proveito econômico. Impossibilidade. Honorários advocatícios. Equidade.
Os honorários advocatícios devem ser fixados com base em equidade fora das hipóteses do art. 85, § 2º, do CPC/2015.
A Lei da Ação Popular, em seu art. 12, estabelece que “a sentença incluirá sempre, na condenação dos réus, o pagamento, ao autor, das custas e demais despesas, judiciais e extrajudiciais, diretamente relacionadas com a ação e comprovadas, bem como o dos honorários de advogado”. Com isso, a referida lei não explicita a forma de fixação da verba honorária, motivo pela qual aplica-se subsidiariamente o regramento da legislação processual civil (art. 22 da Lei n. 4.717/1965).
De início, cumpre ressaltar que “o marco temporal para a aplicação das normas do CPC/2015 a respeito da fixação e distribuição dos ônus sucumbenciais é a data da prolação da sentença” (EDcl na MC 17.411/DF, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Corte Especial, Julgado em 20/11/2017, DJe 27/11/2017).
O § 2º do art. 85 do CPC/2015 estabelece que “são devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente”. Já o § 8º preceitua que, “nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º”.
No julgamento do Recurso Especial nº 1.746.072/PR, a Segunda Seção desta Corte Superior assentou que a nova codificação processual civil reduziu a subjetividade do julgador no tocante à fixação da verba honorária e, em consequência, estabeleceu a ordem de preferência da base de cálculo a ser observada pelo magistrado, ficando o critério de equidade de aplicabilidade excepcional e subsidiária (Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 13/2/2019, DJe 29/3/2019).
No caso, observa-se que o comando sentencial impôs à ré obrigações de fazer, tais como a reativação de contas bancárias, a demonstração do destino de valores das contas não movimentadas, a manutenção de controles internos individualizados, a renovação de intimações direcionadas aos clientes lesados pela instituição financeira e o confronto do banco de dados de contas encerradas com a base da Receita Federal do Brasil (RFB).
Por outro lado, há uma determinação de devolver valores depositados em conta poupança, porém tal condenação não possui conteúdo econômico aferível de imediato. E assim é por dois motivos: (i) porque somente há falar em restituição de quantia se a recorrente não realizar a reativação das contas encerradas, caracterizando-se obrigação de natureza alternativa, e (ii) porque o cumprimento dessa imposição somente ocorrerá se o cliente tiver regularizado o seu cadastro (CPF ou CNPJ, conforme o caso).
Diante das circunstâncias, na hipótese, não há como estabelecer a fixação da verba honorária com base no montante da condenação e, pelas mesmas razões, não é possível mensurar o proveito econômico obtido pelo autor da ação.
De fato, há algumas situações nas quais a condenação em obrigação de fazer pode ser a base para a fixação da verba honorária, desde que possa ser economicamente quantificada.
Quanto à possibilidade de incidência dos honorários sobre o valor atribuído à causa na ação popular, nos termos dos arts. 258 e 259 do CPC/1973 – vigentes à época da propositura da ação -, o valor da causa deve corresponder, em princípio, ao conteúdo econômico a ser obtido na demanda. Entretanto, na impossibilidade de mensuração da expressão econômica do litígio, admite-se que seja fixado por estimativa, sujeito a posterior adequação ao valor apurado na sentença (REsp 1.220.272/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14/12/2010, DJe 07/02/2011).
No caso de ações coletivas, o tema se mostra ainda mais sensível, porquanto não raras vezes o proveito econômico da demanda não está vinculado a benefícios patrimoniais diretos ou imediatos, mas, sim, aos danos suportados de forma individual por determinado conjunto de pessoas (direitos individuais homogêneos) ou por titulares indeterminados ou indetermináveis (direitos difusos).
Nesse contexto, cumpre ressaltar que a fixação muito elevada do valor inicial da causa, destoante da verdadeira expressão econômica da ação coletiva, implica em vultosa quantia a ser arbitrada a título de honorários advocatícios, caso os pedidos sejam julgados procedentes e o réu tenha que arcar com o ônus da sucumbência.
Assim, em razão de todas as especificidades, no caso concreto, não há falar em aplicação do § 2º do art. 85 do CPC/2015, motivo pelo qual o julgador deve atribuir o valor dos honorários com base em equidade.
Saiba mais:
REsp 1.946.423-MA, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/11/2021, DJe 12/11/2021.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO BANCÁRIO
Ação de busca e apreensão. Inadimplemento de contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária. Cédula de crédito bancário. Juntada do original do título. Necessidade.
É necessária a juntada do original do título de crédito a fim de aparelhar ação de busca e apreensão, ajuizada em virtude do inadimplemento de contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária.
Na hipótese de o credor fiduciário optar pelo ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem dado em garantia, se mencionado bem não puder ser localizado ou não mais se encontrar na posse do devedor, a legislação prevê a possibilidade de conversão da ação escolhida em outra ação – atualmente, em ação de execução.
Dessa forma, se a lei abre a possibilidade de a ação de busca e apreensão ser convertida em ação de execução, deve-se esclarecer se é prudente que se adote a mesma conclusão quanto à necessidade de apresentação do original do título de crédito para instruir aquela ação.
A juntada da via original do título executivo extrajudicial é, em princípio, requisito essencial à formação válida do processo de execução, visando a assegurar a autenticidade da cártula apresentada e a afastar a hipótese de ter o título circulado, sendo, em regra, nula a execução fundada em cópias dos títulos.
A execução pode, excepcionalmente, ser instruída por cópia reprográfica do título extrajudicial em que fundamentada, prescindindo da apresentação do documento original, principalmente quando não há dúvida quanto à existência do título e do débito e quando comprovado que o mesmo não circulou.
O documento representativo do crédito líquido, certo e exigível é requisito indispensável não só para a execução propriamente dita, mas, também, para demandas nas quais a pretensão esteja amparada no referido instrumento representativo do crédito, mormente para a ação de busca e apreensão que, conforme regramento legal, pode ser convertida em ação de execução.
Por ser a cédula de crédito bancário dotada do atributo da circularidade, mediante endosso, conforme previsão do art. 29, § 1º, da Lei n. 10.931/2004, a apresentação do documento original faz-se necessária ao aparelhamento da ação de busca e apreensão, se não comprovado pelas instâncias ordinárias que o título não circulou.
Ressalva-se que o referido entendimento é aplicável às hipóteses de emissão das CCBs em data anterior à vigência da Lei n. 13.986/2020, tendo em vista que a referida legislação modificou substancialmente a forma de emissão destas cédulas, passando a admitir que a mesma se dê de forma cartular ou escritural (eletrônica). A partir de sua vigência, a apresentação da CCB original faz-se necessária ao aparelhamento da execução somente se o título exequendo for apresentado no formato cartular.
REsp 1.448.785-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 26/10/2021, DJe 03/11/2021.
DIREITO CIVIL, DIREITO COMERCIAL
Contrato de transporte. Princípio da especialidade. Código Comercial e Decreto n. 2.681/1912. Prescrição ânua. Incidência. Lei n. 11.442/2007.
Incide o prazo de prescrição anual às pretensões relativas ao contrato de transporte terrestre de cargas antes e depois da vigência do Código Civil de 2002.
Não se desconhece que a Corte Especial, no julgamento do EREsp 1.251.984/PR, definiu que o prazo prescricional decorrente da responsabilidade civil contratual deve ser o decenal, previsto no art. 205 do CC/2002 (dispositivo correspondente, em parte, ao prazo vintenário do art. 177 do CC/1916), e não o do art. 206, § 3º, V, do CC/2002, cuja aplicação ficou restrita aos casos de responsabilidade civil extracontratual.
Entretanto, nesse mesmo julgado, em observância ao princípio da especialidade, ficou ressalvada a incidência de prazo diferenciado para hipóteses legais específicas.
Para as pretensões decorrentes de contratos de transporte de cargas havia previsão legal específica de prescrição (arts. 449, §§ 2º e 3º, do Código Comercial e 9º do Decreto n. 2.681/1912).
No caso concreto, o contrato firmado verbalmente entre as partes tem natureza jurídica de contrato de transporte, o que atrai a incidência do prazo prescricional anual conforme os artigos mencionados.
A realidade socioeconômica dos contratos de transporte é mais dinâmica e, por esse motivo, mais exíguos os prazos de prescrição estabelecidos contra as empresas transportadoras.
Tanto é verdade que a nova legislação que dispôs a respeito do transporte rodoviários de cargas (unimodal, portanto), a Lei n. 11.442/2007, optou por retornar (depois de um período sob a regência do CC/2002), à sua redação, a prescrição anual para as pretensões à reparação pelos danos relativos aos contratos de transporte, nos seguintes termos: “Art. 18. Prescreve em 1 (um) ano a pretensão à reparação pelos danos relativos aos contratos de transporte, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano pela parte interessada.”
REsp 1.787.026-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 26/10/2021, DJe 05/11/2021.
DIREITO CIVIL
Condomínio edilício. Empregado. Evento danoso fora do horário de expediente. Ato em razão do trabalho. Responsabilidade civil. Caracterização.
O condomínio edilício responde pelos danos causados por seus empregados mesmo que fora do horário de expediente, desde que em razão do seu trabalho.
A responsabilidade civil, via de regra, é por fato próprio (comissivo ou omissivo), atribuindo-se ao próprio agente causador do dano a obrigação de indenizar os prejuízos sofridos pelo lesado (artigos 186 e 927 do Código Civil).
Eventualmente, porém, o ordenamento jurídico atribui a uma terceira pessoa (natural ou jurídica) a responsabilidade civil pelos fatos praticados pelo autor do dano, sendo essa modalidade, denominada de responsabilidade civil pelo fato de terceiro ou pelo fato de outrem, regulada, especialmente, no art. 932 do Código Civil.
Nesse contexto, a parte final do enunciado normativo do inciso III do art. 932 do Código Civil, ao dispor acerca da responsabilidade do empregador por ato praticado por seu empregado ou preposto, estabelece ser ele responsável pelos atos praticados no exercício do trabalho ou em razão dele, sendo objetiva (independente de culpa) essa modalidade de responsabilidade civil.
A doutrina e a jurisprudência oscilam entre as teorias da causalidade adequada e do dano direto e imediato (interrupção do nexo causal) para explicar a relação de causalidade na responsabilidade civil no direito brasileiro.
O importante é que somente se estabelece o nexo causal entre o evento danoso e o fato imputado ao agente quando este surgir como causa adequada ou determinante para a ocorrência dos prejuízos sofridos pela vítima.
No caso, o evento danoso ocorreu com a participação do empregado do condomínio, tendo em vista que o empregado permaneceu no trabalho e lá mesmo se embebedou, além de ter se locupletado da informação adquirida em função de seu emprego para ingressar no veículo e causar o dano.
Qualquer que seja a teoria que se considere para verificação do nexo causal (equivalência dos antecedentes, causalidade adequada ou dano direito e imediato) deve-se reconhecer que os fatos imputados ao condomínio estão situados no âmbito do processo causal, que desemboca na sua responsabilidade, sendo causas adequadas ou necessárias do evento danoso.
REsp 1.933.597-RO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 26/10/2021, DJe 03/11/2021.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Ação de interdição. Art. 750 do CPC/2015. Petição inicial. Laudo médico. Documento necessário à propositura da ação. Impossibilidade da juntada. Flexibilização admitida. Princípio do acesso à justiça. Audiência de justificação. Cabimento.
O laudo médico, previsto no art. 750 do CPC/2015 como necessário à propositura da ação de interdição, pode ser dispensado na hipótese em que o interditando resiste em se submeter ao exame.
De início, embora não haja dúvida de que o art. 750 do CPC/2015 alçou o laudo médico a ser apresentado pelo requerente ao posto de documento necessário à propositura da ação de interdição, não se pode olvidar que esse mesmo dispositivo legal ressalva, expressamente, a possibilidade de o referido documento ser dispensado na hipótese em que for impossível colacioná-lo à petição inicial.
No caso, a alegação de que a petição inicial veio desacompanhada de laudo médico em virtude da recusa do interditando em se submeter ao exame a partir do qual seria possível a sua confecção revela-se plausível no contexto em que, em princípio, a interditanda reuniria plenas condições de resistir ao exame médico.
A esse respeito, sublinhe-se que a juntada do laudo médico pelo requerente na petição inicial não tem por finalidade substituir a produção da prova pericial em juízo, expressamente mantida e obrigatória a teor do art. 753, caput, do CPC/2015.
A importância e a indispensabilidade do laudo pericial na ação de interdição, aliás, já foram reconhecidas em precedente desta Corte, no qual se consignou que “o laudo pericial não pode ser substituído por mero relatório médico, especialmente quando há divergência entre o conteúdo do relatório em confronto com os demais elementos de prova produzidos no processo”, concluindo-se que “nas hipóteses de interdição, é imprescindível que o exame médico resulte em laudo pericial fundamentado, no qual deverão ser examinadas todas as circunstâncias relacionadas à existência da patologia do interditando, bem como a sua extensão e limites”. (REsp 1.685.826/BA, Terceira Turma, DJe 26/09/2017).
Daí porque se percebe que o laudo médico exigido não deve ser conclusivo, mas, ao revés, apenas tem o condão de fornecer elementos indiciários, de modo a tornar juridicamente plausível a tese de que estariam presentes os requisitos necessários para a interdição e, assim, viabilizar o prosseguimento da respectiva ação.
Isso se reflete, evidentemente, no grau de rigor ou de flexibilidade do julgador em relação à exigência legal. Se se tratasse de um documento indispensável à decisão de mérito, deveria o julgador ser mais rigoroso, mas, por se tratar de documento necessário à propositura da ação e ao perfunctório exame de plausibilidade da petição inicial, deve ele ser mais flexível, justamente para não inviabilizar o acesso à justiça.
Sublinhe-se, ainda, que antes de extinguir o processo sem resolução do mérito, é sempre desejável que o julgador leve em consideração as especificidades da causa e o contexto social em que se inserem os litigantes.
Finalmente, anote-se que, na hipótese, diante da inexistência do laudo médico, pleiteou-se na petição inicial a designação de audiência de justificação prévia, nos termos do art. 300, §2º, do CPC/2015, o que foi negado, a despeito de se tratar de providência suficiente para impedir a extinção do processo sem resolução do mérito. Com efeito, é bastante razoável compreender que, na ausência de laudo médico, deva o juiz, antes de indeferir a petição inicial, designar a referida audiência.
Saiba mais:
REsp 1.938.665-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 26/10/2021, DJe 03/11/2021.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Cumprimento de sentença. Natureza cível. Pesquisa de ativos. Expedição de ofício ao Cadastro de Cliente do Sistema Financeiro Nacional do Banco Central do Brasil – CCS/Bacen. Possibilidade.
É possível a determinação de consulta ao CCS-Bacen em cumprimento de sentença de natureza cível com o fim de apurar a existência de patrimônio do devedor.
A controvérsia consiste em aferir se seria possível, após as devidas tentativas de identificação e constrição de ativos financeiros restarem infrutíferas, a determinação de consulta ao CCS-Bacen, com o fim de apurar a existência de patrimônio do devedor, perseguido em cumprimento de sentença de natureza cível.
O Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS) é um sistema de informações de natureza cadastral, que tem por objeto os relacionamentos mantidos pelas instituições participantes com os seus correntistas ou clientes, mas não congrega dados relativos a valor, movimentação financeira ou saldos de contas e aplicações.
Em suma, o mencionado cadastro contém as seguintes informações sobre o relacionamento dos clientes ou correntistas com as instituições do Sistema Financeiro Nacional: a) identificação do cliente e de seus representantes legais e procuradores; b) instituições financeiras em que o cliente mantém seus ativos ou investimentos; e c) datas de início e, se houver, de fim de relacionamento.
O CCS-Bacen, portanto, ostenta natureza meramente cadastral. Não implica constrição, mas sim subsídio à eventual constrição, e funciona como meio para o atingimento de um fim, que poderá ser a penhora de ativos financeiros por meio do BacenJud.
Em outras palavras, o acesso às informações do CCS serve como medida que poderá subsidiar futura constrição, alargando a margem de pesquisa por ativos. Não se mostra razoável, assim, permitir a realização de medida constritiva por meio do BacenJud e negar a pesquisa exploratória em cadastro meramente informativo, como é o caso do CCS.
Dessa forma, não há qualquer impedimento à consulta ao CCS-Bacen nos procedimentos cíveis, devendo ser considerado como apenas mais um mecanismo à disposição do credor na busca para satisfazer o seu crédito.
REsp 1.943.628-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 26/10/2021, DJe 03/11/2021.
DIREITO DO CONSUMIDOR
Medicamento não registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária. ANVISA. Importação excepcionalmente autorizada pela ANVISA. Cobertura pela operadora de plano de saúde. Obrigatoriedade. Tema 990. Distinguishing.
É de cobertura obrigatória pela operadora de plano de saúde, o medicamento que, apesar de não registrado pela ANVISA, teve a sua importação excepcionalmente autorizada pela referida Agência Nacional.
Cinge-se a controvérsia sobre a obrigação de a operadora de plano de saúde custear medicamento importado para o tratamento da doença que acomete o beneficiário, o qual, apesar de não registrado pela ANVISA, possui autorização para importação em caráter excepcional.
Segundo o entendimento consolidado pela Segunda Seção do STJ, sob a sistemática dos recursos repetitivos, “as operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela ANVISA” (REsp 1.712.163/SP e REsp 1.726.563/SP, Tema 990, DJe de 09/09/2020).
No entanto, a autorização da ANVISA para a importação excepcional do medicamento para uso próprio sob prescrição médica, é medida que, embora não substitua o devido registro, evidencia a segurança sanitária do fármaco, porquanto pressupõe a análise da Agência Reguladora quanto à sua segurança e eficácia, além de excluir a tipicidade das condutas previstas no art. 10, IV, da Lei n. 6.437/1977, bem como nos arts. 12 c/c 66 da Lei n. 6.360/1976.
Dessa forma, necessária a realização da distinção (distinguishing) entre o entendimento firmado no precedente vinculante e a hipótese em análise, na qual o medicamento prescrito ao beneficiário do plano de saúde, embora se trate de fármaco importado ainda não registrado pela ANVISA, teve a sua importação excepcionalmente autorizada pela referida Agência Nacional, sendo, pois, de cobertura obrigatória pela operadora de plano de saúde.
REsp 1.953.212-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 26/10/2021, DJe 03/11/2021.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR
Juízo arbitral. Recuperação judicial. Competência. Parte provoca manifestação. Obtenção do pronunciamento. Requerimento de nulidade da decisão. Argumento de que não poderia ter havido o enfrentamento do tema. Impossibilidade.
Não é aceitável que a parte provoque a manifestação do juízo arbitral e, depois de obter o pronunciamento acerca da matéria, venha a pleitear a nulidade da decisão ao argumento de que não poderia ter enfrentado o tema.
De acordo com a iterativa jurisprudência do STJ, as ações movidas em face de empresas em recuperação judicial que demandam quantias ilíquidas devem tramitar regularmente onde foram propostas, inclusive aquelas submetidas a juízo arbitral, até a apuração do montante devido.
A natureza do crédito (concursal ou extraconcursal) não é critério definidor da competência para julgamento de ações (etapa cognitiva) propostas em face de empresa em recuperação judicial, mas sim as regras ordinárias dispostas na legislação processual.
O que constitui competência exclusiva do juízo universal, segundo a jurisprudência deste Tribunal, é a prática ou o controle de atos de execução de créditos individuais promovidos contra empresas falidas ou em recuperação judicial.
Ainda que o juízo arbitral, na espécie, tenha se manifestado, em sua fundamentação, acerca da natureza extraconcursal do crédito em cobrança, isso decorreu como resposta à arguição da própria parte, não guardando, sequer, relação direta com a pretensão deduzida inicialmente.
Ora, se a competência do juízo arbitral foi questionada com fundamento na concursalidade do crédito, era de rigor que tal circunstância fosse enfrentada pelos julgadores justamente para decidir acerca dessa questão. Veja-se que em nenhum momento o tribunal determinou a inclusão ou a exclusão do crédito dos efeitos da recuperação judicial, tendo, exclusivamente, reconhecido sua competência para apurar a existência e a expressão econômica do crédito em cobrança (an debeatur e quantum debeatur).
Não é aceitável que a parte provoque a manifestação do órgão julgador e, depois de obter o pronunciamento acerca da matéria por ela mesma invocada, venha a pleitear a nulidade da decisão ao argumento de que não poderia ter havido o enfrentamento do tema.
Por fim, o deferimento do pedido de recuperação judicial não tem o condão de transmudar a natureza de direito patrimonial disponível do crédito que procura-se ver reconhecido e quantificado no procedimento arbitral.
REsp 1.536.035-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 26/10/2021.
DIREITO CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL
Danos morais decorrentes de protesto de título de crédito irregular. Pretensão executória do credor prescrita. Ação monitória cabível. Devedor inadimplente no negócio jurídico subjacente. Danos morais. Inocorrência.
O protesto de título de crédito realizado enquanto ainda existe a possibilidade (pretensão) de cobrança relativa ao crédito referente ao negócio jurídico subjacente não gera danos morais ao devedor.
No âmbito interno da Quarta Turma há precedentes, em sede de agravo interno, perfilhando o entendimento – tradicional no âmbito do STJ – de que o protesto, nessas circunstâncias, ocasionaria danos morais in re ipsa.
Contudo, a Terceira Turma, em verdadeiro overruling, se afastou desse entendimento que prevalecia em ambas as turmas de direito privado e passou a entender que, cuidando-se de protesto irregular de título de crédito, o reconhecimento do dano moral está atrelado à ideia do abalo do crédito causado pela publicidade do ato notarial, que, naturalmente, faz associar ao devedor a pecha de “mau pagador” perante a praça.
Todavia, na hipótese em que o protesto é irregular por estar prescrita a pretensão executória do credor, havendo, porém, vias alternativas para a cobrança da dívida consubstanciada no título, não há falar em abalo de crédito, na medida em que o emitente permanece na condição de devedor, estando, de fato, impontual no pagamento.
Deveras, o art. 186 do CC estabelece que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, enquanto o art. 927, parágrafo único, do mesmo Diploma dispõe que aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo.
Assim, para caracterizar obrigação de indenizar, não é decisiva a questão da ilicitude da conduta ou de o serviço prestado ser ou não de qualidade, mas sim a constatação efetiva do dano a bem jurídico tutelado, não sendo suficiente tão somente a prática de um fato contra legem ou contra jus, ou que contrarie o padrão jurídico das condutas.
É, portanto, o caso de aplicação do brocardo segundo o qual a ninguém é dado valer-se de sua própria torpeza para pleitear um direito (nemo auditur propriam turpitudinem allegans), sendo nítido o abuso de direito.
Realmente, ainda que exista o direito de acesso à justiça e seja viável o pedido de cancelamento do protesto irregular (quando realizado após o prazo de execução cambial dos cheques), há ilicitude se um dos pedidos fora em manifesto abuso, contrário à boa-fé, aos deveres de probidade (art. 422 do CC), à finalidade social ou econômica do direito; ou, ainda, se praticado com ofensa aos usos e costumes.
Dessa forma, não há direito da personalidade a ser legitimamente tutelado quando o autor da ação de danos morais é inadimplente, não havendo falar em abalo de crédito, na medida em que o emitente permanece na condição de devedor, estando, de fato, impontual no pagamento.